sábado, janeiro 06, 2007

Este é um texto de um grande amigo meu, Marcio Zamboni. É um texto mais filosófico, abstrato, do que o "Palavras" mas ainda o considero genial. É evidente que tive de reler algumas vezes para entender, o que ocorre com qualquer textos destes, mas o achei coerente e o acho adequado à este espaço aqui, creio que se encaixa na lógica deste blog. Espero que vocês gostem.

Chico.

contradições políticas:

A filosofia do Medo

"Em verdade temos medo.

Nascemos escuro.

As existências são poucas:

Carteiro, ditador, soldado.

Nosso destino, incompleto."

Carlos Drummond de Andrade

Toda espécie que se pretenda bem sucedida, baseando-se no princípio da seleção natural de Darwin, deve possuir instinto de sobrevivência, alguma força que a estimule a reagir às manifestações da Natureza que comprometam sua sobrevivência, desenvolvimento e reprodução. No Homem, porém, a presença da chamada Consciência Humana, transforma esse instinto orgânico e primordial no Medo essencial. (Basicamente, o medo da morte) E são as diferentes expressões desse sentimento responsáveis ao mesmo tempo pela humanização e pelos obstáculos ao seu desenvolvimento pleno.

A presença da Consciência Humana, que torna o homem capaz de perceber a si mesmo como indivíduo, desvinculado, mesmo que parcialmente, do mundo natural que o cerca, capaz de perceber mais que simplesmente seu meio, mas a sua existência, revela duas verdades que ferem, inquietam, instigam o instinto natural de sobrevivência: primeiro, percebemos que nosso futuro inalienável é a morte, a escuridão infinita, o vazio intenso. Depois sentimos o enorme vazio existencial, a completa ausência de respostas racionais, por mais simples e concreta que fossem, a absoluta inumanidade, desumanidade, anti-humanidade da Natureza orgânica: Simplesmente não somos capazes de sentir no mundo mais do que nos dizem nossos sentidos.

O instinto animal se aprofunda. E o Homem Ama.

Sucede-se a busca da superação dessa realidade anti-humana, a busca pela libertação da consciência perante a Natureza. E essa busca se dá pela aproximação do próximo, pela criação de símbolos, pelo Amor: Pela construção da Cultura.

O desenvolvimento da Cultura enriquece a existência do homem, ajuda-o a resistir às forças hostis da natureza, pelo desenvolvimento da tecnologia. Aprofunda a relação humana (Amor) e conseqüentemente seus pensamentos, suas idéias e utopias, pela construção de uma linguagem falada e escrita. Mais que isso, significa a criação da Liberdade, estado social e coletivo que permite a plena manifestação criativa da humanidade e que significa, essencialmente, a transcendência, mesmo que eternamente parcial, do aprisionamento anti-humano da Natureza, uma vitória sobre o Medo essencial, Único objetivo legítimo da Cultura.

Fica Claro, então, que o primordial motivo do sucesso da nossa espécie seja nossa capacidade de nos ajudar mutuamente, de buscar no próximo e junto ao próximo a transcendência, nossa capacidade de Amar.

Porém, por alguma maldição irônica talvez divina, o Medo essencial também transforme o instinto de autopreservação numa forma baixa, estúpida, inútil, pérfida, hipócrita e covarde de egoísmo.

É impulsionado por esse novo sentimento selvagelmente humano que o desejo de superar o próprio Medo sobrepõe-se ao Amor ao próximo e o indivíduo se torna capaz de corroer a liberdade conquistada coletivamente e distorcer a cultura para obter uma satisfação ilusória e estupidamente inútil do Medo, dando início a um processo antirracional, desumanizador e aprisionador de dominação ideológica, política e econômica sobre o próximo.

Sobre a irracional covardia perante o Medo essencial se sustentam os hediondos atentados à Liberdade que impedem o pleno desenvolvimento pleno das potencialidades do Homem.

Fazendo uma rápida análise da História, vemos claramente sacerdotes maquiavélicos manipulando populações para afirmar sua pureza espiritual, nobres e clérigos intimidando camponeses para convencer a si próprios de que cumpriam um papel destinado por Deus, garantindo sua salvação eterna, capitalistas pérfidos ganhando fortunas para revelar uma predestinação divina, nacionalistas convenientemente atribuindo a uma causa remota todas as suas atitudes, marxistas hipócritas abandonando a individualidade para mudar o destino de uma distante e vaga luta de classes... todos covardes! Todos escondendo máscaras e estúpidas anestesias, lutando por causas inexistentes, com a única intenção de distanciar o vazio que os envolve. E causaram imperdoáveis feridas à humanidade.

Apenas a compreensão da complexidade etérea que o envolve e compõe, aproximando o Homem de sua essência vazia e transformadora, valente, e Amando-o, para que Amando evoluamos, é que podemos superar toda a estupidez que nos aprisiona nesse deprimente e fragmentado mundo pós-moderno.

Apontem para outros covardes seus impotentes porretes policiais, estúpidas espingardas legais e covardes rifles ideológicos.