sexta-feira, janeiro 05, 2007

2. O problema, o hoje

Bom... Muito bonito, muito legal... A história toda é basicamente esta. É aí que eu gostaria de começar meu raciocínio. Acompanhe-o se tiver paciência.

A sociedade brasileira certamente nunca foi socialmente justa. Não preciso aqui discorrer sobre nossa História pois todos nós já sabemos que desde as famigeradas capitanias hereditárias a renda é concentrada em um pequeno setor da população. É fato também que, apesar da gritante injustiça social, este setor mais privilegiado sempre teve seus meios de garantir sua soberania e a aclamada ordem social. Sempre o que podemos chamar de Governo Central (as autoridades da coroa portuguesa no Brasil, as autoridades imperiais, o governo republicano, o governo populista, o estado militar, a república democrática neoliberal etc) oprimiu as tentativas de subversão na ordem e na estrutura social do país. Se existiram tentativas reais? Muitas – todas fracassadas, massacradas, reprimidas pelo Governo Central. Se existiram mudanças dos grupos que estavam no poder? Existiram, claro. Revezaram-se os sujos e os mal lavados no governo que por quase toda a nossa história esmagou os mais pobres e destroçou suas oportunidades de liberdade e de igualdade.

Mas não quero discutir História. Vamos deixar isso para a Vera, para a Cláudia e para a Dedé. Eu quero discutir o colégio. O colégio e em que pontos essa mesma história do Brasil converge com os ideais do mesmo.

Desde que eu entrei no Santa disseram-me que era uma escola que formava a futura classe dominante do país, tudo isso com conceitos de igualdade, democracia e liberdade. Eu sempre achei o máximo até por que esse discurso é e sempre foi muito compatível com a história das chamadas “elites” do nosso país ao longo da História. Parecia-me lógico que uma geração numa época futura percebesse as injustiças e lutasse implacavelmente contra elas.

Talvez o meu discurso neste texto pareça aos mais velhos uma grande baboseira pseudorevoltada/rebelde-sem-causa infantil. Não descarto essa possibilidade. Talvez seja isso mesmo. Mas a grande verdade é que eu cresci e não acredito mais em Papai Noel.

O papo de formar a “elite pensante” eu engolia quando estava na sétima série – agora eu não consigo mais. Formam a elite, claro, mas pensante? Que elite é essa que o colégio formou nos seus mais de 50 anos que, tendo todo o poder que eu ouvi que tinha, não moveu um dedo para transformar realmente nosso país? Onde está essa classe dominante? Onde está a maioria dessas pessoas durante todos esses anos? Acumulando, acumulando e acumulando. Colocando seus filhos no Santa Cruz para, desta maneira, acumular, acumular e acumular.

Mas muita gente defenderia o Santa e diria que a postura do mesmo em relação à realidade é de transformador e que o colégio forma sim seres conscientes. O problema é a incoerência tremenda entre o discurso e a prática. No discurso tudo são mil maravilhas, na prática não é bem assim. Mesmo o assistencialismo do SAN não consegue fazer esta incoerência passar despercebida. As aulas de religião e ética também não.

Aliás, gostaria de perguntar: qual é a força real que a escola dá para o envolvimento dos alunos com as atividades comunitárias? Sim, o Santa Cruz tem atividades comunitárias, quase todas ligadas ao SAN, mas todas são praticadas pelos funcionários, algumas vezes pelos pais (que são mais ligados à religião) e de vez em nunca pelos alunos – as poucas vezes forçados pelo trabalho de Ética e Cidadania. Um exemplo disso é a porcentagem de alunos do Ensino Médio envolvidos com o trabalho voluntário livre promovido pela escola – de 750 alunos aproximadamente 10 exercitam tal prática, um acintoso percentual de 1,3%. A divulgação do trabalho e a motivação dos estudantes em relação a ele são ínfimas. A questão não é de maneira alguma forçar tais seres a trabalhar pela solidariedade, a por a mão na massa, é, na verdade, envolver os mesmos tornando as atividades que trazem fundos ao SAN, a Feijoada e a Festa Junina, mais próximas aos alunos. A parcela dos alunos do colegial que trabalha em tal festa é ridícula se comparada às dos outros colégios, por quê? Precisamente porque as Festas Juninas de outras instituições tem caráter mais próximo e são justamente organizadas pelos seus alunos. No Santa Cruz é assim? Não! Stands faraônicos doados, organizados e concretizados por gigantescas multinacionais dirigidas pelos grandes empresários formados pelo colégio fazem o favor de deixar o papel do aluno da escola bem claro: “gaste e torre o dinheiro de seus pais consumindo e consumindo, não queira saber pra onde vai o dinheiro, não se interesse – afinal, toda caridade é caridade, apenas gaste!”. É esse o papel que deveríamos desempenhar?

A elite que sai daqui não está nem aí para os problemas reais de nosso país. É claro que existem exceções, mas estas estão aqui pois acreditam na mentira de que o colégio formará o senso crítico nos alunos.

Senso crítico? Piada. Que tipo de senso crítico é esse que mais da metade dos alunos sai do terceiro ano do EM votando no mesmo candidato que os pais querem? O que reina no Santa é o conformismo frente à situação do planeta. A elite atual se volta para os valores idiotas e rotuladores do consumo enlatado da sociedade capitalista. Nada realmente importa, só o acúmulo – só a fachada – só o aparente para se mostrar.

Cultura? Faz-me-rir também. É sim fato que o colégio tem um teatro de primeiríssima linha dentro de seu terreno; mas quando a programação do teatro é colocada para os alunos? Quando estes podem ter desconto num espaço cultural construído a custo das mensalidades? De vez em nunca, não é?

A abertura da nova unidade do Santa Cruz é o símbolo da distorção feita na singela e brilhante obra pedagógica de Charbonneau e seus colegas. O Santa Cruz bilíngüe é a capitalização do nome do colégio e seu feitio é praticamente um manual: “Como destruir uma boa idéia para o país em alguns passos”. E é esse o livro prático que a elite que saiu daqui quer para si. Por que a unidade bilíngüe tem o mesmo nome do Santa Cruz se nem o mesmo currículo, a mesma proposta, ela tem? Capitalizar a marca Santa Cruz? Que iniqüidade dizer isto. Os jovens formados por esta agirão como perante a realidade brasileira? Não seria esta uma manobra da elite santa-cruzense para ampliar seu glamour? Por quê falar inglês? Vamos entrar na economia globalizada como cordeirinhos acumuladores? Estas perguntas podem parecer absurdas mas indago eu a quem acha tais especulações sem valor, inúteis: quantos pagariam o triplo para o filho formar-se no Colégio Santa Cruz? Por quê? Todas estas pessoas estão realmente interessadas que seus filhos tenham senso crítico e possam repensar a realidade que vivem? A resposta é sua.

É interessante perceber o ciclo fechado, a retro-alimentação, que os ex-alunos promovem quando matriculam seus filhos nesta escola que irão, por sua vez, matricular os seus filhos por aqui. Por quê? Será por que o colégio “forma uma elite pensante” ou será por que tal família mostrará seu status social tendo o filho da marca Santa Cruz? Eu percebo a segunda hipótese bem mais sólida e acredito nela assim como vejo a hipocrisia na fala destes pais que realmente nada fizeram contra a situação de extrema miséria e pobreza que muitas pessoas vivem aqui no Brasil.

Voltando à História do nosso país – nada mais natural que um colégio como este. Fingir-se preocupado com os problemas... açucarar o discurso... mas... quando você vai e analisa o final da linha de produção... Seres que agem? Não. Seres conscientes e com a mente cheia de preceitos de igualdade social e justiça? Não. Máquinas de fazer dinheiro (é evidente que existem exceções, se não existissem o Santa Cruz já devia ter mudado de nome, pois não seria nada, nada, o que Charbonneau e seus colegas pensaram).

Eu fico pensando se os pais que colocam seus filhos aqui pensam nisso. Acho que pensam. Pensam em tudo que eu falei. Ou melhor, não. Ah. Não faço a mínima idéia.

Acho que esse texto está muito metralhadora demais. Eu saí atacando a tudo e a todos mas acho isso justificável. Todo um dogma que eu tinha sobre o colégio ruiu nos meus últimos dias nele. Triste. Até por que percebo que as únicas pessoas que se importam com isso não somos nós, os alunos, não é a direção (ou Deus, porque só existe e aparece se você acreditar nela ou cometer algum pecado, infração), não são os pais: são os nossos professores. Mas qual força eles tem frente a um dragão enorme cuspidor de fogo – o Vestibular – e seus filhotes ainda mais temíveis – as pressões dos pais, que são, coincidentemente, clientes do próprio colégio.

Ainda que o Santa fosse um colégio público o diálogo que eu proponho seria possível, mas não é. A escola ser privada acarreta diversos tipos de pressões de seus clientes, os pais – pais estes de uma camada muito “especial” da população, camada esta que não visa o desenvolvimento do Brasil de forma equivalente e justa – ou seja, se o Santa fosse uma escola pública os pais não seriam clientes e não seriam somente de um segmento social da sociedade brasileira, logo, as suas pressões e anseios seriam diferentes, totalmente diferentes. “Mas o colégio não tem fins lucrativos!”. É, mas os pais que colocam seus filhos lá têm sim fins lucrativos.

A Santíssima Trindade se fecha aqui no Santa Cruz. Direção, pais e alunos conformados são a receita certa para a fábrica de falsos burgueses conscientes, na verdade esfaqueadores do sonho do Brasil mais justo. Mas a direção... a direção me intriga. Ela simplesmente não aparece! Você sabia que o colégio tem um consultor de Orientação Educacional mas que este nunca, nunca, tentou entrar em contato com os alunos, seus orientados? Você sabia que a escola mantém um Conselho Administrativo do qual fazem parte importantes intelectuais brasileiros e membros da classe mais alta do país como donos e presidentes de importantes bancos? Aposto que não. Mas também o que interessa, não é, aluno? Não interessa saber aonde realmente você estuda.

O que interessa é a roupa que você vai à próxima festa, não é? O que interessa é que a Mari ficou com o Bruninho, não é mesmo? Dane-se o nosso país, queremos é ficar no mundo virtual do Orkut e do MSN. Parece mais bonito mesmo, parece mais divertido mesmo. É mais legal viver no bonito e no divertido do que no triste e no preto e branco – mas esta é a realidade. Realidade? Então a desprezem se forem capazes. Vivam este mundo sabor tutti-frutti e, quando mais velhos, ganhem seus milhões e coloquem seus filhos no Santa para eles terem justamente a mesma adolescência recheada de boas lembranças; das viagens à Praia da Baleia às festinhas cheias de bebida alcoólica onde vocês brincavam, se divertiam e consumiam fazendo assim rodar e rodar a antiga mas nunca velha engrenagem do nosso amado capitalismo, que tem como conseqüência tanta justiça social e igualdade.

É fato que tudo isso aqui descrito não é exclusivo do Santa Cruz e tem gente que me diz para tomar isto como consolo. O deserto de significados reais, verdadeiros, de ideologia genuína, de espírito crítico atuante no atual pós-modernismo cerca nossa existência. Penso que os poucos que ainda seguram o estandarte de algum ideal, mesmo que mínimo, são dignos de respeito. É muito fácil seguir a corrente, a massa; é muito fácil achar babaca este texto e correr para nossos condomínios fechados, nossas bolhas acopladas, e lá existir; e lá conectar-se à infovia débil mental para sempre. Viver etiquetado: “Fiz Santa Cruz” – emprego garantido, dinheiro na mão, e, numa infeliz maioria das vezes, um nunca dito mas sempre pensado “to nem aí” para tudo o que ocorre na cruel realidade brasileira.

Eu não conheci o Padre Paul-Eugène Charbonneau mas acho que este certamente não compactuaria com tanta distorção dos seus ideais, com tanta conformidade e com tanto conservadorismo. Idéias maquiadas de ensino moderno e humanista. Praticamente uma máquina, uma fábrica de uma burguesia hipócrita com uma fachada bonitinha, que formará grandes acumuladores e concentradores de capital conformados com a crueldade da aberração chamada “realidade brasileira”. Todos eles vestidos de camiseta amarela com o plátano azul estampado, a grande maioria dizendo que se importa com tudo isso mas realmente só se importando com o consumo, com os valores da sociedade capitalista burguesa e com a diversão efêmera alimentada por estes.

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