segunda-feira, outubro 08, 2007

20.

Este texto foi reduzido para a a publicação n'O Pátio, o jornal acadêmico da São Francisco.

O caldeirão e sua vergonha

Lamento por esta situação limite que passou o colega Luciano Huck. Ilustre companheiro das Arcadas, Luciano não merece ser assaltado e assustado como foi, ninguém merece. É evidente que a atitude de seus algozes é criminosa e esse passa longe de ser o mérito deste texto. O problema é que o global “cansou” e decidiu “desabafar” na Folha de S. Paulo. Sinceramente achei triste - quiçá ridículo.

Começa sua análise imaginando o que ocorreria se o pior tivesse acontecido e depois dessa mórbida descrição começa a se questionar e se mostrar indignado, desesperado por soluções – aí começa o problema. É fatal quando faz a conexão "pago todos meus impostos, uma fortuna" com "como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa". Esta conexão argumentativa representa a chave para o entendimento do pensamento do apresentador. Seu raciocínio simplista e desesperado pára quando acaba seu interesse e este é estritamente pessoal. Bradando clichês e lugares comuns confunde cidadania com o simples ato de pagar "tudinho" de seus tributos - desprezando o resto das acepções da palavra. Como Luciano conseguiu realizar algumas matérias na faculdade com tanta dificuldade em definir conceitos básicos?

“A situação de São Paulo está ficando indefensável" diz ele em mais uma colocação indevida. Para Huck a situação de São Paulo não "está ficando indefensável" e sim ficou indefensável de uma hora para a outra devido a algo que lhe aconteceu. Este é indício da perspectiva individualista do pagador-de-impostos-cumpridor-de-seus-deveres Huck que tudo resolve com a cívica (ou seria cínica) pergunta clássica de um pretenso jogo de esconde: "onde está a segurança no nosso país? Onde está a polícia? Onde estão os heróis que tem de nos salvar?!". Não vem nenhum não, Luciano, não tem, não existe herói assim. Mas ele quer é a polícia mesmo, a "Tropa de Elite", para resolver seu problema do assalto de motocicleta nos Jardins agora, já, em 30 dias. Quer discutir segurança pública de verdade dizendo isto? Boa, filhão. Não sou nenhum perito no assunto mas imagino que a violência urbana não pode ser resolvida com seriedade em 30 dias a não ser que a idéia de Luciano seja cercar os Jardins com um imenso muro lotando o bairro de tanques de guerra e viaturas policiais. Não acho que ele acharia má idéia. De fato, Luciano: talvez seja a hora de construirmos o muro. Neste ponto é feliz a observação de um leitor da Folha que no dia seguinte da publicação do artigo que Huck afirmou que este poderia ter sido mais direto e perguntado estaria a Tropa da Elite.

Aí encontro um parágrafo cômico em meio a toda esta aguda e inteligente análise política do nosso complexo país. O amigo exacerba sua missão social de apresentador de tentar fazer este país se tornar mais “bacana” divertindo na TV e trabalhando na direção de uma ONG séria. Huck se diz alguém que não está indignado com a perda de seu rolex, mas sim como uma pessoa que "de certa maneira" dirigiu a sua vida e sua energia para ajudar a construir um cenário mais maduro, mais profissional, mais eqüilibrado e justo. Admira-me a maneira que este o faz. Seu programa realmente detém os aspectos mais maduros da TV brasileira e engrandece o povo tornando o Brasil mais bacana. Sinceramente. O "Caldeirão" é o que existe de mais imaturo na TV brasileira e representa a nossa ânsia de se alimentar com uma cultura que mais parece uma massa disforme verde-acinzentada que é amontoado de sexo, fofoca, sexo, música subformada, repetitiva e sem nenhum conteúdo, sexo, entretenimento importado americano, sexo, pernas e seios femininos, sexo e uma pitada de humor zorra-total. Triste que Huck ache mesmo que está construindo ou contribuindo para construir um cenário mais justo ou maduro no nosso país. Ele é provavelmente um visionário; ele e a Dani Bananinha.

Ah! Mas ele mantém uma ONG séria! Ah, ok, a cidadania não é só pagar impostos, é também ser obrigado a ter uma ONG-desencargo-de-consciência. Faço das palavras de Thiago Candido da Silva, diretor do DCE livre da USP, as minhas: "A solução não é a repressão, e sim a distribuição maior de renda e de oportunidades. E não é meia dúzia de pessoas em curso de cinegrafia que irá mudar a situação". Que eu saiba bailes ou leilões (d)e caridade nunca conseguiram resolver essencialmente qualquer problema social mesmo porque se o tivessem conseguido não teríamos mais uma dezena deles por semana nas colunas sociais. E fazer parte disso não te dá carteirinha cativa de cidadão.

Seguindo o global constata debilmente uma afirmação genuína: a existência de desigualdades no Brasil. Pergunto-me se não deveríamos conferir a este genial pensador alguma espécie de prêmio por constatar algo tão inédito. Parabéns Luciano, descobriu a América.

"Onde estão os projetos? Onde estão as políticas públicas de segurança? Onde está a polícia?". Luciano Huck está à procura de um salvador da pátria e isso me dá medo. Não imagino o que ele tem na cabeça quando diz isto. É o velho personalismo político brasileiro que desconsidera a existência da política das idéias e não das pessoas em sua acepção mais bela? Ou seria um neomessianismo estilo Canudos? Não vai ser um "salvador" que resolverá o problema de nossa pátria, caro amigo.

E não é só esta afirmação de Luciano Huck que me assusta. Ainda pergunta qual seria a lógica de algumas coisas dentre elas "um par de 'extraterrestres' fortemente armados desfilando pelos bairros nobres de São Paulo" e isso me parece a mais simbólica e forte afirmação do apresentador do "Caldeirão" no que diz respeito à natureza simplista e arrisco dizer elitistamente tapada (pois acredito que é possível talvez um pensamento elitista menos imbecil, sem entrar neste mérito) do seu ideário. Usar a expressão "extraterrestres" o denuncia completamente e mostra como Huck deseja que o muro seja construído o mais rápido possível e que os seus assaltantes fiquem bem enfiadinhos no barraco onde nasceram vendo seu programa e mandando cartinhas para terem o carro reformado. Em vez disso ficam “desfilando” fortemente armados pelos bairros que não os pertencem – crime! Que chamem a "Tropa de Elite” e seu fascista capitão Nascimento.

Nosso colega não deseja a solução mais justa, mais madura ou mais "bacana" para nosso país e sim a mais adequada e mais "bacana" para ele próprio, a mais rápida, o muro. O franciscano Huck está envergonhado de ser paulistano? Deveria estar, em vez disso, envergonhado por ser Luciano Huck depois de escrever tamanhas bobagens. A mistura deste caldeirão passou do ponto.

E a história continua. Minha confusão também.
Vou anexar aqui links para dois textos. O primeiro escrito por Férrez na Folha de São Paulo de hoje. O autor é conhecido como um escritor da periferia da metrópole paulistana que retrata e conhece seu cotidiano. O segundo texto foi escrito também para a Folha por Nelson Ascher, poeta, tradutor e jornalista formado em administração de empresas pela FGV.
Essa polêmica vai longe.