Bom, decidi hoje colocar aqui a reportagem da Revista VEJA SP, a popular Vejinha, sobre a ocupação da reitoria. Capa dessa edição titulada "Caos na USP" a matéria tem uma visão no mínimo condenável, em minha opinião, do problema das universidades públicas paulistas. Nunca fui de criticar a VEJA, afinal a revista tem o direito de escolher a matéria que quiser e quando quiser. Agora daí para usar as palavras que foram usadas é outra coisa. A coisa é delicada, precisamos de mais seriedade.
Eu decidi colocar em vermelho palavras ou expressões peculiares usadas pela VEJA. É mais ou menos como eu dizer - "aqui eu teria um comentário a fazer, provavelmente discordando mas não necessariamente".
Após essa matéria eu colocarei aqui também um interessantíssimo texto de Dalmo Dallari. Professor do departamento de Estado da FDUSP (SanFran) e renomado jurista este ensaio faz uma análise muito competente dos decretos. Para mim não resta muita dúvida.
Ainda, depois do texto do profº Dalmo eu decidi finalizar este post com mais dois textos, artigos. O primeiro de autoria de Maria Inês Nassif que disserta sobre a natureza atual do ME e o segundo do profº Sérgio Adorno (FFLCH-USP) - este que apresenta uma visão diferente da maioria dos professores desta unidade causando polêmica na USP.
Estão brincando com fogo (reportagem publicada na VEJA SP de 27.05.2007)
Com baderna e reivindicações oportunistas, uma inexpressiva parcela dos 80 600 alunos da Universidade de São Paulo mancha a imagem da maior e melhor instituição de ensino do país
Mais prestigiosa instituição de ensino superior do país e uma das mais concorridas – no último vestibular, houve 142 656 candidatos para 11 682 vagas –, a Universidade de São Paulo (USP) é orgulho e patrimônio dos paulistas. Com 61 cursos cinco-estrelas segundo a última avaliação do Guia do Estudante, publicado pela Editora Abril, ela está bem à frente da segunda colocada no ranking de excelência, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que teve 26 cursos colocados no mesmo patamar. Desde o dia 3, no entanto, a principal universidade do Brasil vive um drama que pode transformá-la em terra de ninguém. Naquela tarde, ela foi atacada em seu coração, a reitoria, quando um pequeno bando formado por cerca de 300 de seus quase 80 600 alunos (ou seja, menos de 0,5% do total) invadiu o prédio e ali acampou, ameaçando permanecer aquartelado até que uma lista com dezessete exigências, boa parte delas oportunista, fosse atendida.
Intitulando-se simplesmente membros do "movimento estudantil", os arruaceiros, cuja ação seria repudiada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), destruíram uma porta e depredaram as placas de identificação de algumas salas do edifício. Onde antes se lia reitora, por exemplo, agora se vê apenas uma provocação bobinha: a palavra rei. Na terça-feira (22), quase vinte dias após o início da ocupação, cerca de 200 deles não haviam arredado o pé de lá, indiferentes à fedentina que começava a se espalhar pelos ambientes. O mau cheiro vinha principalmente dos dois banheiros utilizados pelo grupelho, formado em sua maioria por alunos dos cursos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e da Escola de Comunicação e Artes (ECA), que tiveram parte de suas aulas suspensa. Espalhados por um chão ensebado, coberto por pedaços de papel, casais namoravam, rapazes divertiam-se em jogos de carteado e mocinhas pintavam as unhas – alguns deles vestidos com camiseta de microscópicos partidos da esquerda radical, como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido da Causa Operária (PCO) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Num canto, alguns compenetrados ativistas preparavam uma cartilha a ser distribuída aos manifestantes. O conteúdo? Indicações do que fazer caso a Polícia Militar, cumprindo uma decisão da Justiça, ocupasse o prédio para desalojar os invasores, o que até as 20 horas da última quarta não havia ocorrido.
No dia 16, a reitora da universidade, Suely Vilela, recebeu um mandado de reintegração de posse expedido pelo juiz Jayme Martins de Oliveira Neto, da 13ª Vara da Fazenda Pública. Trata-se da autorização do uso de força policial para a retirada dos rebelados, mas a reitora preferiu, sem sucesso, negociar com eles. O senador Eduardo Suplicy (PT) foi chamado para mediar o debate entre as duas partes, a convite de ambas. Desde sexta-feira (18) ele esteve em contato com os estudantes, por telefone. "Na madrugada da quarta me ligaram dizendo que haviam resolvido só dialogar diretamente com o governador José Serra", conta Suplicy. "Pediram para tentar agendar uma conversa com ele, o que eu disse que seria praticamente impossível." Não adiantaram as suas sugestões para que deixassem o prédio. "O movimento radicalizou demais", avalia o senador. Apoiados pela Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), que aproveitou para entrar em greve na quarta (23), desrespeitando assim o direito dos alunos que querem estudar, e pelo Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), os alunos reivindicavam principalmente a revogação de cinco decretos assinados pelo governador no início do seu mandato. Segundo eles, as medidas comprometem a "autonomia das universidades públicas". A mais importante refere-se à criação da Secretaria de Ensino Superior, à qual as universidades paulistas estaduais (USP, Unicamp e Universidade Estadual Paulista, a Unesp) estão agora vinculadas. Antes elas eram ligadas à extinta Secretaria de Ciência e Tecnologia. Com a mudança, o médico José Aristodemo Pinotti assumiu a Secretaria de Ensino Superior.
O anúncio da criação do órgão provocou alvoroço por causa de uma série de informações e ações desencontradas protagonizadas pelo próprio governo. Ainda que indiretamente, a decisão vai garantir mais dinheiro para o ensino superior público. Além do montante anual de 9,57% do ICMS do estado que desde 1989 é destinado às universidades (em 2006, isso representou 4 bilhões de reais), elas serão beneficiadas com os 15 milhões de reais que a Secretaria de Ensino Superior pretende gastar com projetos neste ano (veja o quadro). Ao mesmo tempo em que foi nomeado secretário, Pinotti tornou-se presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais do Estado de São Paulo (Cruesp), do qual também fazem parte os secretários de Educação e Desenvolvimento. Cabe ao conselho, por exemplo, definir o porcentual anual de reajuste de salários de docentes e funcionários das universidades. A situação provocou uma saia-justa. Afinal, seria Pinotti, um representante do estado, quem daria o voto de Minerva no caso de impasses em processos de tomada de decisão do conselho. "Percebi o mal-estar e pedi que a presidência fosse dada a outro", diz ele. O cargo acabou então entregue ao reitor da Unicamp, o engenheiro agrícola José Tadeu Jorge.
Foi justamente a partir de 1989, quando por meio de um decreto as instituições públicas de ensino superior do estado ganharam autonomia para gerir seus recursos, que as universidades paulistas não pararam de crescer. Isso é medido, entre outros indicadores, pelo aumento do número de vagas oferecidas nos vestibulares. Há vinte anos eram quase 6 780 na USP, número atualmente 70% maior. Juntas, USP, Unicamp e Unesp são responsáveis por metade da produção acadêmica do país. A declaração dada por Pinotti de que remanejamentos de verbas entre os três grupos orçamentários dessas universidades (pessoal, investimento e custeio) precisariam ser aprovados pelo governador, ao contrário do que acontece hoje, despertou uma celeuma no meio acadêmico. Caso isso se confirmasse, decisões corriqueiras como a de realocar dinheiro previsto para a compra de material na contratação de um novo professor seriam obrigatoriamente submetidas a Serra, burocratizando o processo. O governo se apressou em apagar o incêndio. "O secretário da Fazenda nos enviou um ofício em que garante que não será necessário fazer esse tipo de consulta", diz Tadeu Jorge. "Houve mal-entendidos", completa Pinotti. O que o governador exigiu – e conseguiu fazer cumprir – é que a prestação de contas das universidades no Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (Siafem) passe a ser diária. Hoje a entrada de dados no sistema é mensal. "Até agora as universidades informavam, por exemplo, apenas o montante total gasto por mês com equipamentos", explica Pinotti. "Futuramente terão de discriminar todas as despesas que fazem, dia a dia." Por meio dessa ferramenta, disponível na internet, o contribuinte paulista pode acompanhar o uso de seu dinheiro. Nada mais justo.
Os estudantes que invadiram a reitoria da USP pegaram carona no debate desses assuntos para apresentar uma longa lista de reivindicações. Sua pauta de dezessete itens inclui eleições diretas para reitor, contratação imediata de professores e funcionários, construção de prédios, reforma de outros, criação de 600 vagas de moradia estudantil, garantia de alimentação nos fins de semana nos restaurantes universitários, liberdade de manifestação política (panfletagem, colagem de cartazes etc.) e cultural (realização de festas e festivais), e por aí vai... "Grande parte da mobilização não tem nada a ver com os decretos do Serra, que são apenas um bode expiatório da crise", afirma o cientista político Fernando Abrucio, especialista em administração pública. "A solução do conflito é dificultada pela falta de uma liderança clara entre os alunos", diz o professor da Faculdade de Filosofia da USP Adilson Avansi de Abreu, um dos três nomes cotados para o cargo de reitor na última eleição, da qual saiu vitoriosa Suely Vilela. A reitora se recusa a dar entrevistas até o fim do impasse. Os alunos amotinados também não atendem a imprensa. Jornalistas que conseguiram entrar no QG dos estudantes munidos de máquinas fotográficas só saíram de lá depois que as imagens foram checadas por uma comissão de censores – a preocupação é evitar que retratos dos manifestantes sejam divulgados. Entre as condições impostas para a desocupação da reitoria está a de que nenhum estudante sofra algum tipo de punição. Brincando com fogo, eles são bem diferentes dos caras-pintadas, que em 1992 foram às ruas para protestar contra o governo Fernando Collor mostrando o rosto. Tentam se manter clandestinos apesar de seu endereço conhecido. Que, até a última quarta-feira, era o da USP.Para ler matéria na íntegra (com anexos e fotos) no site da Revista VEJA clique aqui.
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Autonomia agredida
por Dalmo de Abreu Dallari
O novo Governador do Estado de São Paulo, José Serra, iniciando o exercício de seu mandato no começo de 2007, editou um conjunto de decretos que parecem ter sido preparados de afogadilho e sem avaliação de suas conseqüências, tendo já acarretado algumas conseqüências negativas, estando neles a raiz da invasão da Reitoria da Universidade de São Paulo por estudantes daquela universidade. Seja qual for a opinião quanto à conveniência e oportunidade da invasão, o fato é que os decretos do Governador estão diretamente ligados àquele acontecimento. Talvez se diga que se os estudantes estivessem mais bem informados quanto ao exato conteúdo dos decretos e ao seu alcance poderiam manifestar desacordo, mas sem chegar àquela medida drástica, mas isso também revela a afoiteza e imprudência do governo na apresentação do fato consumado, sem maiores esclarecimentos. Na realidade, a análise jurídica dos referidos decretos leva à conclusão de que existem ali algumas evidentes inconstitucionalidades, havendo mesmo, em alguns pontos, uma tentativa de mascarar a realidade, por meio de uma espécie de ilusionismo jurídico, que, no entanto, não resiste a um exame mais atento, mesmo que baseado apenas no bom senso e na lógica. Bastaria observar que no dia 1º de janeiro de 2007 o novo Governador já emitiu extensos decretos, eliminando e criando Secretarias na organização administrativa superior do Estado, para tanto exercendo atribuições que não são do Executivo, mas da Assembléia Legislativa do Estado. É oportuno lembrar que o decreto é ato administrativo, que o Chefe do Executivo pode praticar para fixar regras de caráter regulamentar, mas que só têm validade e força jurídica se não contrariarem qualquer dispositivo da Constituição ou de alguma lei. E isso não foi observado.
Um desses decretos, o de número 51.460, de 1º de janeiro de 2007, pode ser considerado extremamente audacioso, pois expressa uma tentativa de alterar pontos substanciais da ordem pública pública, criando e extinguindo órgãos de grande relevância na organização administrativa fundamental do Estado, fingindo que só estão sendo mudados os nomes de alguns desses órgãos, sem nenhuma consideração pelos objetivos que inspiraram a criação desses órgãos e pelas características de suas organização, bem como pela especialização de seus quadros. A par desse absurdo, ocorrem ainda agressões a normas constitucionais expressas e já tradicionais no sistema constitucional brasileiro, como as que consagram a autonomia das Universidades públicas. A mais absurda dessas investidas contra a Constituição e o bom senso é a que consta do artigo 1º, inciso III, desse decreto, cuja redação é mais do que eloqüente na denúncia do absurdo:
“Artigo 1º. A denominação das Secretarias de Estado a seguir relacionadas fica alterada na seguinte conformidade:
..............................................................................................................................
III. de Secretaria de Turismo para Secretaria de Ensino Superior.”
Essa pretensa mudança de nome é uma aberração mais do que óbvia, pois o nome identifica toda uma estrutura, criada para atingir objetivos determinados e organizada para atingir essa finalidade. É do mais elementar bom senso que tendo sido criada para fomentar o turismo aquela Secretaria foi organizada de modo a poder atuar na área do turismo, com órgãos adaptados às características dessa área e, obviamente, com um funcionalismo especializado nesse setor de atividades. Se o Governador alegar que vai aproveitar a mesma organização e os mesmos funcionários estará afirmando um absurdo, pois ninguém será tão tolo a ponto de admitir que o mesmo dispositivo criado para atuar no turismo será competente e eficiente para desempenhar atividades de apoio e fomento à Educação Superior. E se disser que haverá completa alteração da estrutura organizacional e substituição do funcionalismo por outro capacitado para agir na área da Educação Superior, criando-se os cargos indispensáveis para tanto, estará confessando a fraude, a extinção de uma Secretaria e a criação de outra sob o simulacro de mudança de nome. Isso, além de tudo, configura uma inconstitucionalidade em face da Constituição do Estado de São Paulo.
Na realidade, a Constituição paulista dispõe, no artigo 24, parágrafo 2º, que “compete exclusivamente ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:...2) criação e extinção de Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no artigo 47, XIX”. Segundo este último dispositivo, enxertado na Constituição do Estado pela Emenda Constitucional nº 21, de 2006, o Governador poderá dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos. Ora, para que a Secretaria de Educação Superior possa agir com a mínima eficiência no âmbito da Educação é indispensável a existência de órgãos e servidores adequados e capacitados para esse objetivo, o que, evidentemente, não foi feito quando se criou a Secretaria de Turismo. A prova disso é que por meio de outro decreto, o de número 51461, também de 1º de Janeiro de 2007, o Governador do Estado definiu a organização da Secretaria de Educação Superior, ali incluindo muitos órgãos que, por motivos óbvios, não existiam nem existem na Secretaria de Turismo.
Em sentido oposto à necessidade de criação de órgãos e de cargos para especialistas em educação, é evidente que muitos órgãos, ligados ao turismo, ficarão inúteis, por absoluta inadequação, com a simulação da simples mudança de objetivos, impondo-se a extinção de tais órgãos, pela exigência óbvia de eliminação de despesas inúteis. Acrescente-se que com a simulação de simples mudança de nome da Secretaria, tentando ocultar a extinção de uma e a criação de outra, o Governador ofendeu a Constituição do Estado de São Paulo. De fato, pelo artigo 19, inciso VI, da Constituição, compete à Assembléia Legislação, com a sanção do Governador do Estado, dispor sobre a criação e extinção de Secretarias do Estado. Ou seja, esses atos exigem a aprovação de uma lei pela Assembléia Legislativa, não podendo ser praticados por decreto.
Outro ponto fundamental, relacionado com os decretos pelo atual Governador do Estado, é a ofensa à autonomia das Universidades Públicas, que tem apoio na Constituição da República e já constitui uma tradição no sistema público de educação superior no Brasil. Para que isso fique evidente, é oportuno lembrar o que dispõe a Constituição brasileira de 1988 sobre a autonomia das Universidades:
“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.” Autonomia é expressão de origem grega, que indica o direito de agir independentemente, com suas próprias leis, tendo-se consagrado na linguagem política, jurídica e administrativa brasileira como sinônimo de auto-governo e auto-determinação. A autonomia das universidades foi uma conquista que atravessou várias etapas, incluindo a luta pela libertação de limitações à busca de conhecimentos e à afirmação de novas verdades científicas impostas por motivos religiosos. Em séculos mais recentes, a luta pela autonomia na busca e aquisição e transmissão de conhecimentos teve por meta a eliminação das limitações e dos condicionamentos impostos por motivos de conveniência política ou por intolerância e ignorância de governantes. Como parte da luta pela autonomia, colocou-se a exigência de apoio financeiro e de plena liberdade nas decisões sobre os objetivos e o modo de utilização dos recursos recebidos, para que prepondere sempre o interesse da humanidade, que deve ser o parâmetro superior da comunidade universitária.
Quanto ao sentido e à importância da autonomia, vem a propósito lembrar as observações feitas por dois notáveis juristas brasileiros que se detiveram no estudo do assunto e que com palavras claras e incisivas registraram suas conclusões. Um deles é Hely Lopes Meirelles, uma das mais importantes figuras do Direito Administrativo brasileiro, que, em estudo elaborado no ano de 1989, tendo em conta ameaças feitas à autonomia da Universidade Federal Fluminense, assim se expressou: “Na atual conjuntura, em face do artigo 207 da Constituição da República, “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. É a carta de alforria dessa instituições educacionais, que, ao longo do tempo, estiveram, muitas vezes, jungidas aos interesses eleitoreiros e imediatistas de quantos se arvoraram “tutores” da universidade.”
Outro notável mestre do Direito Público brasileiro, Caio Tácito, que foi professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em estudo publicado na Revista de Direito Administrativo, também no ano de 1989, discorreu, com clareza didática, sobre o significado e o alcance da autonomia universitária. Eis as palavras do mestre:
“A universidade deve nascer, viver e conviver sob o signo da autonomia, que é um conceito multilateral. Primordialmente, autonomia científico-pedagógica, porque é da essência da instituição universitária criar, pesquisar, ordenar e transmitir o conhecimento, como elemento fundamental para difundir a educação e fomentar a cultura. Essa missão básica da universidade pressupõe, no entanto, a disponibilidade de meios flexíveis e satisfatórios à plenitude da concreção de seus fins. Daí a necessidade de estender-se o princípio da autonomia aos meios de operação, consistentes na autonomia patrimonial, autonomia orçamentária e financeira, autonomia administrativa e autonomia disciplinar.”.
A Constituição do Estado de São Paulo reproduz a garantia de autonomia das universidades, coerente com o disposto na Constituição da República, adicionando alguns pontos que é oportuno conhecer. Dispõe a Constituição paulista, no artigo 154, que “a autonomia da universidade será exercida respeitando, nos termos do seu estatuto, a necessária democratização do ensino e a responsabilidade pública da instituição, observados os seguintes princípios: I. utilização dos recursos de forma a ampliar o atendimento da demanda social, tanto mediante cursos regulares quanto atividades de extensão; II. representação e participação de todos os segmentos da comunidade interna nos órgãos decisórios e na escolha dos dirigentes, na forma de seus estatutos.”
Um ponto muito evidente, é que pelo próprio conceito de autonomia, como foi consagrado no sistema Constitucional brasileiro, assim como pelas disposições expressas das Constituições da República e do Estado de São Paulo, cabe à Universidade, exclusivamente e sem qualquer interferência externa, definir suas prioridades e suas diretrizes. Isso implica, também, a competência exclusiva da universidade para definir suas atividades de estudo e pesquisa, sem nenhuma interferência, a qualquer título, de órgãos da administração pública estadual. Por esse ponto fica evidenciada a inconstitucionalidade do decreto estadual nº 51.461, de 1º de janeiro de 2007, que pretendeu dar à Secretaria de Ensino Superior uma série de atribuições que são exclusivas da universidade, porque inseridas no âmbito de sua autonomia. Com efeito, o artigo 2º do decreto diz que constitui o campo funcional da Secretaria de Ensino Superior “a proposição de políticas e diretrizes para o ensino superior em todos os seus níveis”. Como já foi demonstrado, a própria criação da Secretaria de Ensino Superior configura uma inconstitucionalidade, que é agravada pela atribuição àquela Secretaria de funções exclusivas da universidade e que esta tem o direito de exercer com autonomia.
Muitos outros pontos, que significam agressões à autonomia universitária, poderão ser apontados nos infelizes decretos editados pelo Governador do Estado no ano de 2007. Uma referência final deve ser feita a agressões à autonomia financeira da Universidade. Como já foi amplamente demonstrado, a autonomia compreende, necessariamente, a autonomia financeira, que, por sua vez, compreende o direito de receber recursos financeiros do Estado e de lhes dar destinação, pelo modo e no momento que a Universidade, por seus órgãos internos próprios, julgar adequados. Constitui agressão à autonomia da Universidade a sonegação desses recursos que lhe são legalmente assegurados, sendo inadmissível que por conveniência política ou administrativa o governo do Estado retenha esses recursos, mediante o artifício que se convencionou chamar “contingenciamento”, tentando ocultar a realidade da sonegação. A Universidade tem direito constitucional à autonomia e deve posicionar-se firmemente contra todos os artifícios tendentes a diminuição ou negação dessa autonomia.
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O MST e o movimento estudantil
A saia justa do governador Serra
Por Maria Inês Nassif
Um kit eleitoral básico, com direito a lote de camisetas e santinhos, para o político que se dispuser a estar na pele do governador José Serra (PSDB) nos próximos dias. Embora o constrangimento ande um artigo de luxo na política brasileira, não deve ser confortável para um ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) dos idos tempos em que o movimento estudantil tinha importância política no cenário nacional ser empurrado para a situação em que está.
A Universidade de São Paulo (USP) está em greve parcial. Os funcionários aderiram. Os professores tomaram ontem o mesmo caminho. E estudantes ocupam, há 20 dias, o prédio da reitoria. A Polícia Militar de São Paulo tem em mãos uma ordem da Justiça de reintegração de posse e tenta negociar. Os alunos se recusam. Rejeitaram propostas do governo e da reitora Suely Vilela. Mantendo-se o quadro, em algum momento dos próximos dias será sob o governo Serra que a PM invadirá o prédio para colocar os meninos para fora. Sabe-se lá com que intensidade de resistência ou violência. Essa é a preocupação que está no ar. Circula um manifesto de professores da USP, já com 300 assinaturas, em que eles rejeitam "qualquer ação violenta de desocupação do prédio, tendo em vista a justeza de sua causa política em defesa da universidade pública". Os signatários são pesos pesados da intelectualidade brasileira, assim como o foi o próprio Serra antes de trilhar o caminho da política: Antonio Cândido, Alfredo Bosi, Marilena Chauí, Leda Paulani, Maria Victoria Benevides etc.
Existem, no entanto, mais coisas a tornar essa reintegração uma missão de alto desgaste político. O movimento dos alunos é pacífico e organizado. Eles cuidam do patrimônio público e são muito mais "caretas" do que os do tempo de Serra líder estudantil. Vale a pena ler matéria de Laura Capriglione publicada na edição de ontem da "Folha de S. Paulo", intitulada "25 anos depois, estudante leva a mãe para a invasão" (os 25 anos a que ela se refere não é dos tempos de Serra, mas da revitalização do movimento estudantil, no final do período militar, que se iniciou justamente na USP). É um padrão de ocupação muito mais organizado, semelhante aos do Movimento Sem Terra (MST) e do Movimento dos Sem-Teto: não há depredação; existe uma divisão do trabalho que mantém a ocupação como uma decisão coletiva, com responsabilidades repartidas para a alimentação dos estudantes e também para a manutenção do prédio ocupado. O computador tirado do lugar reapareceu, assim como um documento secreto, que foi o estopim do pedido de reintegração.
Quem quer entender a recente politização dos jovens universitários deve prestar bastante atenção nesse movimento. Laura Capriglione descreve uma situação onde ninguém manda mas todos se entendem. É de se perceber que o PCdoB, que manteve hegemonia sobre o movimento estudantil durante muito tempo, não apareceu nesse episódio, como também não se identificam grupos ligados a outros partidos. Pelo padrão de ocupação, a referência deles parece ser a do MST, que para essa geração constitui a única organização com militância política e social efetiva e talvez a única que tenha uma perspectiva de mudança revolucionária.
A hegemonia da Ação Popular sobre o movimento estudantil no período pré-ditadura e a do PCdoB no período pós-ditadura, aliás, foram obtidas pelo fato de que eles se constituíram, para a maioria dos estudantes, como uma perspectiva de mudança. O idealismo é parte da juventude politizada. A AP, da qual Serra fazia parte quando se candidatou a presidente da UNE, foi um "racha" da Juventude Universidade Católica (JUC), um movimento pastoral da Igreja que, embora com alguma representação nas universidades, não tinha um componente revolucionário que atraísse a juventude. Uma das expoentes da AP, Madre Cristina (citada há algumas semanas nesta coluna), disse, em entrevista no "Teoria & Debate" do 1º trimestre de 1990: "A JUC, no início, era um movimento que rezava muito, fazia muito retiro e muita contemplação. Ponto final. Eu achava que a JUC tinha que participar do movimento político, porque sempre acreditei que a gente devia lutar pelo socialismo e esse socialismo tinha que ser democrático e cristão". Isso foi em 1958. O racha da JUC, mais tarde, fez o "Grupão", que reunia os grupos de São Paulo, Belo Horizonte . Essa foi a origem da AP. Mas, antes de se tornar AP, o "Grupão" conseguiu a hegemonia do movimento estudantil. Em 1961, quando o presidente João Goulart assumiu, a facção fez presidente da UNE Aldo Arantes. Elegeu Vinícius Caldeira Brandt em 1962 e estava sem nome para a gestão de 1963. José Serra não era da turma. "Mas nós descobrimos que ele era inteligente e que, se déssemos uma engomada nele, ele toparia", contou Madre Cristina.
Foi assim que Serra tornou-se um dos fundadores da Ação Popular. E presidente da UNE. E foi nessa condição que assistiu ao golpe militar de março de 1964. A UNE foi colocada na ilegalidade e sua sede, na praia do Flamengo, no Rio, incendiada. Perseguido, Serra exilou-se na França, e depois no Chile.
É essa a biografia do governador que tem diante de si um problema dessa ordem e várias questões que remetem ao conceito pleno de autonomia universitária. A reitora, como administradora de uma instituição pública, tinha que pedir a reintegração, sob pena de ser punida por omissão. Mas a PM no campus fere a autonomia? Em 1968, por exemplo, quando o regime ditatorial endureceu ainda mais, a invasão da Universidade de Brasília por tropas militares foi o sinal definitivo dado pelo governo de que a autonomia acabara. Hoje, como seria interpretada uma invasão do prédio da reitoria pela polícia? Afinal, existem fatos cuja representação política fala mais do que a intenção efetiva de seus atores.
O ex-presidente da UNE está numa enrascada. E embora desfile argumentos técnicos para todas as medidas que tomou em relação às universidades estaduais desde que assumiu o governo, o fato é que seus decretos foram muito mal digeridos pela comunidade acadêmica. Não existe solução para a crise que não passe por um debate democrático com toda ela, não apenas com os meninos que dormem na reitoria.
A USP e a desobediência civil
por Sérgio Adorno - Profº Titular de Sociologia da FFLCH-USP
Prezados colegas e membros do Conselho Departamental e do Colegiado de Pós-Graduação:
Venho, como cada um de nós, acompanhando com enorme apreensão os rumos dos acontecimentos desde a ocupação do prédio da Reitoria da USP.
Não quero entrar na discussão a respeito do mérito das reivindicações estudantis. Como todos nós, persisto acreditando na autonomia universitária, antes de tudo da pesquisa e do ensino, com apoio na autonomia administrativa e orçamentária. Igualmente, reconheço princípios de justiça em movimentos que cuidam defender a pertinência do ensino público assim como lutam pela melhoria das condições que permitam a realização das atividades-fim (ensino, pesquisa e extensão) e das atividades-meio (gestão administrativa) com vistas à formação de profissionais e pesquisadores capazes de responder aos desafios postos por uma sociedade cada vez mais sequiosa por justiça social.
O que me parece estar em discussão não são os fins do movimento, mas seus meios. Pessoalmente, como pesquisador que venho há anos estudando violência e a violação de direitos humanos, não posso, sob qualquer hipótese, deixar de reconhecer que o ato de ocupação fez apelo à violência. Mesmo que a atitude das autoridades universitárias tenha sido arbitrária e violenta em não atender prontamente os alunos - não as estou julgado, até porque não disponho de informações suficientes para fazê-lo -, um ato violento não justifica outro. Por que entendo que a ocupação valeu-se de meios violentos? Porque impõe, pelo uso ou ameaça arbitrários do uso da força, barreiras ao livre acesso daqueles(as) aos quais a comunidade universitária, pelo sim ou pelo não, confiou o governo de nossas atividades. Impedi-los de assumir seus postos, é impedi-los não apenas de responder por seus atos, inclusive o de zelar pelo cumprimento das leis e regulamentos que nos regem, como também o de poder negociar conflitos. Nunca é demais lembrar, o uso arbitrário da violência impõe o silêncio, o mais insidioso dos arbítrios porque impossibilita o outro de expressar-se, vale dizer de pensar criticamente e agir com sabedoria política.
Não é de se esperar que, em um espaço social e institucional onde viceja, por excelência, a ciência - como é a universidade - a violência seja recurso de pressão e imposição da vontade de uns contra a vontade de outros, contra o recurso à persuasão e ao convencimento pela palavra, atributos da razão. No decorrer dos acontecimentos, sei que foram feitos esforços para uma saída do impasse. Até onde tenho acompanhado, as autoridades universitárias estão tendentes a negociar e a atender parte das reivindicações, desde que o prédio seja desocupado. Por sua vez, os alunos - cuja representatividade política não me parece claramente definida haja visto o documento apócrifo publicizando as reivindicações logo no início do movimento (afinal, o DCE assumiu a liderança do movimento?) -, não parecem dispostos a aceitar a exigência da Reitoria, pretendendo inclusive explicitação de sua posição face aos decretos governamentais, o que parece ter sido atendido com o documento subscrito pelos três reitores das universidades estaduais, divulgado pela mídia impressa e eletrônica no final da semana passada e inserido no site da USP.
Diante do prosseguimento do impasse, à Reitoria pareceu não restar outra solução que não fosse recorrer à justiça para recuperar a posse do prédio. Se não o fizesse, poderia ser judicialmente interpelada, inclusive pelo Ministério Público, por improbidade administrativa.
Decisão judicial determinou a reintegração. Cabe, portanto, o cumprimento da decisão, como se espera no estado democrático de direito.
Não sejamos ingênuos, porém: a execução da decisão judicial implica recurso ao poder coercitivo, cuja atribuição é da competência legal da Polícia Militar. Sabemos que, se houver resistência dos alunos - e tudo indica que possa haver - as conseqüências poderão ser imprevisíveis, sobretudo para a integridade física de quem quer que seja e, no mínimo, para a preservação do patrimônio público e tudo o mais que esteja sob a guarda e tutela das autoridades universitárias, como documentos e registros oficiais.
Não sem razão, a comunidade uspiana guarda em sua memória as intervenções violentas da polícia (civil e militar) durante a ditadura. Tem motivos para desconfiar do apelo ao poder coercitivo mediante o uso - ainda que legítimo porque regulamentado no estado democrático de direito - da violência, mesmo que seja para o cumprimento de decisão judicial. Essa a razão pela qual foi produzida a moção, por iniciativa de docentes da FFLCH, que refuta "qualquer ação violenta de desocupação do prédio".
Refleti sobre o documento e decidi não subscrevê-lo, porque creio que ele é insatisfatório. Ele silencia sobre questão fundamental. Ao silenciar, hesita sobre o papel das leis e do direito em sociedades democráticas.
De fato, também guardo profundas desconfianças quanto ao recurso à polícia militar. Igualmente receio que seu emprego possa produzir resultados indesejados, mormente porque - os estudos que venho desenvolvendo assim o indicam - não estou convencido de que a polícia militar possa exercer seu papel - neste caso, o de cumprir decisão judicial - sem apelo ao uso abusivo da força física. E, se compararmos a experiência internacional, por mais preparadas que as forças policiais sejam não é raro que intervenções em movimentos de protesto coletivo resultem em feridos, quando não em mortos. Inclino-me também à solução negociada. O que a moção não diz é como a decisão judicial vai ser cumprida sem o recurso ao poder coercitivo, enquanto a resistência à desocupação se mantiver.
Esse silêncio pode ser interpretado de vários modos. Chamo a atenção para apenas três: primeiramente, a moção não aceita a decisão judicial. Bem, em tese, isso é legítimo. Se é assim, por que não propôs, como seria esperado no estado democrático de direito, o recurso à instância judicial superior para barrar os efeitos da decisão? Assim, seria suspenso o cumprimento da decisão e as negociações correriam por conta do livre jogo político. Poder-se-ia argumentar que a intermediação judicial é morosa. Todavia, não tem sido assim em casos de extrema urgência política, que envolvem decisões que não podem ser postergadas, tanto assim que o pedido de reintegração de posse mereceu resposta imediata. Eu confesso que me sentiria mais confortável se poucas palavras tivessem sido ditas a respeito.
Alternativamente, a moção reconhece a decisão judicial e indica por que meios o poder coercitivo vai ser exercido já que negociação e entendimento, por sua própria natureza, estão excluídos dessa modalidade de poder. Certamente, é preciso certa dose de imaginação política para anunciá-los, mas nunca é demais tentar essa sorte de "poder coercitivo alternativo".
Mais preocupante, no entanto, é que o silêncio - seja quais forem suas razões - pode sugerir que a moção não reconhece legitimidade à intermediação judicial. Neste caso, pode-se estar sugerindo que a Reitoria não deveria ter ido bater à porta do poder judiciário. Mas, se ela não fosse, estaria deixando de cumprir leis que reclamam deveres e responsabilidades no trato da coisa pública. Em outras palavras, poder-se-ia estar dizendo que a negociação, em uma sociedade democrática, prescinde de leis, de pactos, da resolução de conflitos pelas vias institucionalmente reconhecidas como imperativas porque legítimas já que legitimadas pelo processo político que as assim constituiu.
Se eu, em um exercício algo arbitrário de aproximação, transpuser esse raciocínio para o domínio da violência urbana - com todo o cenário que os(as) colegas bem conhecem e acompanham, se não através de estudos que alcançam os mais variados objetos ao menos através do noticiário cotidiano - serei levado a descrer nas leis, nas agências encarregadas de controle da ordem pública e deslegitimar a justiça criminal como o lugar onde - a despeito de todas as críticas que vimos acumulando nas duas últimas décadas - é possível enfrentar os problemas e lutar por resolvê-los, ou seja encontrar saídas no interior da ordem constituída e não en dehors. Caso contrário, paradoxalmente, eu serei levado a atribuir a uma certa ordem natural - o jogo de forças que inclusive apelo para as armamentos cada vez mais poderosos, a "guerra de todos contra todos" etc. - o lugar onde o consenso pode ser conquistado (já que estamos em guerra).
Não há solução para o problema da violência e do crime urbano que não passe pela polícia e pela justiça criminal; não há solução, neste domínio, que possa prescindir do uso da força e do poder coercitivo legitimamente constituído, emprego esse utilizado por quem legalmente investido para tanto e exercido de modo responsável, com respeito aos limites legais, com prestação de contas à sociedade civil e com a mais resoluta recusa às formas abusivas e excessivas de seu emprego. Não é o poder coercitivo que é ilegítimo ou moralmente reprovável por sua própria natureza; o que o torna ilegítimo é ou a ilegitimidade de quem o emprega por não estar legalmente investido, ou a forma arbitrária ou violenta de que se reveste.
Em suma, entendo que há sim violência nos acontecimentos envolvendo a ocupação do prédio da Reitoria porque os atores não estão legalmente investidos do direito de recurso à violência para solução de conflitos nas relações sociais e institucionais. Mais preocupante é constatar que o apelo à violência coloca a comunidade universitária no mesmo espaço jornalístico destinado à violência urbana cotidiana. Ao invés de comparecer ao caderno de cultura, destinado à produção da obra de arte e da ciência e tecnologia, passássemos agora a fazer figuração no noticiário policial. Espero que este não seja o prenúncio final de um projeto grandioso que começou com uma elite política de vanguarda, visionária e capaz de pensar um projeto de universidade décadas à frente - como foi o projeto de criação da USP - e culmine tristemente numa grande repartição pública tocada por "especialistas sem espírito, gozadores sem coração" (Weber). No impasse da USP, não há solução que não passe pela recusa à violência, parta de onde vier. Mas, igualmente, não há solução que passe pela suspensão das leis e das decisões judiciais. Não há meia-democracia, senão seremos levados a dizer que há meia-ditadura.
Espero que a multiplicação de atores, para além da universidade - classe política, OAB e Ministério Público - possa ajudar a desfazer o nó. Está nas mãos dos alunos demonstrarem maturidade política neste delicado momento. A desocupação do prédio é o melhor sinal na disposição para negociar. Não se trata aqui de contabilizar vitórias e derrotas. Para os alunos, a mobilização da sociedade e sua encenação no espaço público, inclusive mediático, colocam em evidência suas reivindicações para além dos muros da USP. Pressionam pela discussão de temas candentes como o das relações entre o governo de estado e as universidades. Contribuem, ainda que de modo torto, para a composição da agenda política. Para as autoridades universitárias, a dura lição das ruas - a da urgência política, a do diálogo permanente, constante e mediado com todas as lideranças da universidade, sem o que episódios e acontecimentos como este tenderão a se repetir com mais e maior freqüência.
Por fim, espero que:
1 - as negociações desta segunda-feira (21/05) cheguem a bom termo, o que inclui a desocupação do prédio;
2 - seja restabelecida a liderança legítima do movimento estudantil;
3 - seja constituída uma comissão de alunos, professores e funcionários para encaminhamento das demandas, mais propriamente relacionadas com as condições de trabalho, de ensino e de pesquisa;
4 - seja constituída uma comissão, igualmente tripartite, para estudar com maior densidade as iniciativas do governo estadual para que se possa compreender seu alcance e extensão, inclusive eventuais motivações latentes, não manifestas;
5 - que se possa, mais à frente, mobilizar, ao menos a comunidade da USP, para refletir sobre um projeto universitário para as próximas décadas.
3 comentários:
reportagem da veja escrota!
nossa, não pensei q fosse tanto!
:P
muito bem colocadas as palavras e expressões em vermelho! da hora!!
Ufa! Vou dizer que demorei um total de três dias (lendo e parando) p/ ver tudo o que você postou, mas achei muito bom, como sempre.
Sobre a Veja, revista da classe média reacionária paulistana, jogue fora ou leia com muita cautela. Assim como a Dedé fala do Mein Krapf.
Essa "Vesga" é míope. Valeu, Chico.
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