sexta-feira, janeiro 05, 2007

4. Comentários sobre uma realidade decadente

Qual é o contato que você tem com a direção? Leia e descubra algumas posturas surpreendentes.

Sei que já abordei o assunto “direção intocável” mas ele é necessariamente recorrente devido ao fato da direção ser justamente a instância máxima de macro-decisões do colégio, de poder. Sei também que já comentei mas vale lembrar as condições quase divinas da mesma, que, como profere o ditado: “você precisa acreditar para eles existirem, tenha fé!”. A verdade já está escancarada no brado dos alunos que manifestam um distanciamento entre esses setores de nossa escola.

Em busca de um contato, mesmo que indireto, com a direção observo no Plano Diretor 2006 uma seção chamada “Palavra do Diretor”. Nesta espécie de capítulo do edito, Luís Eduardo Cerqueira Magalhães expressa suas idéias (que sintetizam as idéias do corpo diretivo) e suas perspectivas em relação ao colégio, assim como os projetos futuros e a implantação de novas medidas. Neste ano o assunto que norteou a “Palavra do Diretor” foi a nova organização serial que irá ser inaugurada pelo colégio na qual o Ensino Fundamental passará de 8 para 9 anos. A nova organização prevista por uma recente lei evidentemente será também adotada aqui no colégio. Atente não ao fato dos 8 anos de Ensino Fundamental agora serem 9 e sim às justificativas as quais nossa direção recorreu para justificar o fato e elogiar tal medida.

As opiniões colocadas por Magalhães neste texto são bastante explícitas. Seguem aqui alguns excertos numerados, os quais analisarei após apresentados seguindo sua numeração.

Trechos:

I. Em complemento a esses dados relativos à organização serial, há um argumento mais afeito à área da psicologia e filosofia educacional. Os especialistas confirmam a dificuldade atual, cada vez mais acentuada, de se conseguir que os adolescentes estejam tão maduros do ponto de vista psicossocial — vale dizer, de sua autonomia responsável, do seu compromisso com os projetos presentes e a perspectiva de futuro — quanto do ponto de vista do potencial cognitivo e da busca por experiências mais adultas. A “imaturidade contemporânea”, ou a “adolescência prolongada”, torna complexa, por exemplo, a abordagem de temas sociais e existenciais e a proposta de debates e leituras sobre política, especialmente a partir da puberdade.”

II. “A violência, a fragilidade dos valores da sociedade urbana e a reorganização familiar contemporânea nos incitam, como educadores e como pais, ao abraço, à proteção e, de certo modo, ao adiamento dessa autonomia que, nas gerações anteriores, de 70 até meados de 80, era muito mais precoce. Não é possível nem sensato forçar a “idade da razão” com um súbito abandono. Estender um pouco mais a permanência dos alunos na escola, com um trabalho educativo intensamente voltado para o projeto da autonomia responsável, talvez seja o caminho mais promissor. Paralelamente a essa questão, é preciso atentar para a forma como se tem operado o ingresso de nossos alunos no curso superior. Temos avaliado que a opção profissional por meio da universidade se revela, para muitos, insegura, contingencial, precária. O retorno dos jovens ao colégio depois do ingresso na faculdade mescla orgulho pela conquista e nostalgia da segurança anterior. A liberdade desejada e adulta da universidade por vezes tem sabor de desamparo e despreparo para as decisões.”

III. “Uma circunstância de outra ordem se alinha às anteriores. Em setembro passado, fomos impedidos de realizar a segunda parte do teste de seleção para a 1ª série na data prevista. Enquanto esse processo ficou pendente, porque uma parte do teste já havia sido aplicada, pudemos viver, com os pais e as crianças, o desgaste e a tensão causadas pelo futuro incerto. O teste para a 1ª série sempre foi uma ação importante, por ultrapassar o aspecto da avaliação pedagógica e incluir uma dimensão ideológica. Se o Colégio Santa Cruz se limita a receber filhos de ex-alunos e irmãos de alunos, a tendência é o fechamento em uma comunidade pouco permeável às transformações, com restrito conhecimento de outras famílias e experiências. O ingresso de crianças na 1ª série — na 5ª série a seleção é muito restrita — reorganiza e revivifica a comunidade do Santa Cruz. Novos pais, diferentes pré-escolas e experiências nos enriquecem, além de favorecer famílias que nunca estudaram aqui e têm o direito de fazer escolhas fora do seu circuito e de sua história anterior.

Desse modo, a proibição do teste — fundada nos argumentos de que crianças com sete anos não podem ser submetidas a um processo de seleção, porque isso é extremamente traumático, e a matrícula por mérito é discriminatória — fecha a possibilidade de disponibilizar as vagas a crianças de fora.

Enquanto se mantinha em aberto a resolução legal, a direção do Colégio precisou levar em conta essa nova realidade e tomar decisões. A suspensão do teste colaborou para a antecipação da implantação do novo sistema: abrimos mais classes nas séries da Educação Infantil e adiamos a recepção de novos alunos para as séries intermediárias do Fundamental 1, quando o processo seletivo não seria considerado “traumático”.”

Comentários:

I.

O nosso diretor aborda neste trecho uma justificativa pedagógica para a nova organização serial. O interessante é como ele nos vê despreparados em relação ao passado e como indica a “recente” (assim ele a descreve) dificuldade de se conseguir que os adolescentes estejam tão maduros do ponto de vista “psicossocial” quanto do ponto de vista da busca de experiências adultas. Admito sim que interpreto tal texto, mas me parece óbvia a colocação do jovem moderno, do aluno do Santa Cruz, como crescente incapaz alienado que não deve de maneira alguma entrar em conflito com o conceito oposto. A falta de confiança na capacidade deste jovem e o conformismo de que a puberdade o impossibilita de vivenciar momentos de discussão política e social povoa o pensamento contido neste excerto e liga-se justamente à idéia do aluno conformista e intocado pelo conflito político ou pelo idealismo. É o exemplo da conivência da direção com esta situação?

Pode ser dito que de fato o jovem de hoje é assim e que Magalhães simplesmente descreve uma realidade. O jovem de hoje pode sim ter este perfil, mas ele tem as mesmas potencialidades em todos os aspectos de um jovem de qualquer época. O que falta é avivar tais potencialidades e transformá-las em realidade.

II.

Observa-se aqui uma postura clássica da sinestesia entre os anseios e desejos dos pais e os mesmos da Direção Geral. Essa atitude de suposta proteção ao invés do contato com a realidade e de citar a “violência, a fragilidade dos valores da sociedade urbana e a reorganização familiar contemporânea” abre um espaço gigantesco para um conseqüente conservadorismo e pragmatização, destruição do idealismo de Charbonneau e dos padres fundadores. É o discurso que continua insistindo na falta de capacidade, responsabilidade e de visão do jovem de hoje em relação ao de ontem. Adiamento da autonomia? Por que?

Essa parte exemplifica, mesmo que sutilmente, exatamente o que a Direção acha e pretende do aluno do Santa Cruz: um conformado, sem autonomia, sem ideologia própria, um burguês sem consciência que visará o acúmulo e a concentração de capital durante a sua vida – perpetuando assim os problemas de uma realidade que este “entrou em contato”. Protegendo-o da realidade sombria do modo predatório, projetista e anacrônico dos pais a escola criará então produtos perfeitos para a retro-alimentação santa-cruzense tão querida. Este estudante só estará preparado para um mundo – o perfeito, o que ele vive recluso, feliz e se divertindo, a bolha, a realidade cor-de-rosa. E como ele agirá perante a realidade de verdade. A marrom, a cheia de defeitos? Este é o ponto. Agirá?

III.

Na verdade escolhi este excerto somente por uma palavra. O autor reconta e disserta a respeito da polêmica dos testes da primeira série, proibidos de serem realizados por decisão judicial – no caso pelo Poder Judiciário considerar traumática a experiência de competição acirrada presente no famigerado teste. A palavra, na verdade os sinais de pontuação colocados neste vocábulo, que me deixaram abismado são as aspas usadas em traumático, na última palavra do trecho.

Não quero discutir pedagogicamente tal atitude e nem colocar minha opinião sobre o assunto mas a ironia sutil e inacreditavelmente cruel que chega junto com as aspas é inegável e espantosa. Sendo ou não traumática a experiência a tentativa do nosso diretor de ridicularizar o ponto de vista oposto ao seu (que defende os testes) é, se não é desastrosa, extremamente atroz e agressiva.

Indigno-me não pela postura adotada por ele em relação ao teste pois de certa maneira esta é sua opinião e acho que cabe um debate mais amplo sobre isso. Minha indignação volta-se às aspas. As cruéis aspas que ridicularizam a possibilidade de uma criança de 6 anos sofrer uma provação traumática durante um teste que verdadeiramente é concorridíssimo. A criança não pode nem se defender, o debate não precisa nem ocorrer? Para o autor seria esta opinião supérflua, a discussão, de certa maneira, desprezível?

Bom, se para a Diretoria de uma escola que preza o diálogo um debate educacional desse porte é pouco evidente ou detém um valor insignificante a ponto de ser ironizado algo estranho sim acontece aqui no Santa Cruz. A ironia não precisou ser planejada e pode até ser negada, mas que ela existe, existe.

Talvez realmente essa posição cruel não seja a real posição do autor. Acho verdadeiramente difícil nosso diretor não se importar com as crianças – o fato, porém, é que as aspas estão colocadas e seu sentido (obviamente não explicitado) pode ser interpretado de qualquer maneira, como, por exemplo, essa posição bastante sarcástica, moderando a linguagem.

***

Pensei muito se o recorte feito por mim poderia se mostrar tendencioso, panfletário. Li e reli o texto e, talvez cego pela minha avidez por significados, não pensei que tenha cometido tal deslize. Se você leitor tem dúvida das palavras da nossa diretoria, se você acha que realmente posso estar sendo leviano em meu recorte é fácil descobrir se estou. Plano Diretor de 2006, A Palavra do Diretor, páginas de 5 a 8.

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