sexta-feira, dezembro 21, 2007

30.

Neste "texto" número 30 tentarei algo diferente, vamos ver no que dá.


Rand, Roark e a defesa do indivíduo I


Bom, primeiro de tudo eu preciso que o caro leitor assista esse vídeo. É de um filme chamado "The Fountainhead", de 1949. O filme é baseado num livro de 1943 com o mesmo título, escrito pela autora americana Ayn Rand. Vou contar a história para melhorar o entendimento.
Howard Roark (Gary Cooper) é um arquiteto idealista e visionário. Sua estética e seu método divergem dos tradicionais ensinados pelas academias de arquitetura e seus colegas caçoam dele. Roark não quer saber de frufus, de estilos copiados, de neobarroquismos, entre outros. É um homem com idéias próprias, novas. Com um pensamento certamente individualista é um profissional jovem e brilhante. Depois de diversas desventuras que não necessitam ser narradas um arquiteto colega de Roark o vê em necessidade e oferece um acordo. Peter Keating é um parasita, alguém que nunca consegue ter idéias próprias e copia modelos. O acordo consistia em Roark desenhar o Condomínio Cortland para Keating, que não conseguia ter idéias e, em troca, Keating faria o que seu colega quisesse.
Howard Roark aceita o acordo e desenha Cortland para Keating sem assinar o projeto e sem receber um tostão - a única coisa que ele exige é que o condomínio seja exatamente como ele projetou. Exatamente.
Depois de uma longa viagem de barco Roark vai observar seu projeto pronto e vê que, apesar do acordo, o desenho havia sido mudado; Keating havia cedido ao achaque de seu chefe e havia transformado o projeto em uma gororoba neoclássica. Louco com a mudança traiçoeira em seu projeto Roark dinamita Cortland com a ajuda de Dominique Francon, sua consorte. Ele confessa e vai a julgamento. O vídeo que segue é o julgamento de Roark, ele começa com uma fala breve do promotor e, após ela, o arquiteto Roark realiza sua defesa.


O discurso é a defesa do "Objetivismo", filosofia criada por Ayn Rand, a autora do livro. Devo confessar que me intriga bastante, essa defesa do indivíduo perante o todo, perante o coletivo. Ainda estou refletindo o que acho ou quais colocações são adequadas, mas de qualquer maneira peço a opinião de todos. Só digo que admito que é ridículo o momento que Roark fala sobre como seu país é o máximo, é o reino do respeito a si mesmo e às idéias do indivíduo. É muito duvidável conferir tantas qualidades a um país que foi construído sobre um solo cheio de sangue indígena. Os Estados Unidos são um país onde o homem é livre para buscar sua própria felicidade? Em que aspectos? Quais homens? É a defesa suja do liberalismo; o homem é livre para prosperar, não para viver na fome - contudo basta ser livre e querer para se prosperar? Valem esses e muitos outros questionamentos.
Ok, ok, eu explico o porquê tudo isso. Eu vi o filme recentemente e lembrei desse discurso. Lembrei que seria uma coisa muito legal pra se colocar no Palavras. Sempre achei que valia a pena essa discussão. A opinião de vocês é muito importante agora.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Rápidas VIII

A. Policiais da gramática 2
Já falei tudo o que devia sobre eles, mas não consigo parar de pensar o quão repugnante é tomar essa função para si. Deslegitimar um autor segundo tais atitudes me parece tão sujo. E por isso convido todos os policiais para comentar, em vez de meus erros gramaticais, sintáticos, sinfléxicos, ortofiláticos ou de ressonância, os meus erros de pensamento. Acho que assim cresceremos um pouco.

B. Boas festas
Um bom final de ano para todos os leitores, se é que esse plural existe efetivamente.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Rápidas VII

A. Charbonneaunianas 2
Fiquei satisfeito com o post anterior, o texto de número 29, e comprometo-me aqui em buscar mais livros do padre para levá-los à conhecimento das gerações mais novas. Embrenharei-me em sebos para garimpar obras de Charbonneau; acho que dessa maneira conseguiremos, pouco a pouco, ir tirando a grossa casca de poeira que repousa por cima da pedagogia santa-cruzense.


B. Banksy
Descobri recentemente um artista realmente instigante
. Banksy é um artista plástico inglês extremamente crítico e de uma estética, que, na minha opinião, é uma das mais legais que eu já vi. A imagem acima é dele, de uma de suas intervenções urbanas. Legal ver o site.

C. Polícia da gramática
Não podia deixar de manifestar algo a respeito dos "policiais da gramática" que estão rondando o Palavras. Meus escritos e também escritos de comentaristas são escrutinizados em exame cada dia mais atento e afiado. Se eu acho importante escrever certo? Claro. Se eu começasse a escrever em "internetês" aqui minha credibilidade ia para o brejo, certamente. Entretanto não posso deixar de falar que quando esses exames chegam à um nível quase-policial a coisa começa a ficar chata. Nunca disse que alguém não era bem vindo por aqui, nem tenho essa moral toda, nem adianta. A questão é que a crítica gramatical sempre é a mais fácil e, descobrindo um pouco o véu da modéstia, nunca vi um erro por aqui que comprometesse o texto, sua compreensão ou tese. Meu maior desejo é que os policiais da gramática larguem mão dessa chatice.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

29.

Como o prometido aqui está uma sinopse e uma breve resenha sobre o livro do Charbonneau. Acho importante principalmente a leitura dos que estudaram ou estudam no Santa. Pensei se não seria bobagem observar tão atentamente assim minha formação educacional e minha escola. Acho que não é tolice. Entender a cabeça do Padre é entender nossas fundações pedagógicas mais elementares e perceber com quais premissas o Santa Cruz surgiu. Acredito que compreendendo ele podemos ter uma discussão mais qualificada sobre um assunto que me toca bastante, como vocês já sabem. Discutimos mais ainda.


O padre e o comunismo
Considerações sobre uma obra de Paul-Eugène Charbonneau

"A escatologia marxista desemboca no inferno do socialismo real."
Padre Paul-Eugène Charbonneau in "Marxismo e socialismo real" (Loyola, São Paulo, 1984)

Sinopse
Espantei-me quando encontrei esse livro do ilustre Padre Charbonneau (1925-1987). O autor foi o ideólogo do Colégio Santa Cruz, onde estudei, lecionando lá filosofia durante 20 anos. Sua contribuição à pedagogia e ao entendimento da questão do jovem é significativa e suas posturas progressistas e seu carisma o destacavam. De personalidade forte o padre ficou famoso no Brasil pelo seu envolvimento com a educação, principalmente em São Paulo. Apesar de todo o estardalhaço feito ao redor de sua figura achei que ele tinha se furtado de escrever sobre assunto tão controverso, principalmente no meio católico. Suas posturas libertárias iriam até qual ponto? De qualquer maneira é um estudo curioso.
O objetivo de Charbonneau é dividir sua crítica aguda em dois momentos. No primeiro momento ele coloca os questionamentos à teoria marxista, à obra elaborada por Marx e Engels. Dessa maneira busca um primeiro momento de síntese no qual coloca as lacunas que preencherá depois com críticas. Na segunda parte o padre parte para uma análise do socialismo real, ou seja, das experiências socialistas do século XX que em sua realização buscavam reafirmar a teoria marxista. Entre as duas o autor tenta estabelecer um nexo causal bastante peculiar que se mostra o dogma principal do livro.
Na parte na qual observa a teoria Charbonneau reduz o pensamento de Karl Marx à contradição. Para o autor essa é a palavra que melhor representa as idéias bem-intencionadas, contudo ingênuas e paradoxais do pensador alemão do século XIX. Depois da síntese feita com cuidado e argúcia o objetivo é tentar reaver a crítica existencialista em relação ao marxismo principalmente ao seu aspecto materialista. Charbonneau lembra Sartre, Merleau-Ponty e muitos outros numa miscelânea que tenta provar a incompatibilidade de conceitos como marxismo e ciência, materialismo e dialética, materialismo e liberdade e dialética materialista e história. O ponto principal, fazendo um resumo pobre, é apontar o determinismo característico do materialismo e o ilogismo em acoplá-lo com a dialética, que, no sentido hegeliano, pressupõe o Espírito numa concepção idealista. Para o padre a dialética não existe se prescindir de um plano das idéias e por isso associá-la da maneira marxista ao materialismo seria incutir na teoria um "defeito congênito". Existe nesse ponto a ênfase constante na questão da liberdade tão abordada no pensamento sartriano e seu conflito com noções marxistas. Para Sartre, cita Charbonneau, a liberdade no universo marxista vem embrulhada no invólucro conceitual do "clérigo soviético que não mais acredita no livre-arbítrio". Outro ponto que levante o padre é a moral que, no pensamento marxista "centrado no dogma revolucionário" detém ao mesmo tempo uma moral maquiavélica, móvel, porém rígida: móvel pois "tudo vale para se chegar à revolução", mas rígida pois esse dogma não pode ser questionado. Questiona a questão dos fins justificarem os meios e faz críticas à um aspecto religioso do marxismo que se erige como igreja no socialismo real.
Na segunda parte o autor se concentra em descrever como a práxis socialista, em sua opinião, fracassou completamente e negou a teoria em todos os sentidos. Para ele a contradição marxista de nascimento se desenrola numa ideologia e posteriormente numa concretude que inegavelmente nega todos os pressupostos soerguidos pela cabeça do "profeta onírico", apelido de Marx dado pelo padre. Charbonneau coloca esse nexo causal de inevitabilidade como questão central de seu argumento e aí reside seu principal dogma, palavra que o autor usa frequentemente para descrever o "contraditório universo do socialismo existente". Diversas vezes afirma que a teoria marxista só poderia "dar naquilo" que, por sua vez, "causa aquilo outro". É uma cadeia de nexos que se colocam sem muita justificativa nem explicação, somente com elenco de fatos e relatos de marxistas e socialistas desapontados.
É fato que a segunda parte é bem mais agressiva que a primeira. Segundo Charbonneau existe em relação à ideologia marxista uma "cegueira" no Ocidente da qual vários intelectuais são vítimas. Não percebem, segundo ele, como a teoria contraditória "só poderia cair" no mundo "concentracionário" e "contra-revolucionário" do socialismo real soviético, cubano, chinês, vietnamita, entre outros. A práxis se coloca como negação da teoria marxista que seria completamente utópica e irrealizável dentro de suas premissas. A negação das classes, o fortalecimento e posterior extinção do Estado e a liberdade plena, a ausência de alienação não acontecem no plano real, só na aparência, na vulgata marxista atual. Entre o marxismo e o socialismo real, apesar do autor acreditar que existe uma relação de filiação entre eles, nasce um fosso intransponível e negador. O Estado burocrático e policial socialista é, para Charbonneau, como se fosse um grande capitalista que concentra em si todas as alienações. A sociedade socialista, e ele toma como exemplo a soviética, não abre mão de diversos pressupostos que deveria por serem próprios do capitalismo liberal, contudo joga fora toda a pequena liberdade que tinha o homem antes do advento comunista. O homem é oprimido por todos os lados e sua individualidade, seu subjetivo, é esmagada completamente pelo coletivo burocrático.
O socialismo real não seria então um desvio do marxismo, mas sim sua essência. Não há desvios - para Charbonneau as formas adotadas foram as inevitáveis. A liberdade é rompida e a teoria marxista prevê um Estado impossível que nunca engendrará sua própria extinção. A sociedade cai num paradoxal "capitalismo de Estado". A ditadura pressupõe uma hipertrofia do Estado e da burocracia controladora de todos os aspectos da vida no melhor estilo totalitário e incorre num terror tanto cultural como físico e psicológica. É a contra-revolução sutil mas inexpugnável, "um universo concentracionário tão vasto que não podemos atingir seus limites. A utopia marxista se torna uma práxis que renega tudo que ela havia idealizado. É verdade que como vimos na primeira parte, o marxismo trazia já em si suas contradições dilacerantes (...) elas não eram nada em comparação com as contradições trágicas que o socialismo existente carrega consigo".

Crítica
O livro é muito interessante. Apesar da leitura da teoria marxista sair até certo ponto capenga principalmente no ponto que concerne sua análise de O Capital a compilação da crítica dos existencialistas é bastante sagaz.
Marxismo e socialismo real tem os seguintes dizeres em sua segunda capa "com aprovação eclesiástica" e isso é surpreendente dado os avanços de Charbonneau em admitir atrocidade da Igreja e seu caráter de "ópio do povo" em muitos casos. Em surpreendente ponto o autor defende avanços muito interessante como em: "O capitalismo foi condenado pelos abusos que causou e por haver produzido uma iníqua ordem social. Diante dos problemas que daí surgiram, as respostas marxistas ou socialistas foram rejeitadas. Em que princípios se há de se basear então a ordem social cristã? É o que a Teologia da Libertação se esforça por definir contra ventos e marés. (...) Ela é, ao contrário, a mais pura expressão do Cristianismo que recusa incisivamente a Injustiça e a Opressão". Bastante interessante também é notar o tom que o padre adota quando disserta da relação entre marxismo e cristianismo admitindo pontos comuns e tolerando a colaboração até certo ponto.
Outro problema é que a análise se mostra contraditória a partir do momento que usa de diversas expressões em seu sentido marxista para legitimá-lo e para criticar o socialismo real. "Luta de classes", "alienação" e muitos outros, todos em seu sentido marxista, são usados para "revelar as contradições" mas são em si, em seu uso, contradições.
Não acho que devo continuar uma crítica extremamente alongada. O livro não é um lixo, como podem pensar alguns. Não é também uma obra-prima, todavia demonstra avanços e nuances progressistas muitas vezes obscurecidos por citações de autoridade nem sempre bem-vindas.
Charbonneau, pelo visto, não quer ser visto de maneira nenhuma como um comunista; ele é padre, dá aulas para a elite paulistana. Porém o padre não deixa de marcar posições interessantes. Sua postura crítica é de fato inteligente e sagaz, pena que é traída por um dogmatismo e uma falta de explicações recorrente. O determinismo que este tanto questiona junto com os existencialistas é ponto-chave em sua teoria.
28.

Não quero escrever muito. Acontece que o post anterior, o texto 27, me impele a falar mais algumas coisas.


Todos nós idiotas III
Nada mais natural

Apesar de tudo que disse sobre blogs, sobre o Xingu.net, devo admitir que eu reconheço profundamente o valor da blogosfera. Como diz Drummond em seu poema "Ontem"; "que por minha vez / escrevo, dissipo.". Temos essa necessidade. Acho natural. Acho bom. Legítimo. Autêntico. Sabemos mais de quem queremos saber, isso é um avanço. É bonito. Talvez genético. Essa necessidade de dissipar as coisas, de falar sozinho, de confidenciar pro vento. Não questiono nada disso. É algo que sinto. Mas é algo fundamentalmente fadado à esfera privada.
Não sei se estou admitindo a "limitação" que o Marcio bem assimilou em detrimento à pobreza que antes disse. Continuo achando pobreza no sentido de achar que a blogosfera é um meio de comunicação, é uma mídia revolucionária. Não acho, sou cético. Os blogs famosos são colunas de grandes meios de mídia, de grandes jornais, portais. Coluna não é blog, coluna não tem a essência do blog que é o poder se responder, é o falar individualizado, articulado. Podem achar que eu entro em contradição, mas não creio. Acredito que esse falar individualizado seria sim compatível com uma mídia revolucionária pois é justamente isso que a tornaria revolucionária. O problema que aponto não é esse.
O problema é que na essência esse nosso desejo de dissipar é mais forte que os outros? Talvez. É isso que coloco em dúvida. Se quando nos deparamos com um tantinho de poder, de atenção, não nos deixamos molengar - se quando recebemos um comentário-esmolinha não nos sobe a cabeça esse poderzinho, essa massagenzinha no nosso ego. Pensem nisso. Não, não quero comentários não. Só pensem.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Rápidas VI

A. Enxurrada
Desde que minha mãe colocou o link do meu último post em seu blog recebi uma torrencial tempestade de visitas e pageviews nunca antes vista. A minha média de visitas por dia (pessoas novas que acessam) é de 10 pessoas, aproximadamente - hoje, até o presente momento, recebi 45 visitas novas, quase 100 pageviews. É impressionante.

B. Charbonneaunianas
Anuncio que achei em um sebo uma raridade. "Marxismo e Socialismo Real" do ilustre Padre Paul-Eugène Charbonneau estão me dando uma dimensão que eu nunca tive sobre o pensamento do mais renomado ideólogo do Colégio que estudei. De fato ele tinha uma cultura extensa, era um erudito. Quando acabar a leitura, que será em breve, eu publico algo aqui, acho que há interesse, pelo menos numa sinopse do livro.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

27.

Apesar da impressão que me dá de estar falando para um grande vazio ou para um gigantesco monstro apático que não possui o talento da cognoscibilidade, continuo a falar da natureza bloguística. Tentando honrar as palavras de meu caro amigo Marcio ("O 'Palavras' é um blog existencialista, eu diria... /reflete sobre a própria existência./ caminha em direção ao autoconhecimento hegeliano do espirito absoluto atrávez da filosofia como verdade pelo pensamento racional."), continuo nessa empreitada de verificar até que ponto vale a pena manter um blog. Eu sei que o pensamento do Marcio é um tanto quanto exagerado, mas cabe a colocação.


Todos nós idiotas II

Agregação e interligação ou parque do Xingu virtual

Do grego ιδιώτης , idiôtês, "um cidadão privado, individual", de ίδιος , "privado"; usado depreciativamente na antiga Atenas para quem se apartasse da vida pública, através do lat. idiota.
tirado do Wictionário

O Parque Indígena do Xingu foi criado em 1961 por Jânio Quadros e foi a primeira reserva indígena homologada pelo governo federal no Brasil. A área do parque é de mais de 27 mil km², e é situado ao norte do estado do Mato Grosso. No Xingu vivem aproximadamente 5 mil índios de 14 etnias diferentes que compõe, segundo a UNESCO, um quadro riquíssimo de matizes lingüísticas. As quatro maiores famílias lingüísticas indígenas brasileiras (Carib, Aruak, Tupi e ) estão representadas no mosaico complexo das diversas tribos que habitam o local.
Não é preciso ser mestre em línguas para perceber que os índios do Xingu, mesmo habitando o mesmo local, são radicalmente diferentes. Quando digo "radicalmente" quero dizer lá mesmo, na raiz, na própria língua. Mesmo as tribos pertencentes ao mesmo tronco lingüístico tem dialetos diversos e percebendo isso percebemos como podem coabitar diferentes em um espaço tão pequeno de terras. A existência do Xingu é evidentemente positiva para a conservação da memória pré-portuguesa do Brasil e da América Latina. A existência do Xingu hoje, e é aí que reside o problema, não no parque mas na possibilidade de comparação e mormente no objeto que a possibilita, pode ser comparada com o universo de blogs que temos. Pelo menos dentro da reserva por mim habitada.
Sei que a comparação parece por demais exdrúxula mas existe possibilidade de ser real sim. O que quero dizer é continuação do texto 26, mais expressamente que o coletivo de blogs que vejo hoje, diferentemente do que se auto-exalta, é como o Xingu, uma reserva que vivem diversas tribos que não conseguem, apesar de serem vizinhas, falarem a mesma língua, ou seja, de construir uma discussão pública, democrática, "agorariana". Da mesma maneira que as tribos do Xingu se distanciam por serem oriundas de troncos lingüísticos diferentes as tribos de blogs (ou os blogs solitários, unicaules) se distanciam por não conseguirem nem ansiarem por falar a mesma língua. Esse interesse, apesar de alarmado, é inexistente.
A realidade idiotística do blogueiro é o que faz correr esse caos disconexo do discurso dos saudadores da Infovia. Hoje muito se fala que os blogs revolucionam a mídia conferindo uma rapidez e um dinamismo individual e individualizado às notícias e opiniões. Fala-se que essas novas ferramentas inauguram uma comunicação do século XXI, livre de amarras censoras e livre do poder financeiro midiático. Mentira.
Escatologia exaltacionista pura essa conversa. O que eu observo hoje é o contrário. Esse
foquismo alarmado de combate contra o monopólio da mídia internacional não passa de uma jocosidade. O monopólio se conserva e esse canal tão belo e diverso, e dinâmico, que são os blogs não verdadeiramente existe. Afirmar a existência desse canal só seria possível se todas as tribos desse Xingu parassem de se voltar a si mesmas e percebessem o seu entorno.
Calma, calma. Vocês bem sabem que eu amo nossos indiozinhos. O meu problema é conosco. Todos nós idiotas. Cidadãos privados, individuais em nossas tribos criadas e
autopoiéticas. Poiesis é um termo em grego que significa produção. Autopoiese então é a auto-organização, é quando um sistema gera a si mesmo através de uma interação com seu próprio meio. Não há interferência extrínseca no mesmo grau às intrínsecas ao mesmo que determine tal criação de si. Digo "no mesmo grau" pois é evidente que blogs sofrem influências e que seus autores escrevam sobre acontecimentos e coisas reais, é claro, mas não se pode dizer, propriamente, que tais influências são o motor da produção escrita bloguística. O motor, penso eu, é a interação daquele indivíduo ou grupos de indivíduos em si mesmos.
O privado se instala nesse mundo com a máscara do público. Escreve-se muito com a impressão de estar se comunicando com o mundo, mas, devido à inúmeros fatores tais quais a linguagem própria e essencialmente os conteúdos tão particulares quanto tribais, está se escrevendo para um mundinho próprio. O blog comum, o blog ordinário, é um travesti. Pretende-se público, mas é verdadeiramente privado; pretende-se dialogante, todavia não é nada senão
monologante.
É assim sim, e provar não é difícil. É só entrar em qualquer blog anunciado na Internet que não seja de algum conhecido seu. Existem exceções sim, mas elas provam a regra. A maioria absoluta da profusão estonteante de
.blogspots.coms ou .kit.nets e afins é completamente incognoscível. Ler é insuportavelmente chato.
O feixe diverso e desordenado de famílias lingüísticas de todo diferentes, o Xingu blogueiro, não é uma revolução midiática pois a mídia, a imprensa, pressupõe discussões públicas sobre o comum público, mesmo de maneira tendenciosa. O que se vê nos blogs são discussões completamente particulares sobre o comum tribal, que às vezes, por sorte completa, tange o público.
Para considerar um valor superior aos blogs temos que detestar, num inverso à atitude em relação aos indígenas do Xingu, a existência desses
kuikuros, jurunas e panarás cibernéticos. Claro que não defendo uma instalação de uma novilíngua orwelliana na blogosfera! Só digo que a discussão pública sobre o comum a todos só se dará quando a fonte da tendência egocêntrica dos que expressam sua opinião nesses espaços secar. Diferente dos índios que falam línguas diferentes por terem origens culturais diversas falamos línguas diferentes pois não nos interessamos em falar a mesma. Temos diferenças? Claro! Isso é ótimo! Dos melhores ingredientes para a construção de um espaço de diálogo dos mais ricos. Não refuto nossas origens culturais completamente diferentes. O que nos distingue fundamentalmente dos habitantes do Xingu é que escolhemos viver no Xingu.net e essa escolha, na minha opinião, não pode ser feita para satisfazer desejos mesquinhos de se fazerem milhões de monólogos inouvíveis.
O Xingu.net deve caminhar para ser a tão sonhada utopia que seus defensores de hoje tanto exaltam erradamente como verdadeira.

sábado, dezembro 01, 2007

26.


Todos nós idiotas
Comunicação livre e ego: contradições corrosivas
Os blogs são essas ferramentas poderosas de comunicação. Escrever um é como distribuir folhetos na rua só que só para quem quer ler. Eu acredito sim no poder disso. Claro que não um poder desproporcional e de fato reduzido, todavia fundamentalmente livre. Não há nada que pode ser censurado, tudo pode ser escrito, não há nada a perder, como disse um grande amigo de quem eu roubo as palavras.
Mesmo este poder se colocando como elemento essencial dos blogueiros contrapõe-se à ele uma difusão quase que individual de opiniões. A fragmentação se dá num plano que transcende o possível e esse poder (ilusório dado que nem todos têm acesso à tal ferramenta) deixa de ser realmente poder quando a blogosfera não passa de um feixe de monólogos inouvíveis e particulares. O blogueiro mostra-se por essência um egocêntrico pois num mundo em que todos tem a possibilidade de falarem sempre o que quiserem num plano de igualdade de maneira completamente livre todos acabam só se concentrando no que eles mesmos falam. A questão é que não compreendo como pode ser construído esse espaço pretensamente público se com essa fragmentação morre a possibilidade de foco e diálogo. Ser blogueiro é, ao mesmo tempo, ter o poder de comunicação livre já dito e, ao mesmo tempo, possuir o egocentrismo que corrói tal poder.
O diálogo e, principalmente, o debate e a formação de linhas de pensamento sobre o hoje é destruído conforme cada um interessa-se só com o seu fio. Os nós são dados sempre no mesmo fio, quase nunca com fios paralelos. O egoísmo e a concentração em si é tão colocada que os pensamentos virtuais são linhas paralelas que nunca conseguem se tocar.
Em que lugar o privado tem lugar nesse espaço fundamentalmente público dentro de uma lógica de construção de pensamento? O idiota, o voltado para o próprio
ide, é o blogueiro por excelência.
Em suma o Palavras entra numa fase complicada neste momento. Como posso afirmar a validade e a importância de manter um blog considerados todos esses problemas? A pretensão e o ego característicos de
bloguear atingiriam e destruiriam o cerne dos meus objetivos? Careço de companheiros que queiram construir junto e acho que talvez é esse o problema.
Rápidas V

A. Não são grades
É, eu estava enganado. São postes de luz mesmo. Creio que são vantajosos no saldo, apesar de servirem majoritariamente para as câmeras que vigiam as calçadas poderem focalizar à noite mais adequadamente.

B. Fim de ano
2008 se aproxima e com ele também vêm vindo diversas novidades, tanto franciscanas como, hm, charbonneaunianas. É ver para crer!