terça-feira, março 20, 2007

1.
Algo sobre o que aconteceu. Mais uma vez o ex-aluno se metendo. O que acontece é que não consigo parar de falar, e como quase ninguém lê isso aqui melhor é falar aqui e não encher o saco de ninguém. Santa-cruzense é sempre santa-cruzense, sinto muito, pessoal.
Será mesmo o tal rebeldismo-sem-causa?

Creio ser muito simplista a análise de vandalismo gratuito e acho um grande exagero chamar de atividade pré-pensada com um objetivo pseudo-terrorista contestador de uma autoridade escolar que, convenhamos, não é tão opressora como muitas no passado (e, por que não, no presente) que tinham também sua autoridade contestada.

O problema neste caso deve ser analisado numa esfera mais racional e ampla, desprovida de emoções, medos. A explosão tem um motivo por que se não tivesse não acontecia. O que é simplista, penso eu, é chamar tal ato de vandalismo gratuito ou de atribuir toda a culpa nos seus executores. A “culpa”, se é que podemos atribuí-la a um grupo e não a toda sociedade, não é só deles.

Acho cientificista e fechada demais a hipótese de que este grupo de “vândalos”, de jovens de classe média alta, tenha em si uma qualidade a qual dou a alcunha de gene da imbecilidade. É o que parece que a maioria acha, distanciando assim a possibilidade do meio familiar e escolar ter influenciado no fato consumado. É um distanciamento confortável no qual os pais, professores e diretores conseguem por meio dele a confortável posição de donos da verdade e da razão, passadores de sermão e indignados observadores de algo que nada teria a ver com a sua realidade. Dizer que estes jovens não passam de rebeldes-sem-causa é não ir além com uma autocrítica necessária para a compreensão plena dessa problemática.

Os mesmos pais que pensarão indignados em tirar os filhos desta escola permissiva são justamente os próprios “culpados” dessa brincadeira perigosa. A combinação de uma educação familiar alienada da realidade com a superproteção é um pontapé inicial considerável que devemos levar em conta na reflexão sobre o acontecimento desta terça-feira 20 de março.

Se existem pessoas responsáveis pela a educação dos meninos, por sua criação, essas pessoas são justamente este grupo de acomodados. Se eles fizeram o que fizeram o fato é que os responsáveis não são somente eles.

Medir as conseqüências do que se faz é algo que se aprende com experiência de vida. Considerar danos à vida de outras pessoas só se aprende entrando em contato com uma realidade de perda, de gravidade real dos problemas. Uma bomba não ser só uma brincadeira divertida também.

Experiência de vida é contato com realidade. Contato este que os executores deste ato são desprovidos, são privados. Por quem? Nada mais nada menos do que os próprios indignados e acusadores pais, professores e diretores que rogam apaixonadamente pela expulsão e possível castração dos responsáveis. Estes encolerizados seres engravatados, que, curiosamente, em casa e em suas salas de aula, erguem mais e mais muros e grades, simbólicos, ideológicos ou reais, que distanciam o atual jovem burguês da realidade e da vida como ela é.

A brincadeira sem graça e inconseqüente não é de responsabilidade só deste grupo de infelizes rapazes e sim de todos nós, burguesia inconseqüente.

***

E aí vai uma música para pensar.

Se não tiver saco veja o vídeo:

http://youtube.com/watch?v=FwRu7VHYGbk

Classe Média - Max Gonzaga

Composição: Max Gonzaga

Sou classe média
Papagaio de todo telejornal
Eu acredito
Na imparcialidade da revista semanal
Sou classe média
Compro roupa e gasolina no cartão
Odeio “coletivos”
E vou de carro que comprei a prestação
Só pago impostos
Estou sempre no limite do meu cheque especial
Eu viajo pouco, no máximo um pacote cvc tri-anual
Mais eu “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Mas fico indignado com estado quando sou incomodado
Pelo pedinte esfomeado que me estende a mão
O pára-brisa ensaboado
É camelo, biju com bala
E as peripécias do artista malabarista do farol
Mas se o assalto é em moema
O assassinato é no “jardins”
A filha do executivo é estuprada até o fim
Ai a mídia manifesta a sua opinião regressa
De implantar pena de morte, ou reduzir a idade penal
E eu que sou bem informado concordo e faço passeata
Enquanto aumenta a audiência e a tiragem do jornal
Porque eu não “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta
Porque é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida