quarta-feira, outubro 31, 2007

23.

Estava a algum tempo para escrever algo sobre o que vem acontecendo comigo na Faculdade. Durante todo este ano questionamentos profundos caíram sobre mim e recentemente tomei a decisão de entrar num grupo chamado
Fórum da Esquerda. Este texto é dedicado à este grupo e à minha decisão. Não é uma tentativa de justificativa e sim algo bem mais importante que isso. Espero que gostem.


A importância do engajamento

"Cuidado, Chico, muito cuidado com eles", era o que falavam todos os meus conselheiros sobre os membros de grupos de política acadêmica - em especial os de esquerda. O medo dos vermelhinhos foi fomentado em mim mesmo antes do dia da matrícula e por isso o meu relacionamento com este plano de espaço político já começou com um pé atrás. Por um lado existia a exaltação de uma ágora presente, latente e consistente na São Francisco mas por outro o alimento de um desdém, um desprezo em relação a atualidade deste espaço.
Pesando isso fui muito cauteloso. Não queria tomar nenhuma decisão errada, nenhuma que eu pudesse me arrepender. Não queria decepcionar as pessoas que mais me contavam da Faculdade, de suas histórias e tradições. Não podia desconsiderar seus conselhos afinal conheciam aquele ambiente a mais tempo que eu e sempre considerei seu bom senso e sua inteligência. E assim meu ano de calouro foi passando, passando, passando. Passou a ocupação, a greve, o primeiro semestre. Nem sei quantas vezes neste período minha visão mudou de lado e a complexidade das questões sobrevoava minha mente induzindo uma espécie de paralização de congelamento. Eu pouco sabia o que fazer e o que apoiar. Comecei a perder as bases. Ora criticava e ora elogiava as atitudes de ambos os lados das polêmicas. Acumulei bagagem e principalmente realizou-se em mim um começo de uma sedimentação política mais séria, claro que ainda meio manca.
E veio o segundo semestre e com ele uma carga muito mais intensa de vida acadêmica. A ocupação de 22 de agosto. A Assembléia Geral Extraordinária e a "destituição" do presidente do XI, Ricardo. O tanto de energia e razão que eu tinha recuperado nas férias eu perdi e num dia que buscava clareza sobre minhas opiniões e princípios escrevi um texto sobre tais fatos, publicado aqui mesmo neste blog. Creio que este texto foi o início não de uma clarificação propriamente dita, mas de um processo de exposição a mim mesmo de como algumas coisas mereciam sua devida atenção. Alguns integrantes daquele grupo do qual eu tinha medo mas de certa maneira defendia no texto leram aquilo que eu tinha escrito e gostaram. Comecei a considerar seriamente sobre eles, sobre as suas atitudes. Não que eu tenha colocado num pedestal as atitudes do Fórum da Esquerda este ano, muito pelo contrário, as coloquei sobre uma lente de pesada crítica pessoal. Neste momento despontou em mim um intenso sentimento de admiração. Sério e profundo este sentimento ajudou-me a verificar que via neste grupo qualidades que eu considero louváveis e essenciais na vida política; coragem, senso de justiça, ideais sólidos e acima de tudo um comportamento de projetar-se sobre algo, de tomar posição.
É neste ponto que quero me ater, no engajamento - porque de fato tomei a decisão de participar deste grupo, de vestir esta camisa.
Baseei-me tanto no ideário que percebi como também em atitudes individuais e coletivas deste grupo e disso posso tirar algumas conclusões. Não venho aqui me justificar como alguma criança que fez levadeza, malcriação, até porque não acho que o que fiz foi algo parecido com isso nem muito menos quero aqui adotar uma atitude prepotente de salvador da pátria de ter entrado numa equipe de anjos salvadores da Terra dos homens comuns. O que desejo é relevar a importância do meu questionamento e dizer que depois de ter o feito concluir que sim, eu fiz a escolha certa, e disso me orgulho. É claro que neste ponto cabe ressaltar a importância do uso da expressão "escolha certa" não como sendo algo dogmaticamente eterno mas sim como um importante passo num processo pessoal. Amiga minha disse-me que em seu processo de entrar no grupo foi aconselhada que talvez fosse mais difícil se travasse uma batalha consigo mesma ao invés de toda a Faculdade se não fizesse essa escolha e é justamente isso. O fazer, o engajar-se, para então poder questionar, criticar, levar porrada e construir junto. A crítica de fato é tão importante quanto propriamente a decisão pois é nela que o grupo cresce e é com o constante movimento interno que os sentimentos e as idéias amadurecem e se tornam cada vez mais sólidos, coesos e coerentes - e mais suscetíveis a mudanças também, claro.
Não me importa se ganhamos ou não estas eleições que disputamos. Para mim isso não é tão importante quanto o fato de neste momento eu ter percebido que minha vida nunca mais será a mesma. Esta semana una e poderosa conseguiu mudar toda a minha concepção da Faculdade e me fez perceber que por mais que tenha sido importante todo o processo de ruminar este alimento político engoli-lo é o momento crucial, foi o momento crucial.
Um veterano de outro partido me perguntou o porquê eu estava vestindo aquela camiseta vermelha em um dia de votação, caçoando de mim. Sério eu pensei e rapidamente todas estas questões me passaram pela cabeça: valia a pena bater de frente com pessoas que eu tinha aprendido a gostar para esses ideais e este programa defender? Valia levar inúmeras patadas e esforçar-se para não perder a postura após ser surrado numa roda de conhecidos por visões políticas irredutíveis e contrárias? Ponderei alguns segundos. Aquele veterano representava tudo o que me fazia ter receio de vestir a camiseta vermelha, todos os poréns e os contras que eu estava adotando e sofrendo. Depois de assim considerar soltei: "Visto pois prefiro tomar uma posição". Nesta afirmação respondi para mim mesmo que sim, valia sim a pena sofrer de tudo por aquilo. Era o que eu acreditava e acredito. O importante não é só pensar e se dizer algo e sim efetivamente entrar de cabeça e se projetar neste ideal, mesmo que a piscina seja rasa e possa doer.
Se eu começar a tentar explicar toda a importância existencialista do engajamento vou acabar fazendo uma paráfrase ridícula de Sartre mas tenho de afirmar (o menos pretenciosamente possível) que muito nele pensei durante as minhas ações desta semana passada. É nas ações e nas escolhas que o homem se constrói e quando escolhe para si algo escolhe para toda a Humanidade. Por mais chavão que isso pareça eu acredito. O lado que eu escolhi eu escolho para todo mundo, mesmo. Deste modo faço uma escolha e me engajo e é importante que essa escolha e esse engajamento não sejam cegos e creio que não o são. Considerando que pensei nesta possibilidade durante alguns meses não posso deixar de dizer que não foi uma decisão feita guiada pelo sentimento até por que é nas escolhas, nos atos praticados, na ação, segundo Sartre, que ele se constrói. Foi uma opção autenticamente genuína mas nem por isso burra, cegamente idealista ou perenemente teimosa, eterna.
Os vermelhinhos são perigosos como me diziam? O engajamento pode ser perigoso mas não é por isso que temos de ter medo ou receio dele e é isso que as pessoas que afirmam a invalidade da prática vermelha sentem. Medo, receio e egoísmo foram os sentimentos que levaram o Fórum a perder as eleições - não qualquer estratégia política. Medo de encarar o confronto que é perigoso sim, perigoso por destruir, desconstruir toda uma base política que trazemos de casa, de bagagem. Covardia reducionista de achar que a matrícula da Fuvest é uma escritura de propriedade da Faculdade. Receio de abrir uma porta que pode mostrar o que temos de mais podre, receio de fazer autocrítica. Hipocrisia de declarar-se muito partidário da justiça social e blábláblá, mas revelar em seu voto intenções de continuidade de opressões e omissões corrosivas. É evidente que temos de tomar cuidado com generalizações e considerar o processo pessoal de aceitação da idéia de cada um e o respeitar. Nem todos os que não se engajam o fazem por medo e existem questões e mais questões envolvidas nisso mas o que trato aqui é o impacto e o existente enorme valor que isso tem em uma vida, no caso, a minha. De qualquer maneira podemos confirmar que os vermelhinhos são perigosos e que isso é bom.
Lembro aqui só a questão da individualidade inserida na coletividade e como essas duas entidades andam juntas na construção de uma parceria vantajosa de ambos os lados. A balança nunca deve pesar demais para um dos lados que o outro é prejudicado e é importante lembrar que há momentos - uns para uma dedicação quase-exclusiva ao grupo e outros para uma instrospecção e reflexão também claramente importante até mesmo para uma saúde do coletivo.
Estou feliz no Fórum da Esquerda. Conheço muito pouco de todos os seus integrantes profundamente, é verdade, e muito pouco dos problemas que todo grupo tem. Não acho que estar desse lado é fazer parte de algum exército da perfeição ou algo parecido, longe disso. É saudável que um grupo se questione e que nele, dentro dele, haja constestação, questionamento e crítica - senão esse grupo não anda, nem para frente, nem para trás - e não andar é sinônimo de engajar-se em não engajar-se, certo? Sinônimo de optar por não escolher o que é também uma escolha que anda lado a lado com uma engajamento envergonhado maquiado de indiferença. Apesar disso percebo que faço parte de algo e este algo faz parte de mim. Não é carência ou modismo como podem acusar alguns e sim uma profunda identificação e admiração.
O acolhimento que tive é também motivante para um agradecimento. Sei que o sonho não irá acabar com uma derrota que no fundo eu sabia que era provável que sofrêssemos e sei que o mais importante não é isso. Vão me acusar de fazer juízos de valor mas respondo que em algum momento da vida quando definimos os nossos princípios algumas questões axiológicas vêm e não podem ser deixadas de lado. O importante é que, como eu já disse, escolhi por mim e por todos os homens algo que eu considero não só belo mas correto, justo, digno e bom. O importante é, também, que eu não estou sozinho. Obrigado, amigos, e, agora, companheiros.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Rápidas II

A.
Não consigo encontrar adjetivos para descrever a satisfação que tive quando li o artigo de Zeca Baleiro de hoje (segunda-feira dia 29 de outubro) sobre o a polêmica huckiana. Que beleza! Maravilha. E é arrebatador como Baleiro trata Reinaldo Azevedo e seu conceito infeliz e desumano de democracia. Simples e indispensável. Palavras batidas mas não vazias quando descrevem a atitude do cantor-compositor maranhense.

B.
Ainda não sei se os semi-postes colocados nas grades do Santa se desenvolverão como grades ou como qualquer outra coisa. De qualquer maneira me parece suspeito e cada vez mais papador da liberdade querida por Charbonneau. A "segunda casa dos meninos", arejada, verde e recheada com um sentimento de liberdade e vanguarda que o padre falava quando concebia o colégio está virando algo como "o segundo condomínio fechado dos meninos". Realidade mais compatível com a realidade paralela, vil e falsa em que os "meninos" vivem e viverão.

C.
Peço desculpas pela ausência na passada semana. Discorro depois sobre os motivos do ocorrido.

segunda-feira, outubro 22, 2007

É com enorme satisfação que venho anunciar que hoje por volta da uma da tarde o Palavras de Ordem recebeu seu 1000º visitante diferente.
Como sempre agradeço por demais o prestígio de todos. Algo escrito só vale alguma coisa se alguém o lê e eu tenho consciência disso. Obrigado para todos que doaram alguns minutos de atenção para ouvir as opiniões aqui colocadas, obrigado mesmo.
Abraços,
Chico.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Rápidas I

A.
Reinaldo Azevedo, o não-idiota, resolveu publicar um outro artigo na
Veja desta semana que me fez rir. Digo que ele até conseguiu captar sim alguma coisa do filme Tropa de Elite e, pelo menos, não resolveu heroicizar o capitão Nascimento - é, até certo ponto. Bandido é bandido Como este cidadão tem a pachorra de chamar de lixo Michel Foucault por puro orgulho de posição política? É mesmo, esse sociólogo francês de meia-tigela deve ser só outro idiota sem-valor. Eu pensava que este tipo de direita, ops, perdão, que a Veja e seus colaboradores eram menos mal-informados. Sociologia vagabunda, devolvendo a acusação do Tio Rei, é o que Azevedo faz traduzindo e "entendendo" o pensamento de Foucault.

B.
Passei perto do Colégio Santa Cruz e vi indícios de algo que eu já imaginava que iria acontecer quando escrevi o Anexo-Manifesto I de "Palavras de Ordem", "Pedagogia do enjaulamento". As grades que separam a escola do "mundo exterior" estão, pelo visto, sendo aumentadas mais um metro e, por mais cri-cri que isto seja, não posso deixar de manifestar meu repúdio, meu asco por esta atitude. Atitude que provoca fisicamente um aumento do enorme abismo entre o "mundo maravilhoso" do Santa Cruz e o resto do Brasil. Feitos como esse só demonstram a decadência dos valores humanistas de Charbonneau e como os pais finalmente conseguiram dobrar o Colégio na sua ânsia por proteger predatoriamente os seus filhos e suas frágeis e puras mentes.

terça-feira, outubro 16, 2007

22.

Como vocês todos já sabem a saga huckiana é sucesso total. Uma polêmica de proporções globais, pelo menos desde que Ferréz publicou uma resposta no mesmo espaço da Folha de São Paulo exatamente uma semana depois de "Pensamentos quase póstumos". O rapper do Capão Redondo elevou à décima potência a intensidade das discussões sobre o rolex de Huck com opiniões bastante desconstrutivas e interessantes à respeito da opinião do ilustre colega apresentador. Uma semana após este artigo do escritor da periferia ser publicado e depois de várias publicações tratarem do assunto (vide texto 21) o jornalista e colunista da revista Veja Reinaldo Azevedo resolveu pôr as manguinhas de fora e ir ciscar fora de seu blog vinculado ao website da Veja. Indignado Azevedo publicou um artigo (clique no link para acessar) no mesmo espaço que Ferréz e Huck o fizeram e, em razão deste cidadão já ter se opinado bastante a respeito de assuntos uspianos e franciscanos, resolvi que seria interessante tentar analisar e comentar o seu texto para a Folha.

A democracia azevediana dos não-idiotas
Huck, Ferréz, Ascher. Centenas de leitores. Da Matta, Baleiro. Mais centenas de leitores. Revistas Veja, da Semana, Época. É, amigo Luciano, você conseguiu criar um belo de um bafafá. As palavras inconseqüentes do apresentador que deixa o Brasil acima de tudo "mais bacana" repercutiram e chegaram a seu vértice oposto nas palavras do rapper do Capão Redondo.

As declarações de Ferréz atingiram os alicerces da burrice nacional que as tomou como uma apologia ao crime. Burrice comparável à dos empolgados grupos que viram Tropa de Elite e agora veneram em enormes comunidades de Orkut as torturas e os lemas perversos do BOPE. Ferréz, em minha leitura, não defende o crime e muito menos o justifica. "Faz ficção" como diz o ombudsman da Folha de São Paulo Mário Magalhães e uma ficção exagerada com a intenção clara de ser diametralmente oposta ao pensamento do global. Tenho certeza que o rapper não acha certo o uso de violência pelo simples fato dele a ter sempre perto no bairro de onde é oriundo. Ninguém gosta de ser constrangido, violentado ou ter seu espaço pessoal invadido agressivamente, é fato.

A crítica aguda do caponista é sempre relativa ao texto de Huck, à sua opinião reducionista do problema social. Ferréz tenta demonstrar que é mais complexa a realidade; deve ser ressaltado que a afirmação "Não vejo motivo pra reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo pra ambas as partes" não pode ser tomada como foi pela maioria dos leitores. A frase deve ser lida por inteiro pois quando se lê "até que o rolo foi justo" fica-se com a clara noção de apologia ao crime, ao assalto. Noção errada. No aposto "num mundo indefensável" está a chave para a ironia sagaz do rapper. Numa clara referência ao adjetivo usado por Luciano Huck para descrever a situação de São Paulo Ferréz coloca o "mundo indefensável" como o mundo simplista do global. No mundo de Huck não tem espaço a solução, só o ciclo vicioso da repressão e do aumento da violência tanto de seus algozes como do capitão Nascimento. Ferréz percebe o paradoxo e o simplismo huckiano e seu mundo indefensável. Se então o mundo é indefensável então o assaltante desprovido de posses está desprotegido contra a exploração e espoliação de seu espaço social, urbano, econômico e político e tem de roubar para se proteger, certo? Assim ele pelo menos se protege, mesmo que de modo selvagem. No mundo indefensável o apresentador ganha se viver e, pelo menos assim, protege seu bem mais precioso: a vida. É o mundo indefensável de Huck. Mundo, cidade, que todos tem de recorrer à violência para resolver seus problemas - tanto Huck como seus extraterrestres desfilantes. Mundo retratado na visão estúpida já exaustivamente analisada do Lu.

Surge então a figura de Reinaldo Azevedo. Jornalista, colunista da revista Veja, o neutro e jornalístico panfleto ideológico mais lido do país, Azevedo faz uma tentativa, em seu artigo "A pluralidade e a revolução dos idiotas" de crítica ferrenha ao texto de Ferréz. Para Azevedo Ferréz é um "empresário" que "ao lado de Mano Brown (vocalista do grupo de rap "Racionais MC"), é um bibelô mimado pelas esquerdas e pelo pensamento politicamente correto". A posição do artigo do rapper é, "por defender o crime" irrespondível e faz parte de uma "revolução dos idiotas" que começa, segundo o vejista, "agredindo a lógica" e termina justificando o assassinato. Segundo Azevedo a Folha errou em publicar o artigo de Ferréz pelo seu cunho "solapador dos princípios democráticos". A voz de Ferréz é inaceitável para o magnífico jornalista, inaceitável dentro da pluralidade democrática da imprensa e a única resposta à ela é a contestação de seu conteúdo "criminoso". Afinal, como dizem, "quem defende criminoso nada mais é do que criminoso".

Adiante Reinaldo Azevedo defende a repressão, a prisão dos marginais como solução imediata e mágica para a violência. Critica um professor da Faculdade de Direito da USP que contestava o alto índice de prisões no estado de São Paulo por este, numa relação lógica admirável, reduzir os índices de homicídios. Termina com "A minha pluralidade não alcança tolerar idiotas que querem destruir o sistema de valores que garantem a minha existência. E, curiosamente, até a deles".

Azevedo entendeu o texto de Ferréz assim como eu entendo textos escritos em sânscrito. Se eu soubesse falar três palavras em sânscrito daria um desconto para o intelectual - o problema é que só sei falar uma palavra. Durmedha quer dizer "estúpido, ignorante".

A opinião de Azevedo se mostra completamente controversa a partir do entendimento parco da ironia de Ferréz e continua nesta linha até atingir o ponto ótimo do direitismo do jornalista. Democracia? Pluralismo de opiniões? Claro, claro. Só que uma democracia azevediana dos não-idiotas afinal o jornalista exclui de seu pluralismo ideal a voz de Ferréz. Não-idiotas que lêem a Veja e tem uma opinião só sua sobre absolutamente tudo no Brasil, na ponta da língua. Não-idiotas que, por não serem idiotas, conseguiram ganhar algum dinheiro. O mundo indefensável de Huck é a democracia azevediana, o mundo que quer resolver o assalto feito por motoqueiros no Jardins em trinta dias. O mundo que quer discutir políticas de segurança pública séria, que quer discutir projetos. Proponho a Azevedo o mesmo muro que propus a Luciano - dele espero uma rejeição e um grito indignado de "comunistóide!", "uspiano remelento volte para a casa da mamãe!". Eu moro sim na casa da minha mãe, Titio Rei, e acho melhor já começar a me retratar. Como bom não-idiota é melhor eu me submeter à vossa opinião superior de mestre da verdade afinal de contas você, bom, você escreve para a Veja.

A democracia azevediana é análoga à sociedade pretensamente democrática que não dá voz aos despossuídos, aos marginalizados, aos idiotas que fazem libelo criminoso na Folha. Esses idiotas não podem ser tolerados! Querem destruir o sistema de valores que garante a existência de Azevedo e deles mesmos! Sim, claro, a existência de Azevedo como confortável jornalista da Veja a dos bandidos do Capão como bandidos idiotas do Capão. Sistema de valores? Que valores são esses? Repressão? "Direitos humanos só para humanos direitos"? "Dane-se problemas crônicos sociais, lugar de bandido é na cadeia"? A democracia azevediana é o inverso da democracia, é o "Estado de exceção" - nome chique de ditadura. O jornalista idealiza um regime que não dê a mínima voz aos idiotas. Eles são idiotas mesmo; se lhes dermos voz só falarão idiotice, né Tio Rei?

O "companheiro", as massas despossuídas, os movimentos sociais, "ensinaram" a esquerda a não pensar, diz Azevedo. É a Veja, óbvio, que deve ensinar todo mundo a pensar. A pensar do jeito certo, do jeito azevedianamente não-idiota, claro. O regime "democrático" aos moldes imaginados por Reinaldo Azevedo pode estar por vir e não gosto muito desta idéia, espero que todos os idiotas como eu também.

***

Perdoem-me pela breve digressão que segue, mas, aliás, não é a primeira vez que Reinaldo Azevedo observa atentamente o que ocorre na Academia do Largo. Como blogueiro acompanhou de perto a "invasão de idiotas", utilizando seu vocabulário, em agosto e apoiou inconseqüentemente a deposição do presidente Ricardo Leite Ribeiro e o massacre do Fórum da Esquerda. A partir daí o intelectual conceituado foi surpreendido em seu blog com por uma enxurrada de comentários de apoio "anticomunista" à suas observações indevidas, airosas, patéticas e próprias de quem não tem nada, absolutamente nada, a ver com àquela Casa. Não sei se algum parente de Reinaldo Azevedo já passou por lá ou se ele mesmo fez São Francisco mas não o vi por lá nenhuma vez nos últimos meses, estranho.

quinta-feira, outubro 11, 2007

21.

Tenho acompanhado de muito o caso do Huck. Talvez isso tenha virado até espécie de paranóia ou de obcessão mas acho que no caso tange o autodescobrimento. Ah! Esse post é dedicado à meu futuro calouro Felipe Catalani.

(É ele mesmo, só pra constar.)

Tiros fora do alvo
Saíram duas revistas que têm o assunto da polêmica huckiana como capa nesta semana. Comprei as duas para dar uma olhada - será que valeu a pena?
A primeira delas é a
Revista da Semana, publicação da Editora Abril que está ainda engatinhando no sétimo número. A Revista da Semana tem caráter de informativo rápido e tem preço acessível e seu posicionamento é atrelado ao da Veja que em sua entrevista claramente adota à corrente de pensamento criada e defensora pelo ilustre colega. A manchete da capa é "A culpa é da vítima - O apresentador Luciano Huck é assaltado, escreve artigo e recebe críticas e insultos como resposta. Os ricos (e famosos) brasileiros não tem direito de reclamar?" e a matéria claramente passa o quanto é "absurda" a opinião de quem criticou o artigo "Pensamentos quase póstumos". A publicação consegue ser mais simplista do que Luciano e, numa matéria que conta com generosas duas páginas, recorta de maneira extremamente incompleta e leviana o pensamento de Ferréz, o rapper que respondeu a Huck com um texto bastante bombástico e de fácil falso entendimento. Para a Revista da Semana Huck somente resolveu contar sobre o assalto de que foi vítima e, em síntese, pagou por ser rico e famoso. Digo o seguinte: Luciano Huck não "resolveu contar".
O artigo de Huck não foi uma narração com pretensão realista nem obra de ficção - foi um artigo. Artigos geralmente, disse geralmente, têm opinião, não sei se a Abril sabe. O que se critica é claramente não o fato do global ser ou não assaltado, isso é segundo plano, o que se critica é sua opinião, sua análise, seu recorte. Já disse que é péssimo ele ser assaltado, lamento muito mesmo. É chato, todo mundo sabe. Mas daí para o malandrão escrever que cidadania é sinônimo de pagar impostos e consciência social é ter uma ONG é outra coisa. Isso não é fato, isso é opinião.
A segunda publicação com o amigo na capa é, evidentemente, a Época. A revista carro-chefe da Editora Globo traz estampado: "Ele merecia ser roubado? - O que o debate sobre o assalto a Luciano Huck mostra sobre a alma do brasileiro". Profundo, nossa. A alma?
A reportagem da Época é bem mais completa do que a da Revista da Semana. Num grande caldeirão de influências e com uma base bastante ampla de opiniões e pitacos a revista se dá ao luxo de, de tudo isso, tirar uma conclusão: o Brasil tem que perceber que, dadas as proporções elitistas e escorregadas simplistas e simplórias do artigo de Huck ele é inocente. O Brasil tem que perceber de uma vez por todas que bandido é bandido. "Ponto", diz a Época. Os ataques a Huck deixam claro que ainda há um enorme caminho a percorrer pelo Brasil "até que se consolide a convicção que um país justo socialmente oferece segurança a todos - incluída a 'elite'". Exatamente, um país justo socialmente oferece segurança a todos. Temos só que lembrar que em um país socialmente justo não tem "a elite". Hm. E também quem disse que aqui a "elite" não tem segurança? Ela compra a sua, logo, ela tem. Quem não tem é quem não compra. E quem não compra é por que não pode, afinal, como disse Huck, ninguém gosta de ser assaltado.
A justificativa da revista pela indignação dos leitores do artigo de Luciano foi ou de quem está se sentindo injustiçado no momento ou de quem tem inveja (colocação densamente reforçada ao longo do texto). É claro que não existe a possibilidade de alguém achar besteira o posicionamento do texto do apresentador por achar ele próprio falho, mal-feito, tem de ter um porquê externo e de viés determinístico. Ele é inocente, claro! Até onde eu sei um inocente pode falar uma bobagem tão grande quanto qualquer culpado. Inocente é quem não tem culpa. Dizer que Huck tem culpa que foi assaltado é polêmico e inconseqüente porém falar que o mesmo tem responsabilidade em relação ao que escrever não é. Ele tem e deve responder por isso pois seu artigo foi polêmico e inconseqüente, com ênfase na segunda característica. Inocência não o livra de ser responsabilizado pelo que escreveu, muito menos sua pretensa cidadania de bolso.
Um outro ponto destacável que aparece na Época é a opinião distinta do intelectual Roberto Da Matta. O antropólogo afirma que as reações contrárias aos "Pensamentos quase póstumos" são antidemocráticas, "como se a elite não pudesse reclamar de nada, como se tivesse de se conformar com qualque tragédia porque na cabeça dessas pessoas a elite já tem tudo, então já está no lucro. Isso é neofacismo". Ahn?! Neofacismo? Da Matta, a elite pode reclamar quanto quiser. Ninguém que eu saiba foi contra a manifestação-reclamação do Luciano Huck mas em relação a seu teor, seu conteúdo aleijado. Entre a manifestação e o conteúdo das mesmas existe grande diferença e não faz sentido afirmar que tais reações são contra a democracia e a liberdade de expressão se as mesmas usam destes princípios para existirem. Sem sentido. Ninguém "tem de se conformar"; nem com o assalto muito menos com a mistura do Caldeirão que passou do ponto. E de onde o intelectual distinto tirou neofacismo não sei, realmente não sei. Me parece uma colocação tão indevida e absurda que realmente para mim o uso da mesma não faz nenhum sentido, nenhum. É como se Da Matta afirmasse que as reações "parecem com um transatlântico" ou "tem cheiro de pepino fresco". Non-sense ou humor fino de antropólogo? Bom, definitivamente não é humor zorra-total do nosso amigo Lu.
Não deixo de admitir que a reportagem da Época não tenha seus silvos breves de lucidez. Foram além de Huck e claramente além da Revista da Semana. Algumas opiniões se mostraram bastante razoáveis como por exemplo a de que a comparação dos ladrões com ETs é absurda mas de qualquer maneira isto é lucro numa publicação que advém da corporação que emprega o próprio Luciano, não é mesmo?
E concluo? Ah, será que eu tenho essa pretensão de concluir? Tenho sim. Luciano Huck escreveu asneiras mas isso não quer dizer que ninguém mais possa escrever. Estão aí duas provas, comprem para conferir. Não; pensando melhor, não.

segunda-feira, outubro 08, 2007

20.

Este texto foi reduzido para a a publicação n'O Pátio, o jornal acadêmico da São Francisco.

O caldeirão e sua vergonha

Lamento por esta situação limite que passou o colega Luciano Huck. Ilustre companheiro das Arcadas, Luciano não merece ser assaltado e assustado como foi, ninguém merece. É evidente que a atitude de seus algozes é criminosa e esse passa longe de ser o mérito deste texto. O problema é que o global “cansou” e decidiu “desabafar” na Folha de S. Paulo. Sinceramente achei triste - quiçá ridículo.

Começa sua análise imaginando o que ocorreria se o pior tivesse acontecido e depois dessa mórbida descrição começa a se questionar e se mostrar indignado, desesperado por soluções – aí começa o problema. É fatal quando faz a conexão "pago todos meus impostos, uma fortuna" com "como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa". Esta conexão argumentativa representa a chave para o entendimento do pensamento do apresentador. Seu raciocínio simplista e desesperado pára quando acaba seu interesse e este é estritamente pessoal. Bradando clichês e lugares comuns confunde cidadania com o simples ato de pagar "tudinho" de seus tributos - desprezando o resto das acepções da palavra. Como Luciano conseguiu realizar algumas matérias na faculdade com tanta dificuldade em definir conceitos básicos?

“A situação de São Paulo está ficando indefensável" diz ele em mais uma colocação indevida. Para Huck a situação de São Paulo não "está ficando indefensável" e sim ficou indefensável de uma hora para a outra devido a algo que lhe aconteceu. Este é indício da perspectiva individualista do pagador-de-impostos-cumpridor-de-seus-deveres Huck que tudo resolve com a cívica (ou seria cínica) pergunta clássica de um pretenso jogo de esconde: "onde está a segurança no nosso país? Onde está a polícia? Onde estão os heróis que tem de nos salvar?!". Não vem nenhum não, Luciano, não tem, não existe herói assim. Mas ele quer é a polícia mesmo, a "Tropa de Elite", para resolver seu problema do assalto de motocicleta nos Jardins agora, já, em 30 dias. Quer discutir segurança pública de verdade dizendo isto? Boa, filhão. Não sou nenhum perito no assunto mas imagino que a violência urbana não pode ser resolvida com seriedade em 30 dias a não ser que a idéia de Luciano seja cercar os Jardins com um imenso muro lotando o bairro de tanques de guerra e viaturas policiais. Não acho que ele acharia má idéia. De fato, Luciano: talvez seja a hora de construirmos o muro. Neste ponto é feliz a observação de um leitor da Folha que no dia seguinte da publicação do artigo que Huck afirmou que este poderia ter sido mais direto e perguntado estaria a Tropa da Elite.

Aí encontro um parágrafo cômico em meio a toda esta aguda e inteligente análise política do nosso complexo país. O amigo exacerba sua missão social de apresentador de tentar fazer este país se tornar mais “bacana” divertindo na TV e trabalhando na direção de uma ONG séria. Huck se diz alguém que não está indignado com a perda de seu rolex, mas sim como uma pessoa que "de certa maneira" dirigiu a sua vida e sua energia para ajudar a construir um cenário mais maduro, mais profissional, mais eqüilibrado e justo. Admira-me a maneira que este o faz. Seu programa realmente detém os aspectos mais maduros da TV brasileira e engrandece o povo tornando o Brasil mais bacana. Sinceramente. O "Caldeirão" é o que existe de mais imaturo na TV brasileira e representa a nossa ânsia de se alimentar com uma cultura que mais parece uma massa disforme verde-acinzentada que é amontoado de sexo, fofoca, sexo, música subformada, repetitiva e sem nenhum conteúdo, sexo, entretenimento importado americano, sexo, pernas e seios femininos, sexo e uma pitada de humor zorra-total. Triste que Huck ache mesmo que está construindo ou contribuindo para construir um cenário mais justo ou maduro no nosso país. Ele é provavelmente um visionário; ele e a Dani Bananinha.

Ah! Mas ele mantém uma ONG séria! Ah, ok, a cidadania não é só pagar impostos, é também ser obrigado a ter uma ONG-desencargo-de-consciência. Faço das palavras de Thiago Candido da Silva, diretor do DCE livre da USP, as minhas: "A solução não é a repressão, e sim a distribuição maior de renda e de oportunidades. E não é meia dúzia de pessoas em curso de cinegrafia que irá mudar a situação". Que eu saiba bailes ou leilões (d)e caridade nunca conseguiram resolver essencialmente qualquer problema social mesmo porque se o tivessem conseguido não teríamos mais uma dezena deles por semana nas colunas sociais. E fazer parte disso não te dá carteirinha cativa de cidadão.

Seguindo o global constata debilmente uma afirmação genuína: a existência de desigualdades no Brasil. Pergunto-me se não deveríamos conferir a este genial pensador alguma espécie de prêmio por constatar algo tão inédito. Parabéns Luciano, descobriu a América.

"Onde estão os projetos? Onde estão as políticas públicas de segurança? Onde está a polícia?". Luciano Huck está à procura de um salvador da pátria e isso me dá medo. Não imagino o que ele tem na cabeça quando diz isto. É o velho personalismo político brasileiro que desconsidera a existência da política das idéias e não das pessoas em sua acepção mais bela? Ou seria um neomessianismo estilo Canudos? Não vai ser um "salvador" que resolverá o problema de nossa pátria, caro amigo.

E não é só esta afirmação de Luciano Huck que me assusta. Ainda pergunta qual seria a lógica de algumas coisas dentre elas "um par de 'extraterrestres' fortemente armados desfilando pelos bairros nobres de São Paulo" e isso me parece a mais simbólica e forte afirmação do apresentador do "Caldeirão" no que diz respeito à natureza simplista e arrisco dizer elitistamente tapada (pois acredito que é possível talvez um pensamento elitista menos imbecil, sem entrar neste mérito) do seu ideário. Usar a expressão "extraterrestres" o denuncia completamente e mostra como Huck deseja que o muro seja construído o mais rápido possível e que os seus assaltantes fiquem bem enfiadinhos no barraco onde nasceram vendo seu programa e mandando cartinhas para terem o carro reformado. Em vez disso ficam “desfilando” fortemente armados pelos bairros que não os pertencem – crime! Que chamem a "Tropa de Elite” e seu fascista capitão Nascimento.

Nosso colega não deseja a solução mais justa, mais madura ou mais "bacana" para nosso país e sim a mais adequada e mais "bacana" para ele próprio, a mais rápida, o muro. O franciscano Huck está envergonhado de ser paulistano? Deveria estar, em vez disso, envergonhado por ser Luciano Huck depois de escrever tamanhas bobagens. A mistura deste caldeirão passou do ponto.

E a história continua. Minha confusão também.
Vou anexar aqui links para dois textos. O primeiro escrito por Férrez na Folha de São Paulo de hoje. O autor é conhecido como um escritor da periferia da metrópole paulistana que retrata e conhece seu cotidiano. O segundo texto foi escrito também para a Folha por Nelson Ascher, poeta, tradutor e jornalista formado em administração de empresas pela FGV.
Essa polêmica vai longe.

domingo, outubro 07, 2007

19.

O caldeirão não tem mais vergonha

"O apresentador Luciano Huck diz que as reações negativas a seu desabafo depois de um assalto partiram de quem não conhece a periferia" Subtítulo da entrevista de Luciano Huck à Veja deste sábado 6 de outubro de 2007.
Ele falou de novo, o Luciano Huck. Vocês desculpem a minha obcessão contudo não posso deixar de lado as palavras de um senhor que além de ter cursado pelo menos algum tempo da mesma faculdade que eu ainda esteve no mesmo colégio que eu. Espantoso.
Fiquei muito confuso quando li a entrevista de Huck à Veja neste sábado. O global falou bonito sobre a importância da educação para o país e que todos temos que fazer alguma coisa. Dissertou sobre a importância de não termos um estado penal e sim um com enfoque na educação, com enfoque em projeto para a educação. É o "Cristovam Buarque" do "Caldeirão" que não está nem aí para as bobagens que falaram. Disse já foi milhares de vezes mais para a periferia para gravar quadros de seu programa e passa de carro com vidro aberto na Rocinha. Ele afirmou que ouve, ouve muito, e conhece a realidade brasileira.
Não sei se vale a pena ficar falando sobre esse meu colega. Para mim é evidente que esse discurso não passa de uma bem-feita pasteurização das besteiras que Luciano Huck escreveu e nada mais porque continua fazendo uso de lugares comuns, de máximas, assim como todo entendedor-de-tudo. Se travestiu agora de justamente o que buscava no artigo, de salvador da pátria. Não acham? Olha a cara dele na foto que eu coloquei aqui para vocês verem.
Em vez de procurar respostas nessa entrevista o nosso herói nos dá, e é por isso que eu fiquei confuso. No lugar de perguntar ele responde e vejam só que instrutivo, responde com coisas que quem tem o mínimo de discernimento já sabe sobre o nosso país: é evidente que precisamos democratizar o acesso à educação. Claro que o filho do assaltante tem de ter oportunidade de entrar na faculdade que quiser, isso é óbvio. Huck agora quer posar de bom-moço, de bastião da razoabilidade. Para mim Luciano não passa de um hipócrita.
Como tem coragem em falar de educação conduzindo seu programa desta maneira? Como tem a panca de vir dizer que conhece mais da realidade brasileira do que qualquer um que o criticou? Este homem que trabalha para a Globo tem a pachorra de vir falar em mudança social?
Seu programa e suas atitudes como homem público só vem contribuir para o estado aleijado que nosso país se encontra, aleijado justamente do que ele pede, educação. Não cabe aqui descer a lenha no "Caldeirão" mais uma vez mas me indigna este vendedor, que é exatamente o que Huck é, um vendedor de produtos muito hábil, vir aqui dizer disso tudo.
Luciano você pode ouvir o quanto você quiser, não vai resolver o problema. Pode fazer quantas ONGs quiser, não vai resolver o problema. Enquanto você não perceber que trabalha para o contrário do que deseja estará remando com um cabo de vassoura, sem sair do lugar.
Das duas uma: ou Luciano Huck está no lugar errado e mal-instruído não passando de um ingênuo bem-intencionado ou tudo o que disse de fato é uma pasteurização e o que deseja realmente é um estado policial, que o cap. Nascimento de "Tropa de Elite" construa um muro em volta de sua sociedade perfeita.

Ainda estou sobre isso matutando. Não acho que este texto tenha ficado especialmente bom. Me sinto como um peixinho dourado que caiu fora do aquário - realmente sinto-me confuso com esta entrevista, me debatendo comigo mesmo para tentar verificar em ponto este colega me pegou, porque ele me pegou em algum ponto. Ainda me sinto driblado. Tento me sentir superior, é inútil, não o sou. Preciso de uma dose de autocrítica, talvez realmente eu seja um mané como ele disse.

terça-feira, outubro 02, 2007

18.

Acho que nunca escrevi aqui em PdO qualquer texto que tratasse de assuntos de ordem nacional. Todos os escritos que acabei de rever são sobre o cotidiano escolar, a juventude, a universidade - nunca seriamente sobre algo de importância e interesse comum a muita gente. É verdade que a greve e a ocupação de maio na USP ocuparam uma parte significativa dos noticiários mas tenho de dizer que era meu dia-dia; estava lá. Se eu nada falasse seria omisso, penso. Porém não me atrevi a dissertar sobre o Lula, sobre o Renan ou sobre qualquer tema da política nacional. Acho pretenciosa e ambiciosa tal tentativa e creio que sobraria leviandade se eu o fizesse. Deve ser medo e é bom que este aqui tenha lugar e eu seja contido de falar bobagens sobre assuntos que merecem ser tratados com um entendimento de uma complexidade que eu ainda não consigo apreender.
Entretanto surge algo nesta segunda-feira (1º/10/2007) que desperta profundamente meu interesse e minha vontade de escrever. É possível que seja algo ainda limitado mas de fato é o mais longe que me permito ir em análises de cunho externo (em relação ao toque do meu olhar). Um colega acadêmico do Largo sofreu uma situação limite em sua vida e em um jornal de grande tiragem fez um desabafo. Seu nome: Luciano Huck. A história foi essa. O desabafo está aqui (quem não conseguir acessar mande-me um email em fbritocruz@gmail.com que eu mando o texto na íntegra). Comentarei o texto de Huck - veremos do que ele e eu somos capazes.


O caldeirão e sua vergonha

Lamento muito por esta situação limite que passou o colega Luciano Huck. Companheiro das Arcadas, o apresentador paulistano não merece, assim como ninguém merece, ser de tal maneira achacado, roubado, importunado de maneira tão violenta e medonha. É evidente que a atitude de seus algozes é criminosa e esse passa longe de ser o mérito desta discussão. O problema é que o global decidiu escrever, desabafar, e, penso eu, cometeu alguns atos-falhos e pecou em diversos pontos de sua análise. Sinceramente achei triste - quiçá ridículo.

Começa sua análise imaginando o que ocorreria se o pior tivesse acontecido. De maneira mórbida narra o acontecimento e é evidente a carga emocional destas primeira passagens. O problema chega quando Huck se diz indignado e começa a clamar bordões e palavras de ordem clichês. É fatal quando faz a conexão "pago todos meus impostos, uma fortuna" com "como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa"; é o começo de todo um raciocínio simplista, desesperado e patético cheio de lugares comuns indevidos. Esta conexão argumentativa representa a chave para o entendimento do pensamento do apresentador. Ele paga todos os impostos; sua dívida está quitada com tudo. Ele paga para isto não acontecer. Paga e diz que o "resultado" de os pagar é um assalto que lhe ocorreu. Penso que deveria observar melhor se este assalto é mesmo o resultado disto ou de alguma outra coisa. Seu raciocínio para quando acaba seu interesse e este é estritamente pessoal. Confunde cidadania, ser cidadão, com o simples ato de pagar "tudinho" de seus tributos - despreza o resto das acepções da palavra. Pergunto-me aqui como conseguiu realizar algumas matérias na faculdade sem saber definir com o mínimo de razoabilidade tais conceitos.
Percebe em seguida que a situação de São Paulo "está ficando indefensável", justamente esta cidade que adora, que nasceu. A mim parece-me mais uma vez indevida tal colocação. A situação de São Paulo não "está ficando indefensável" para Huck e sim ficou indefensável de uma hora para a outra devido a algo que lhe aconteceu (ou "algos", no plural, pois, segundo ele foram três assaltos próximos do próprio na cidade no mesmo dia). Este é indício da perspectiva individualista do pagador-de-impostos-cumpridor-de-seus-deveres Huck que tudo resolve com a cívica pergunta clássica de um pretenso jogo de esconde: "onde está a segurança no nosso país? Onde está a polícia? Onde estão os heróis que tem de nos salvar?!". Não vem nenhum não, Luciano, não tem, não existe herói. Mas ele quer é a polícia mesmo, a "Tropa de Elite", para resolver seu problema, o problema de assalto de motocicleta nos Jardins em 30 dias - agora, já. Quer discutir segurança pública de verdade dizendo isto. Dizendo isto?
Não sou nenhum perito no assunto mas imagino que um problema como a violência urbana não pode ser resolvido com seriedade em 30 dias a não ser que a idéia de Luciano seja cercar os Jardins com um imenso muro anti-assaltantes lotando o bairro de tanques de guerra e viaturas policiais (ainda mais do que de costume e ainda mais das viaturas das empresas de segurança privada). Não acho que ele acharia má idéia. "Dois ladrões a bordo de uma moto, com uma coleção de relógios e pertences alheios na mochila e um par de armas de fogo não se teletransportam da rua Renato Paes de Barros para o infinito" diz ele. De fato, Luciano - vamos construir o nosso muro. É feliz a observação de um leitor chamado Fernando da Silveira que diz numa carta à Folha de São Paulo no dia seguinte que Huck poderia ter sido mais direto e perguntar em vez de "onde está a Tropa de Elite?" onde estaria a Tropa da Elite.
Aí encontro um parágrafo cômico em meio a toda esta aguda e inteligente análise política do nosso complexo país. O amigo neste e em outros pontos exacerba sua missão social de apresentador de tentar fazer este país se tornar mais bacana divertindo na TV e trabalhando na direção de uma ONG séria. Huck se diz alguém que não está indignado com a perda de seu rolex, mas sim como uma pessoa que "de certa maneira" "dirigiu a sua vida e sua energia para ajudar a construir um cenário mais maduro, mais profissional, mais eqüilibrado e justo". Admira-me a maneira que este o faz. Seu programa realmente detém os aspectos mais maduros da TV e da cultura brasileira e engrandece o povo tornando o Brasil mais bacana. Sinceramente. O "Caldeirão" (quem goste que me perdoe) é o que existe de mais imaturo na TV brasileira e representa a ânsia de se alimentar com uma cultura que mais parece uma massa disforme verde-acinzentada que é amontoado de sexo, informações supérfluas, sexo, fofoca, sexo, música subformada, repetitiva e sem conteúdo, sexo, entretenimento importado americano, sexo, pernas e seios femininos, sexo e uma pitada de humor zorra-total, aquele que suga seu cérebro e não te deixa pensar em mais nada. Triste que Huck ache mesmo que está construindo ou contribuindo para construir um cenário mais justo ou maduro no nosso país. Ele é um visionário provavelmente; ele e a Dani Bananinha.
Ah! Mas ele mantém uma ONG séria! Ah, ok, a cidadania não é só pagar impostos, é também ser obrigado a ter uma ONG-desencargo-de-consciência. Faço das palavras de Thiago Candido da Silva, diretor do DCE livre da USP, as minhas: "
É um pensamento típico: apenas quando somos diretamente afetados, nos movemos em gritos esparsos, em passeatas sem sentido ou apoiando políticas de repressão intensa. A solução não é a repressão, e sim a distribuição maior de renda e de oportunidades. E não é meia dúzia de pessoas em curso de cinegrafia que irá mudar a situação". Bailes (d)e caridade nunca conseguiram resolver realmente qualquer problema mesmo porque se tivessem conseguido não teríamos mais uma dezena deles por semana nas colunas sociais. E fazer parte disso não te dá carteirinha cativa de cidadão.
Seguindo o global constata debilmente uma afirmação genuína: a existência de desigualdades no Brasil. Pergunto-me se não deveríamos conferir a este genial pensador alguma espécie de prêmio por constatar algo tão inédito. Parabéns Luciano, descobriu a América. Ainda nisso sua análise apresenta problemas por aproximar situações completamente diversas que nada tem a ver uma com a outra a não ser como um recurso parco para tentar demonstrar uma idéia desesperada. A desigualdade observada por Huck é pateticamente superficial, uma desigualdade de acontecimentos, não de causas, e isso deixa sua observação simplista. Sua emoção também o toma a medida que relata que "assaltos a mão armada sendos executados em série nos bairros ricos" - "em série"? Sem querer desvalorizar esta verdadeiramente odiosa situação que Huck passou transformar isto num acontecimento em série é algo que lhe foge a competência, o faz por emoção, por achar que seu problema é o maior de todos - disso não o culpo, mas não acredito ser verdade.
"Onde estão os projetos? Onde estão as políticas públicas de segurança? Onde está a polícia?". Luciano Huck está à procura de um salvador da pátria e isso me dá medo. Não imagino o que ele tem na cabeça quando diz isto. É o velho personalismo político brasileiro que desconsidera a existência da política das idéias e não das pessoas em sua acepção mais bela? Ou seria um neomessianismo estilo Canudos? Isto abre espaço para idolatrias e defendo que estas nunca são muito boas, quando se tem um problema tão complexo quanto o Brasil, tão difícil quanto nossa realidade. Não vai ser um "salvador" que resolverá o problema de nossa pátria e sim todos nós se nos dermos conta de suas reais causas.
E não é só esta afirmação de Luciano Huck que me assusta. Ainda pergunta qual seria a lógica de algumas coisas dentre elas "um par de 'extraterrestres' fortemente armados desfilando pelos bairros nobres de São Paulo" e isso me parece talvez a mais simbólica e forte afirmação do apresentador do "Caldeirão" no que diz respeito à natureza simplista e arrisco dizer elitistamente tapada (pois acredito que é possível talvez um pensamento elitista menos imbecil, sem entrar neste mérito) do seu ideário. Usar a expressão "extraterrestres" o denuncia completamente e mostra como Huck deseja que o muro que eu idealizei seja construído o mais rápido possível. Ele quer dizer que aqueles não pertencem aquele local apesar da Rua Renato Paes de Barros ser pública, não deveriam estar lá, deveriam estar enfiados nos barracos onde nasceram. Em vez disso ficam desfilando (como verdadeiras madames) fortemente armados pelos bairros que não os pertencem - que chamem a "Tropa de Elite", do filme que atua Wagner Moura, como se esta fosse a solução mais adequada.
Percebe-se que nosso colega não deseja a solução mais adequada, mais justa, mais madura ou mais "bacana" para nosso país e sim a mais adequada e mais "bacana" para ele próprio, a mais imediatista, o muro (que equivale a nossas blindagens e aos nossos condomínios megafechados). O franciscano Huck está envergonhado de ser paulistano? Deveria estar, em vez disso, envergonhado por ser Luciano Huck depois de escrever tamanhas bobagens. A mistura deste caldeirão passou do ponto.
Peço desculpa pela atual escassez de posts mas isto é normal, creio eu.
Em breve retorno com novidades interessantes.