sexta-feira, dezembro 21, 2007

30.

Neste "texto" número 30 tentarei algo diferente, vamos ver no que dá.


Rand, Roark e a defesa do indivíduo I


Bom, primeiro de tudo eu preciso que o caro leitor assista esse vídeo. É de um filme chamado "The Fountainhead", de 1949. O filme é baseado num livro de 1943 com o mesmo título, escrito pela autora americana Ayn Rand. Vou contar a história para melhorar o entendimento.
Howard Roark (Gary Cooper) é um arquiteto idealista e visionário. Sua estética e seu método divergem dos tradicionais ensinados pelas academias de arquitetura e seus colegas caçoam dele. Roark não quer saber de frufus, de estilos copiados, de neobarroquismos, entre outros. É um homem com idéias próprias, novas. Com um pensamento certamente individualista é um profissional jovem e brilhante. Depois de diversas desventuras que não necessitam ser narradas um arquiteto colega de Roark o vê em necessidade e oferece um acordo. Peter Keating é um parasita, alguém que nunca consegue ter idéias próprias e copia modelos. O acordo consistia em Roark desenhar o Condomínio Cortland para Keating, que não conseguia ter idéias e, em troca, Keating faria o que seu colega quisesse.
Howard Roark aceita o acordo e desenha Cortland para Keating sem assinar o projeto e sem receber um tostão - a única coisa que ele exige é que o condomínio seja exatamente como ele projetou. Exatamente.
Depois de uma longa viagem de barco Roark vai observar seu projeto pronto e vê que, apesar do acordo, o desenho havia sido mudado; Keating havia cedido ao achaque de seu chefe e havia transformado o projeto em uma gororoba neoclássica. Louco com a mudança traiçoeira em seu projeto Roark dinamita Cortland com a ajuda de Dominique Francon, sua consorte. Ele confessa e vai a julgamento. O vídeo que segue é o julgamento de Roark, ele começa com uma fala breve do promotor e, após ela, o arquiteto Roark realiza sua defesa.


O discurso é a defesa do "Objetivismo", filosofia criada por Ayn Rand, a autora do livro. Devo confessar que me intriga bastante, essa defesa do indivíduo perante o todo, perante o coletivo. Ainda estou refletindo o que acho ou quais colocações são adequadas, mas de qualquer maneira peço a opinião de todos. Só digo que admito que é ridículo o momento que Roark fala sobre como seu país é o máximo, é o reino do respeito a si mesmo e às idéias do indivíduo. É muito duvidável conferir tantas qualidades a um país que foi construído sobre um solo cheio de sangue indígena. Os Estados Unidos são um país onde o homem é livre para buscar sua própria felicidade? Em que aspectos? Quais homens? É a defesa suja do liberalismo; o homem é livre para prosperar, não para viver na fome - contudo basta ser livre e querer para se prosperar? Valem esses e muitos outros questionamentos.
Ok, ok, eu explico o porquê tudo isso. Eu vi o filme recentemente e lembrei desse discurso. Lembrei que seria uma coisa muito legal pra se colocar no Palavras. Sempre achei que valia a pena essa discussão. A opinião de vocês é muito importante agora.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Rápidas VIII

A. Policiais da gramática 2
Já falei tudo o que devia sobre eles, mas não consigo parar de pensar o quão repugnante é tomar essa função para si. Deslegitimar um autor segundo tais atitudes me parece tão sujo. E por isso convido todos os policiais para comentar, em vez de meus erros gramaticais, sintáticos, sinfléxicos, ortofiláticos ou de ressonância, os meus erros de pensamento. Acho que assim cresceremos um pouco.

B. Boas festas
Um bom final de ano para todos os leitores, se é que esse plural existe efetivamente.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Rápidas VII

A. Charbonneaunianas 2
Fiquei satisfeito com o post anterior, o texto de número 29, e comprometo-me aqui em buscar mais livros do padre para levá-los à conhecimento das gerações mais novas. Embrenharei-me em sebos para garimpar obras de Charbonneau; acho que dessa maneira conseguiremos, pouco a pouco, ir tirando a grossa casca de poeira que repousa por cima da pedagogia santa-cruzense.


B. Banksy
Descobri recentemente um artista realmente instigante
. Banksy é um artista plástico inglês extremamente crítico e de uma estética, que, na minha opinião, é uma das mais legais que eu já vi. A imagem acima é dele, de uma de suas intervenções urbanas. Legal ver o site.

C. Polícia da gramática
Não podia deixar de manifestar algo a respeito dos "policiais da gramática" que estão rondando o Palavras. Meus escritos e também escritos de comentaristas são escrutinizados em exame cada dia mais atento e afiado. Se eu acho importante escrever certo? Claro. Se eu começasse a escrever em "internetês" aqui minha credibilidade ia para o brejo, certamente. Entretanto não posso deixar de falar que quando esses exames chegam à um nível quase-policial a coisa começa a ficar chata. Nunca disse que alguém não era bem vindo por aqui, nem tenho essa moral toda, nem adianta. A questão é que a crítica gramatical sempre é a mais fácil e, descobrindo um pouco o véu da modéstia, nunca vi um erro por aqui que comprometesse o texto, sua compreensão ou tese. Meu maior desejo é que os policiais da gramática larguem mão dessa chatice.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

29.

Como o prometido aqui está uma sinopse e uma breve resenha sobre o livro do Charbonneau. Acho importante principalmente a leitura dos que estudaram ou estudam no Santa. Pensei se não seria bobagem observar tão atentamente assim minha formação educacional e minha escola. Acho que não é tolice. Entender a cabeça do Padre é entender nossas fundações pedagógicas mais elementares e perceber com quais premissas o Santa Cruz surgiu. Acredito que compreendendo ele podemos ter uma discussão mais qualificada sobre um assunto que me toca bastante, como vocês já sabem. Discutimos mais ainda.


O padre e o comunismo
Considerações sobre uma obra de Paul-Eugène Charbonneau

"A escatologia marxista desemboca no inferno do socialismo real."
Padre Paul-Eugène Charbonneau in "Marxismo e socialismo real" (Loyola, São Paulo, 1984)

Sinopse
Espantei-me quando encontrei esse livro do ilustre Padre Charbonneau (1925-1987). O autor foi o ideólogo do Colégio Santa Cruz, onde estudei, lecionando lá filosofia durante 20 anos. Sua contribuição à pedagogia e ao entendimento da questão do jovem é significativa e suas posturas progressistas e seu carisma o destacavam. De personalidade forte o padre ficou famoso no Brasil pelo seu envolvimento com a educação, principalmente em São Paulo. Apesar de todo o estardalhaço feito ao redor de sua figura achei que ele tinha se furtado de escrever sobre assunto tão controverso, principalmente no meio católico. Suas posturas libertárias iriam até qual ponto? De qualquer maneira é um estudo curioso.
O objetivo de Charbonneau é dividir sua crítica aguda em dois momentos. No primeiro momento ele coloca os questionamentos à teoria marxista, à obra elaborada por Marx e Engels. Dessa maneira busca um primeiro momento de síntese no qual coloca as lacunas que preencherá depois com críticas. Na segunda parte o padre parte para uma análise do socialismo real, ou seja, das experiências socialistas do século XX que em sua realização buscavam reafirmar a teoria marxista. Entre as duas o autor tenta estabelecer um nexo causal bastante peculiar que se mostra o dogma principal do livro.
Na parte na qual observa a teoria Charbonneau reduz o pensamento de Karl Marx à contradição. Para o autor essa é a palavra que melhor representa as idéias bem-intencionadas, contudo ingênuas e paradoxais do pensador alemão do século XIX. Depois da síntese feita com cuidado e argúcia o objetivo é tentar reaver a crítica existencialista em relação ao marxismo principalmente ao seu aspecto materialista. Charbonneau lembra Sartre, Merleau-Ponty e muitos outros numa miscelânea que tenta provar a incompatibilidade de conceitos como marxismo e ciência, materialismo e dialética, materialismo e liberdade e dialética materialista e história. O ponto principal, fazendo um resumo pobre, é apontar o determinismo característico do materialismo e o ilogismo em acoplá-lo com a dialética, que, no sentido hegeliano, pressupõe o Espírito numa concepção idealista. Para o padre a dialética não existe se prescindir de um plano das idéias e por isso associá-la da maneira marxista ao materialismo seria incutir na teoria um "defeito congênito". Existe nesse ponto a ênfase constante na questão da liberdade tão abordada no pensamento sartriano e seu conflito com noções marxistas. Para Sartre, cita Charbonneau, a liberdade no universo marxista vem embrulhada no invólucro conceitual do "clérigo soviético que não mais acredita no livre-arbítrio". Outro ponto que levante o padre é a moral que, no pensamento marxista "centrado no dogma revolucionário" detém ao mesmo tempo uma moral maquiavélica, móvel, porém rígida: móvel pois "tudo vale para se chegar à revolução", mas rígida pois esse dogma não pode ser questionado. Questiona a questão dos fins justificarem os meios e faz críticas à um aspecto religioso do marxismo que se erige como igreja no socialismo real.
Na segunda parte o autor se concentra em descrever como a práxis socialista, em sua opinião, fracassou completamente e negou a teoria em todos os sentidos. Para ele a contradição marxista de nascimento se desenrola numa ideologia e posteriormente numa concretude que inegavelmente nega todos os pressupostos soerguidos pela cabeça do "profeta onírico", apelido de Marx dado pelo padre. Charbonneau coloca esse nexo causal de inevitabilidade como questão central de seu argumento e aí reside seu principal dogma, palavra que o autor usa frequentemente para descrever o "contraditório universo do socialismo existente". Diversas vezes afirma que a teoria marxista só poderia "dar naquilo" que, por sua vez, "causa aquilo outro". É uma cadeia de nexos que se colocam sem muita justificativa nem explicação, somente com elenco de fatos e relatos de marxistas e socialistas desapontados.
É fato que a segunda parte é bem mais agressiva que a primeira. Segundo Charbonneau existe em relação à ideologia marxista uma "cegueira" no Ocidente da qual vários intelectuais são vítimas. Não percebem, segundo ele, como a teoria contraditória "só poderia cair" no mundo "concentracionário" e "contra-revolucionário" do socialismo real soviético, cubano, chinês, vietnamita, entre outros. A práxis se coloca como negação da teoria marxista que seria completamente utópica e irrealizável dentro de suas premissas. A negação das classes, o fortalecimento e posterior extinção do Estado e a liberdade plena, a ausência de alienação não acontecem no plano real, só na aparência, na vulgata marxista atual. Entre o marxismo e o socialismo real, apesar do autor acreditar que existe uma relação de filiação entre eles, nasce um fosso intransponível e negador. O Estado burocrático e policial socialista é, para Charbonneau, como se fosse um grande capitalista que concentra em si todas as alienações. A sociedade socialista, e ele toma como exemplo a soviética, não abre mão de diversos pressupostos que deveria por serem próprios do capitalismo liberal, contudo joga fora toda a pequena liberdade que tinha o homem antes do advento comunista. O homem é oprimido por todos os lados e sua individualidade, seu subjetivo, é esmagada completamente pelo coletivo burocrático.
O socialismo real não seria então um desvio do marxismo, mas sim sua essência. Não há desvios - para Charbonneau as formas adotadas foram as inevitáveis. A liberdade é rompida e a teoria marxista prevê um Estado impossível que nunca engendrará sua própria extinção. A sociedade cai num paradoxal "capitalismo de Estado". A ditadura pressupõe uma hipertrofia do Estado e da burocracia controladora de todos os aspectos da vida no melhor estilo totalitário e incorre num terror tanto cultural como físico e psicológica. É a contra-revolução sutil mas inexpugnável, "um universo concentracionário tão vasto que não podemos atingir seus limites. A utopia marxista se torna uma práxis que renega tudo que ela havia idealizado. É verdade que como vimos na primeira parte, o marxismo trazia já em si suas contradições dilacerantes (...) elas não eram nada em comparação com as contradições trágicas que o socialismo existente carrega consigo".

Crítica
O livro é muito interessante. Apesar da leitura da teoria marxista sair até certo ponto capenga principalmente no ponto que concerne sua análise de O Capital a compilação da crítica dos existencialistas é bastante sagaz.
Marxismo e socialismo real tem os seguintes dizeres em sua segunda capa "com aprovação eclesiástica" e isso é surpreendente dado os avanços de Charbonneau em admitir atrocidade da Igreja e seu caráter de "ópio do povo" em muitos casos. Em surpreendente ponto o autor defende avanços muito interessante como em: "O capitalismo foi condenado pelos abusos que causou e por haver produzido uma iníqua ordem social. Diante dos problemas que daí surgiram, as respostas marxistas ou socialistas foram rejeitadas. Em que princípios se há de se basear então a ordem social cristã? É o que a Teologia da Libertação se esforça por definir contra ventos e marés. (...) Ela é, ao contrário, a mais pura expressão do Cristianismo que recusa incisivamente a Injustiça e a Opressão". Bastante interessante também é notar o tom que o padre adota quando disserta da relação entre marxismo e cristianismo admitindo pontos comuns e tolerando a colaboração até certo ponto.
Outro problema é que a análise se mostra contraditória a partir do momento que usa de diversas expressões em seu sentido marxista para legitimá-lo e para criticar o socialismo real. "Luta de classes", "alienação" e muitos outros, todos em seu sentido marxista, são usados para "revelar as contradições" mas são em si, em seu uso, contradições.
Não acho que devo continuar uma crítica extremamente alongada. O livro não é um lixo, como podem pensar alguns. Não é também uma obra-prima, todavia demonstra avanços e nuances progressistas muitas vezes obscurecidos por citações de autoridade nem sempre bem-vindas.
Charbonneau, pelo visto, não quer ser visto de maneira nenhuma como um comunista; ele é padre, dá aulas para a elite paulistana. Porém o padre não deixa de marcar posições interessantes. Sua postura crítica é de fato inteligente e sagaz, pena que é traída por um dogmatismo e uma falta de explicações recorrente. O determinismo que este tanto questiona junto com os existencialistas é ponto-chave em sua teoria.
28.

Não quero escrever muito. Acontece que o post anterior, o texto 27, me impele a falar mais algumas coisas.


Todos nós idiotas III
Nada mais natural

Apesar de tudo que disse sobre blogs, sobre o Xingu.net, devo admitir que eu reconheço profundamente o valor da blogosfera. Como diz Drummond em seu poema "Ontem"; "que por minha vez / escrevo, dissipo.". Temos essa necessidade. Acho natural. Acho bom. Legítimo. Autêntico. Sabemos mais de quem queremos saber, isso é um avanço. É bonito. Talvez genético. Essa necessidade de dissipar as coisas, de falar sozinho, de confidenciar pro vento. Não questiono nada disso. É algo que sinto. Mas é algo fundamentalmente fadado à esfera privada.
Não sei se estou admitindo a "limitação" que o Marcio bem assimilou em detrimento à pobreza que antes disse. Continuo achando pobreza no sentido de achar que a blogosfera é um meio de comunicação, é uma mídia revolucionária. Não acho, sou cético. Os blogs famosos são colunas de grandes meios de mídia, de grandes jornais, portais. Coluna não é blog, coluna não tem a essência do blog que é o poder se responder, é o falar individualizado, articulado. Podem achar que eu entro em contradição, mas não creio. Acredito que esse falar individualizado seria sim compatível com uma mídia revolucionária pois é justamente isso que a tornaria revolucionária. O problema que aponto não é esse.
O problema é que na essência esse nosso desejo de dissipar é mais forte que os outros? Talvez. É isso que coloco em dúvida. Se quando nos deparamos com um tantinho de poder, de atenção, não nos deixamos molengar - se quando recebemos um comentário-esmolinha não nos sobe a cabeça esse poderzinho, essa massagenzinha no nosso ego. Pensem nisso. Não, não quero comentários não. Só pensem.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Rápidas VI

A. Enxurrada
Desde que minha mãe colocou o link do meu último post em seu blog recebi uma torrencial tempestade de visitas e pageviews nunca antes vista. A minha média de visitas por dia (pessoas novas que acessam) é de 10 pessoas, aproximadamente - hoje, até o presente momento, recebi 45 visitas novas, quase 100 pageviews. É impressionante.

B. Charbonneaunianas
Anuncio que achei em um sebo uma raridade. "Marxismo e Socialismo Real" do ilustre Padre Paul-Eugène Charbonneau estão me dando uma dimensão que eu nunca tive sobre o pensamento do mais renomado ideólogo do Colégio que estudei. De fato ele tinha uma cultura extensa, era um erudito. Quando acabar a leitura, que será em breve, eu publico algo aqui, acho que há interesse, pelo menos numa sinopse do livro.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

27.

Apesar da impressão que me dá de estar falando para um grande vazio ou para um gigantesco monstro apático que não possui o talento da cognoscibilidade, continuo a falar da natureza bloguística. Tentando honrar as palavras de meu caro amigo Marcio ("O 'Palavras' é um blog existencialista, eu diria... /reflete sobre a própria existência./ caminha em direção ao autoconhecimento hegeliano do espirito absoluto atrávez da filosofia como verdade pelo pensamento racional."), continuo nessa empreitada de verificar até que ponto vale a pena manter um blog. Eu sei que o pensamento do Marcio é um tanto quanto exagerado, mas cabe a colocação.


Todos nós idiotas II

Agregação e interligação ou parque do Xingu virtual

Do grego ιδιώτης , idiôtês, "um cidadão privado, individual", de ίδιος , "privado"; usado depreciativamente na antiga Atenas para quem se apartasse da vida pública, através do lat. idiota.
tirado do Wictionário

O Parque Indígena do Xingu foi criado em 1961 por Jânio Quadros e foi a primeira reserva indígena homologada pelo governo federal no Brasil. A área do parque é de mais de 27 mil km², e é situado ao norte do estado do Mato Grosso. No Xingu vivem aproximadamente 5 mil índios de 14 etnias diferentes que compõe, segundo a UNESCO, um quadro riquíssimo de matizes lingüísticas. As quatro maiores famílias lingüísticas indígenas brasileiras (Carib, Aruak, Tupi e ) estão representadas no mosaico complexo das diversas tribos que habitam o local.
Não é preciso ser mestre em línguas para perceber que os índios do Xingu, mesmo habitando o mesmo local, são radicalmente diferentes. Quando digo "radicalmente" quero dizer lá mesmo, na raiz, na própria língua. Mesmo as tribos pertencentes ao mesmo tronco lingüístico tem dialetos diversos e percebendo isso percebemos como podem coabitar diferentes em um espaço tão pequeno de terras. A existência do Xingu é evidentemente positiva para a conservação da memória pré-portuguesa do Brasil e da América Latina. A existência do Xingu hoje, e é aí que reside o problema, não no parque mas na possibilidade de comparação e mormente no objeto que a possibilita, pode ser comparada com o universo de blogs que temos. Pelo menos dentro da reserva por mim habitada.
Sei que a comparação parece por demais exdrúxula mas existe possibilidade de ser real sim. O que quero dizer é continuação do texto 26, mais expressamente que o coletivo de blogs que vejo hoje, diferentemente do que se auto-exalta, é como o Xingu, uma reserva que vivem diversas tribos que não conseguem, apesar de serem vizinhas, falarem a mesma língua, ou seja, de construir uma discussão pública, democrática, "agorariana". Da mesma maneira que as tribos do Xingu se distanciam por serem oriundas de troncos lingüísticos diferentes as tribos de blogs (ou os blogs solitários, unicaules) se distanciam por não conseguirem nem ansiarem por falar a mesma língua. Esse interesse, apesar de alarmado, é inexistente.
A realidade idiotística do blogueiro é o que faz correr esse caos disconexo do discurso dos saudadores da Infovia. Hoje muito se fala que os blogs revolucionam a mídia conferindo uma rapidez e um dinamismo individual e individualizado às notícias e opiniões. Fala-se que essas novas ferramentas inauguram uma comunicação do século XXI, livre de amarras censoras e livre do poder financeiro midiático. Mentira.
Escatologia exaltacionista pura essa conversa. O que eu observo hoje é o contrário. Esse
foquismo alarmado de combate contra o monopólio da mídia internacional não passa de uma jocosidade. O monopólio se conserva e esse canal tão belo e diverso, e dinâmico, que são os blogs não verdadeiramente existe. Afirmar a existência desse canal só seria possível se todas as tribos desse Xingu parassem de se voltar a si mesmas e percebessem o seu entorno.
Calma, calma. Vocês bem sabem que eu amo nossos indiozinhos. O meu problema é conosco. Todos nós idiotas. Cidadãos privados, individuais em nossas tribos criadas e
autopoiéticas. Poiesis é um termo em grego que significa produção. Autopoiese então é a auto-organização, é quando um sistema gera a si mesmo através de uma interação com seu próprio meio. Não há interferência extrínseca no mesmo grau às intrínsecas ao mesmo que determine tal criação de si. Digo "no mesmo grau" pois é evidente que blogs sofrem influências e que seus autores escrevam sobre acontecimentos e coisas reais, é claro, mas não se pode dizer, propriamente, que tais influências são o motor da produção escrita bloguística. O motor, penso eu, é a interação daquele indivíduo ou grupos de indivíduos em si mesmos.
O privado se instala nesse mundo com a máscara do público. Escreve-se muito com a impressão de estar se comunicando com o mundo, mas, devido à inúmeros fatores tais quais a linguagem própria e essencialmente os conteúdos tão particulares quanto tribais, está se escrevendo para um mundinho próprio. O blog comum, o blog ordinário, é um travesti. Pretende-se público, mas é verdadeiramente privado; pretende-se dialogante, todavia não é nada senão
monologante.
É assim sim, e provar não é difícil. É só entrar em qualquer blog anunciado na Internet que não seja de algum conhecido seu. Existem exceções sim, mas elas provam a regra. A maioria absoluta da profusão estonteante de
.blogspots.coms ou .kit.nets e afins é completamente incognoscível. Ler é insuportavelmente chato.
O feixe diverso e desordenado de famílias lingüísticas de todo diferentes, o Xingu blogueiro, não é uma revolução midiática pois a mídia, a imprensa, pressupõe discussões públicas sobre o comum público, mesmo de maneira tendenciosa. O que se vê nos blogs são discussões completamente particulares sobre o comum tribal, que às vezes, por sorte completa, tange o público.
Para considerar um valor superior aos blogs temos que detestar, num inverso à atitude em relação aos indígenas do Xingu, a existência desses
kuikuros, jurunas e panarás cibernéticos. Claro que não defendo uma instalação de uma novilíngua orwelliana na blogosfera! Só digo que a discussão pública sobre o comum a todos só se dará quando a fonte da tendência egocêntrica dos que expressam sua opinião nesses espaços secar. Diferente dos índios que falam línguas diferentes por terem origens culturais diversas falamos línguas diferentes pois não nos interessamos em falar a mesma. Temos diferenças? Claro! Isso é ótimo! Dos melhores ingredientes para a construção de um espaço de diálogo dos mais ricos. Não refuto nossas origens culturais completamente diferentes. O que nos distingue fundamentalmente dos habitantes do Xingu é que escolhemos viver no Xingu.net e essa escolha, na minha opinião, não pode ser feita para satisfazer desejos mesquinhos de se fazerem milhões de monólogos inouvíveis.
O Xingu.net deve caminhar para ser a tão sonhada utopia que seus defensores de hoje tanto exaltam erradamente como verdadeira.

sábado, dezembro 01, 2007

26.


Todos nós idiotas
Comunicação livre e ego: contradições corrosivas
Os blogs são essas ferramentas poderosas de comunicação. Escrever um é como distribuir folhetos na rua só que só para quem quer ler. Eu acredito sim no poder disso. Claro que não um poder desproporcional e de fato reduzido, todavia fundamentalmente livre. Não há nada que pode ser censurado, tudo pode ser escrito, não há nada a perder, como disse um grande amigo de quem eu roubo as palavras.
Mesmo este poder se colocando como elemento essencial dos blogueiros contrapõe-se à ele uma difusão quase que individual de opiniões. A fragmentação se dá num plano que transcende o possível e esse poder (ilusório dado que nem todos têm acesso à tal ferramenta) deixa de ser realmente poder quando a blogosfera não passa de um feixe de monólogos inouvíveis e particulares. O blogueiro mostra-se por essência um egocêntrico pois num mundo em que todos tem a possibilidade de falarem sempre o que quiserem num plano de igualdade de maneira completamente livre todos acabam só se concentrando no que eles mesmos falam. A questão é que não compreendo como pode ser construído esse espaço pretensamente público se com essa fragmentação morre a possibilidade de foco e diálogo. Ser blogueiro é, ao mesmo tempo, ter o poder de comunicação livre já dito e, ao mesmo tempo, possuir o egocentrismo que corrói tal poder.
O diálogo e, principalmente, o debate e a formação de linhas de pensamento sobre o hoje é destruído conforme cada um interessa-se só com o seu fio. Os nós são dados sempre no mesmo fio, quase nunca com fios paralelos. O egoísmo e a concentração em si é tão colocada que os pensamentos virtuais são linhas paralelas que nunca conseguem se tocar.
Em que lugar o privado tem lugar nesse espaço fundamentalmente público dentro de uma lógica de construção de pensamento? O idiota, o voltado para o próprio
ide, é o blogueiro por excelência.
Em suma o Palavras entra numa fase complicada neste momento. Como posso afirmar a validade e a importância de manter um blog considerados todos esses problemas? A pretensão e o ego característicos de
bloguear atingiriam e destruiriam o cerne dos meus objetivos? Careço de companheiros que queiram construir junto e acho que talvez é esse o problema.
Rápidas V

A. Não são grades
É, eu estava enganado. São postes de luz mesmo. Creio que são vantajosos no saldo, apesar de servirem majoritariamente para as câmeras que vigiam as calçadas poderem focalizar à noite mais adequadamente.

B. Fim de ano
2008 se aproxima e com ele também vêm vindo diversas novidades, tanto franciscanas como, hm, charbonneaunianas. É ver para crer!

sábado, novembro 24, 2007

25.

Como podem ver dei uma remodelada no layout assim como tinha prometido já a algum tempo. Com quase um ano de "Palavras" já estava na hora de aposentar o gato e inventar qualquer outra coisa.


Heresia e modelos de simulações diplomáticas
A necessidade do questionamento do dogma estrutural

Quero escrever algo complementando o texto sobre simulações, o número 24. Concordo que foi um texto confuso mas de qualquer maneira tentei ressaltar que não há uma raison d'être destes eventos se a sua prática não for simultaneamente auto-crítica e ligada a noções concretas de práxis política. A alienação dita não é uma alienação de tornar o estudante um grande boboca desligado dos mais importantes fatos que acontecem a todo tempo em escala global. A alienação que tento indicar, e talvez usando um termo inadequado, é ligada a idéia de distanciamento em relação à esfera concreta e pública da vida política - a ágora. De qualquer maneira tenho consciência de que dizer isso tudo é re-repetir o já dito no prolixo texto anterior.
O que venho lembrar neste é a importância da auto-crítica que deve estar imbricada sobretudo no conteúdo, na parte acadêmica, dos modelos, e não só no ideário de seus organizadores. É evidente que o mundo não é entendido de uma forma só. Dizer isso não é só afirmar simplesmente que todos os pontos de vista de todos os focos emitidores de opinião são diferentes e respaldar a multilateralidade institucionalizada pois a própria institucionalização também é contraditória e é vista de maneira diferentes e muitas vezes conflitantes. Aí se coloca a necessidade de no conteúdo escolhido residirem sementes diversas de entendimentos diversos e principalmente de aceitações, confirmações, negações e desconfirmações diversas daquele espaço.
É fato que existe uma corrente principal, um mainstream, no pensamento das relações internacionais, contudo não é possível aceitar que este seja imposto como absoluto se o objetivo a ser alcançado nas simulações é um aprendizado pleno e plural. A estrutura tão cultuada das Nações Unidas e a sociedade global, a sociedade em rede de Manuel Castells, são dogmas que precisam cada vez mais serem desconstruídos criticamente pois fazem parte de um dos entendimentos da atualidade. Há de se buscar o entendimento do Real e da obscuridade de algumas construções feitas na pós-modernidade, no pós-11 de setembro.
O ponto é que é injusto não plantar a semente de um pensamento um tanto mais herético nas simulações. Afirmar que isso é impossível, que é complicar demais, é, para mim, fugir ao problema de tentar fazer o evento ser realmente edificante - não há sentido em fazê-lo se se busca se não se busca isso e sim um simples prestígio ou modismo. Uma afirmação de pluralidade e de encarnação simulatória de pontos de vista heterogêneos não fica completa se a estrutura de discussões é tratada como dogma e extendida, e não dialogada, aos simulantes. Acaba sendo feito aos modelistas pelos organizadores e não algo feito com ambos.
E como fazer? A princípio é possível entender que a pergunta desarma e joga o organizador dos modelos em uma situação de impotência. As simulações, nessa perspectiva, tornam-se inúteis, bobocas, ralas e superficiais, alienantes? A resposta pode ser negativa se tivermos em mente que não existem regras fixas para se construirem modelos. A simulação diplomática não é uma caixa que se compra hermeticamente fechada e nem um bolo feito com a receita secreta imutável da vovó. A vovó deixa mudar sim, e, se não deixar, dá mudar de qualquer jeito.
Uma das hipóteses de solução é a de trazer pessoas, palestrantes, para enriquecer a experiência, que tenham familiaridade com a crítica aos dogmas das relações internacionais atuais. Desta maneira os modelistas interagiriam com as idéias e a semente de certa forma seria plantada. E existem também outras maneiras. Um discurso de um dos diretores ao final das atividades que abordasse o assunto, por exemplo, poderia ser tão edificante quanto também colocado como uma pedra no sapato de todos os participantes e tal coisa é algo a ser contado - contudo nunca um obstáculo intransponível. Como o leitor bem sabe o inconveniente muitas vezes vale mais.
O importante é não deixar a peteca cair. Reconheço o valor das simulações e repito isso a quem quiser ouvir. Entretanto tal valor advém de esforços diversos e muitas vezes o anel de brilhante da vovó, ou suas revistas pornôs, estão tão próximos que nem imaginamos.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Rápidas IV

A. O imbróglio das grades (é, aquele mesmo)
E olha só! Acompanhando a evolução lenta das grades escolares santacruzenses! Nos tocos de 1 metro instalados como prolongamentos dos postes de sustentação das grades do entorno da escola agora já são preparados fios - uma instalação elétrica. O que podemos esperar?
Atualização (21.11):
Acho que descobri o que são! Nada de grades! Postes de luz! Se tudo der certo esse só foi um apuro ilusório!

B. Engajamento, cinema
Vi um filme hoje que coloca em questão o engajamento e acho interessante trazer aqui para enriquecer a discussão proposta pelo texto número 23, "A importância do engajamento". "Leões e Cordeiros" ("Lions for Lambs", EUA, 2007) de Robert Redford (é, o ator) lança de maneira perniciosa argumentos a favor de um determinado engajamento. É legal ver, mas não garanto satisfação. O problema é que a "luta" que o filme propõe é uma luta de certa maneira inglória.

terça-feira, novembro 06, 2007

24.

Venho aqui tratar de assunto diferente, as simulações de reuniões diplomáticas. Espero que eu tenha conseguido expor uma visão heterodoxa. Admito que não gostei muito deste texto, achei confuso. De qualquer maneira só é importante lembrar que não uso nenhum termo com qualquer rigor característico a algum pensador. Quando digo "práxis" não estou me referindo à "práxis" no sentido do pensamento de Marx e sim numa dimensão quase didática. Encho de significado conforme construo o conceito.


Dos modelos de simulações diplomáticas

Crítica e exaltação da práxis política concreta

Não tenho dúvidas do valor das simulações diplomáticas entre estudantes. Participei como delegado e participo da criação e efetivação de uma em meu antigo colégio, além de acompanhar de perto o desenvolvimento do gosto por essa atividade por diversos amigos próximos e por isso posso dissertar do assunto com certa propriedade, não absoluta, claro. As vantagens de se envolver em uma atividade deste porte são aclamadas e grandes: o envolvimento lúdico com o conhecimento e o desenvolvimento da capacidade de liderança dos participantes são, para mim, dois aspectos essenciais do extenso quadro de pontos positivos que quem é parte de uma simulação de reuniões multilaterais, históricas ou não, de certa forma recebe, desenvolve.
Entretanto o intuito deste texto não é elencar o céu de estrelas de qualidades dos modelos, se é que podemos chamá-los assim, e sim desenvolver uma visão diferente desta que podemos chamar de "entusiasta", uma visão, leitura, não só diferente mas como oposta, crítica e questionadora. Qual será o valor real dos modelos? Qual o efeito que as simulações impingem ou calcam nos modelistas? De que maneira isso acontece? A construção da formação acadêmica e pessoal passa pela avaliação e conseqüente escolha do que é interessante e válido para o indivíduo e escolhendo modelos se opta por o quê exatamente? Até que ponto é verdadeiramente preciosa uma exarcebação dos aspectos positivos de uma simulação de reuniões diplomáticas ou similares? Tentarei realizar leitura um pouco mais heterodoxa deste mundo à parte, o mundo onde os ludicamente aprendemos a lógica do funcionamento dos grandes órgãos de decisões supranacionais (ou nacionais em alguns casos). Não sei se propriamente até que ponto tal leitura é interessante e peço que a linha tênue da pretensão passe longe dos olhos dos leitores até porquê tal texto nada mais é do que uma singela jogada, ou melhor, cutucão, na partida das opiniões e exaltações destes eventos estudantis glorificados.
É preciso colocar pontos de partida, premissas, para o começo de nossa discussão. É claro que é de certa tosco o que se segue mas é patente que estabeleçamos o que seria uma tão dita simulação. Tratando em termos fáticos um modelo é uma reunião de estudantes que simulam estar em determinada situação de debate acerca de algum tema de importância histórica, internacional ou notória coordenados por uma mesa, também composta por estudantes, estes mais experientes. Dada esta configuração clássica uma série de observações podem ser feitas acerca dos questionamentos supracitados.
É impossível dissociar a essência das simulações da política, outro fato. Os ditos modelos nasceram justamente com o intuito de estudo e prática das ciências humanas mais próximas à ciência política por justamente representarem e se identificarem com órgãos políticos de governança ou de união supraestatal. A natureza dessas reuniões está íntima, intrínseca e, de certa maneira, eternamente ligada à ciência do debate e da discussões de decisões. Nada mais evidente. A questão central do questionamento querido é diferenciar as noções de prática e práxis política e apontar não prioridades, mas sim características de limitação e amplitude de ambas. Antes mesmo de verificarmos o que quer se dizer com o uso destas palavras se mostra mister lembrar que as duas não são combativas ou excludentes. A idéia é colocar em evidência o eqüilíbrio das duas noções.
A despeito dos dicionários consultados se mostrarem insuficientes para a definição precisa dos conceitos têm-se sim uma clivagem no que se refere a tais noções mesmo que tal divisão ocorra particularmente nesta argumentação para fins explicativos. A prática é a ação dada em qualquer plano, o ato ou efeito do verbo praticar - o que não é criação teórica, é real. É a execução de alguma atividade, parafraseando o Houaiss no sentido mais adequado que encontramos. Prática política então é o ato ou efeito de praticar política, nada mais. Identifica-se com essa noção a execução de uma atividade na esfera da discussão e podemos aproximar este conceito de prática política com as simulações diplomáticas. Os modelos exercitam os músculos do debate acerca de questões humanas sempre em pauta no mundo, praticam este esporte saudável da mente e do raciocínio lógico que é a discussão política fundada em formação acadêmica e pesquisa. Fala-se neste caso de músculos não para propriamente lembrar um pragmatismo desvinculado da esfera teórica, e sim para trazer a questão referente ao próprio de instrumentalização, fomento, fortalecimento e aumento do conteúdo acadêmico que o aluno passa.
A práxis política apresenta-se como algo diferente. Práxis seria no caso a ação concreta engajada do indivíduo e sua diferenciação do conceito de prática advém justamente destes conceitos de concretude e engajamento que podem ser melhor tratados com exemplos diretamente no plano da política que nos é interessante. Enquanto a prática tem como objetivo o próprio exercício, o fazer, o meio, a práxis coloca como objetivos outras questões, fins propriamente ditos e é daí que deriva o colocado engajamento e também a característica de ser concreta - é o projetar-se em direção não só à própria formação e entendimento (também à isto), mas também em relação ao conseguir, ao conquistar algo que não se coloca no plano individual como coletivo concreto. Na política o engajamento, a militância, e a participação civil podem ser colocados como exemplos de ação concreta evidentemente de participação ativa, de engajamento, de práxis. É na ágora, nas esferas públicas, que se dá a existência desta noção que não pode ser distanciada da idéia de que ela serve à tendências de idéias concretas ligadas a fatos, situações e condições que perpassam toda a nossa realidade como uma faca rasga um lenço de seda. A práxis existe não para existir ou para o egoísta (o que em muitas vezes não pode ser tomado negativamente) verbo fazer e sim para o mudar, buscar, conservar e agir coletivos e concretos no sentido de se colocarem como possíveis de eficácia em relação à todo o coletivo. E como é importante lembrar neste momento que tanto a práxis como a prática se vinculam à teoria? O conteúdo é tão importante para o exercício, para o treino e instrumentalização, como também para a ação concreta e não podemos perder tal questão de vista.
Internalizada a diferenciação classificamos previamente os modelos no plano da prática política e parte da crítica já foi feita. É a diferenciação do privado e do público por mais que os assuntos tratados nas discussões sejam de importância global. "Modelar" é visto a partir deste quadro como exercício alienante e repleto de convicções egoísticas de formação - formação em valorado conluio com a prática política já dita. Alienante, e é muito importante delimitar este conceito, por distanciar o simulante da concretude, pinçá-lo do oceano de questionamentos que o cercam e o colocar confortavelmente sentado no meio de outro oceano de questionamentos que tal indivíduo tende a se apropriar. Não é ruim se apropriar de discussões notoriamente importantes e nem digo que tais questões nunca podem dizer respeito à realidade na qual o modelista está inserido afinal todos vivemos no planeta Terra, porém tal simulação não passa do exercício da prática, e nada mais, e, ressaltando esse fato, observamos que mesmo que exista tal apropriação ela não é revertida para o espaço político coletivo e projetado objetivamente defronte ao indivíduo modelista. A práxis de efeito público não aparece, é colocada de canto nas simulações, e isso representa algum tipo de interesse ou, para não soar conspiratório, de efeito a ser caracterizado mais especificamente. É uma discussão interessante pensar se a existência dessa diferenciação práxis versus prática acentuada nos modelos é causa ou efeito e, mesmo este não sendo o mérito deste texto, acredito ser apropriado colocar que a diferenciação é efeito. Existe algo (subjetiva ou objetivamente) que pode ser constatado na sociedade atual que cria condições para a existência destes exageros aqui tratados, deste deseqüilíbrio da balança conceitual que criamos, e creio que observar do que se trata a causa deste processo também é análise importantíssima, interessante e pertinente. No entando reforço que esse não é o mérito do texto que na verdade é a constatação deste efeito e sua caracterização como eventual problema de deseqüilíbrio de esferas.
O que acontece com o exagero entusiasmado ou na exacerbação das qualidades das simulações é o privilégio desta alienação egoísta de formação de quadros privilegiados do entendimento de situações externas ao seu aquário no qual concretamente o indivíduo está imerso. Imersão esta desconfirmada e rechaçada pela prática política vaidosa e fisiculturística no sentido do exercício supervalorizado da política em detrimento do engajamento. Pode-se criticar tal visão colocando que a prática concede instrumentos para a realização mais interessante e intelectualizada da práxis e tal observação deve ser admitida no ponto que falamos que o que prejudica a segunda não é a existência da primeira e sim sua supervalorização e procedente diminuição dos valores ligados à segunda. A dita diminuição é prejudicial ao passo que cria des-vínculo com o conceito de ação coletiva política e, arriscando uma atitude mais ousada, descrença em relação ao engajamento concreto e objetivado em mudança. É uma colocação de distância confortável entre o possível possuidor de massa crítica inconformada e ambicioso acadêmico e o problema discutido abstratamente em eterna escala elitista (no sentido mais puro da palavra). Os críticos desta leitura heterodoxa podem também apontar que a prática é um caminho para se alcançar maduramente a práxis e isso não ataco. É louvável quando uma discussão distanciada aproxima após seu final o debatedor do problema fático no plano do ser o problema é quando esse processo não tem lugar e quando a distância perdura. Sentar-se no alto, discutir e decidir simulando não é o que podemos chamar de atitude vinculada seriamente com o dimensionamento de problemas em uma escala justa. As opressões, por exemplo, tratadas neste âmbito, perdem sua concepção real e extremamente concreta e são tratadas com um escolástico senso comum progressista que muitas vezes não entra em conflito com a formação não dos músculos, mas dos ideais mais profundos do ser político. A ideologia e o tomar-parte não podem ser temidos e o que acontece nas simulações é o falso tomar-parte constante, hipócrita e principalmente confortável e conformadamente distante da problematização mais dura e perpassante.
O modelista exagerado hipertrofia seus músculos e enfraquece seus ideais políticos; situação que não pode ser tratada com pensamento simplista. Quando se diz "enfraquece seus ideais políticos" não se diz propriamente que é criado um idiota (do grego; voltado somente para a esfera privada, para a individualidade, o ide), mas sim um indivíduo que não tem contato com os questionamentos das divisões básicas da sociedade e que trata de assuntos dicotômicos com constante relativização cinzenta ou conservadorismo maquiado. Este enfraquecer é a distância que se cria e não uma determinística noção de voltar-se para os próprios interesses sempre.
A práxis política concreta é exaltada neste ponto como única forma de se criar um ser político engajado e consciente, não de ideais determinados, mas de seu papel e força de ação de mudança. O engajamento nas esferas públicas com a noção de coletivo relacionada com valores de solidariedade, democracia, liberdade, consciência das mazelas sociais, fraternidade, dignidade e respeito em relação à todos os seres humanos é o único meio de conseguir e buscar tais jóias. Se dá a importantização do fim como fim e não propriamente do meio como fim.
Não é sentados nas cadeiras acolchoadas, não é de roupa social, com fala empolada e plaquinhas mutantes que indivíduos se iniciam na vida política concreta, que isto esteja claro. O ambiente acadêmico é importante pois propicia não só a simulação, mas a ação e é esta que deve ser tida como ato privilegiador do público e do coletivo. As lutas de poder e pesadas polêmicas de opiniões podem ser muito bem simuladas, contudo como negar que depois todos os modelistas vão para suas casas situadas, neste caso, em São Paulo (cidade que pode aqui ser substituída por uma genérica que indique o retorno à realidade). As injustas lutas de poder, espoliação e privilégios se dão, querendo ou não, na sangrenta, suja e desengonçada concretude e fugir disso é engajar-se em não engajar-se; a tal postura se mostra desta maneira covarde defronte às problemáticas extensamente complexas e profundas que se colocam como patentes na realidade fluidamente circundante.
O modelista profissional é o equivalente político de um fisiculturista, um cultuador consumista do corpo. Este ser é presa a ser caçada na busca de uma compreensão e fundamentalmente de uma ação na realidade que reflita os valores do engajamento sério já citados. A resolução das opressões e dos problemas gigantes da realidade por exemplo só pode ser efetivada com ação e discussão concreta e fundamentalmente atuante. A práxis política não pode prescindir de atores condutores desta atividade, quadros que se formam e se constroem ao longo do duro e penoso processo político real, que não é nada simulado. Estes precisados são atores reais, engajados e concretos e não atores de um teatro discussionário distante, hipócritas de uma mentirinha muitas vezes perpetuada por tipos tacanhos, cinzentamente relativizadores e cultistas da confortável vida que se resuma à cada feriado obter mais uma plaquinha (e por quê não uma menção honrosa?) que representa o desprezo pelo escolher se projetar rumo à algum objetivo de corpo e alma.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Rápidas III

A. O imbróglio das grades (o de sempre)
De fato aqueles semipostes que eu descrevi infestam todo o perímetro do Santa Cruz. Por mais inútil que isso pareça é como se fosse uma constante vozinha dentro da minha cabeça dizendo algo como: "você tinha razão". Não que eu me ache um oráculo, óbvio que não, até porquê era evidente que isso ia acontecer. Fico pensando qual será o próximo passo - talvez uma via subterrãnea para os pais não terem que abrir a porta em espaço público para pegar os filhos; câmeras nas salas de aula; melhor, nos banheiros, claro. Sei não - para mim isso tudo fica cada vez mais cheirando a peixe podre.

B. Prévia
Talvez, mais para o final do ano, eu solte algum(s) texto(s) de balanço de 2007. Acho que deve ser uma boa idéia - só preciso ter uma inspiração. Além disso acho que ainda em novembro remodelo o layout deste blog.

quarta-feira, outubro 31, 2007

23.

Estava a algum tempo para escrever algo sobre o que vem acontecendo comigo na Faculdade. Durante todo este ano questionamentos profundos caíram sobre mim e recentemente tomei a decisão de entrar num grupo chamado
Fórum da Esquerda. Este texto é dedicado à este grupo e à minha decisão. Não é uma tentativa de justificativa e sim algo bem mais importante que isso. Espero que gostem.


A importância do engajamento

"Cuidado, Chico, muito cuidado com eles", era o que falavam todos os meus conselheiros sobre os membros de grupos de política acadêmica - em especial os de esquerda. O medo dos vermelhinhos foi fomentado em mim mesmo antes do dia da matrícula e por isso o meu relacionamento com este plano de espaço político já começou com um pé atrás. Por um lado existia a exaltação de uma ágora presente, latente e consistente na São Francisco mas por outro o alimento de um desdém, um desprezo em relação a atualidade deste espaço.
Pesando isso fui muito cauteloso. Não queria tomar nenhuma decisão errada, nenhuma que eu pudesse me arrepender. Não queria decepcionar as pessoas que mais me contavam da Faculdade, de suas histórias e tradições. Não podia desconsiderar seus conselhos afinal conheciam aquele ambiente a mais tempo que eu e sempre considerei seu bom senso e sua inteligência. E assim meu ano de calouro foi passando, passando, passando. Passou a ocupação, a greve, o primeiro semestre. Nem sei quantas vezes neste período minha visão mudou de lado e a complexidade das questões sobrevoava minha mente induzindo uma espécie de paralização de congelamento. Eu pouco sabia o que fazer e o que apoiar. Comecei a perder as bases. Ora criticava e ora elogiava as atitudes de ambos os lados das polêmicas. Acumulei bagagem e principalmente realizou-se em mim um começo de uma sedimentação política mais séria, claro que ainda meio manca.
E veio o segundo semestre e com ele uma carga muito mais intensa de vida acadêmica. A ocupação de 22 de agosto. A Assembléia Geral Extraordinária e a "destituição" do presidente do XI, Ricardo. O tanto de energia e razão que eu tinha recuperado nas férias eu perdi e num dia que buscava clareza sobre minhas opiniões e princípios escrevi um texto sobre tais fatos, publicado aqui mesmo neste blog. Creio que este texto foi o início não de uma clarificação propriamente dita, mas de um processo de exposição a mim mesmo de como algumas coisas mereciam sua devida atenção. Alguns integrantes daquele grupo do qual eu tinha medo mas de certa maneira defendia no texto leram aquilo que eu tinha escrito e gostaram. Comecei a considerar seriamente sobre eles, sobre as suas atitudes. Não que eu tenha colocado num pedestal as atitudes do Fórum da Esquerda este ano, muito pelo contrário, as coloquei sobre uma lente de pesada crítica pessoal. Neste momento despontou em mim um intenso sentimento de admiração. Sério e profundo este sentimento ajudou-me a verificar que via neste grupo qualidades que eu considero louváveis e essenciais na vida política; coragem, senso de justiça, ideais sólidos e acima de tudo um comportamento de projetar-se sobre algo, de tomar posição.
É neste ponto que quero me ater, no engajamento - porque de fato tomei a decisão de participar deste grupo, de vestir esta camisa.
Baseei-me tanto no ideário que percebi como também em atitudes individuais e coletivas deste grupo e disso posso tirar algumas conclusões. Não venho aqui me justificar como alguma criança que fez levadeza, malcriação, até porque não acho que o que fiz foi algo parecido com isso nem muito menos quero aqui adotar uma atitude prepotente de salvador da pátria de ter entrado numa equipe de anjos salvadores da Terra dos homens comuns. O que desejo é relevar a importância do meu questionamento e dizer que depois de ter o feito concluir que sim, eu fiz a escolha certa, e disso me orgulho. É claro que neste ponto cabe ressaltar a importância do uso da expressão "escolha certa" não como sendo algo dogmaticamente eterno mas sim como um importante passo num processo pessoal. Amiga minha disse-me que em seu processo de entrar no grupo foi aconselhada que talvez fosse mais difícil se travasse uma batalha consigo mesma ao invés de toda a Faculdade se não fizesse essa escolha e é justamente isso. O fazer, o engajar-se, para então poder questionar, criticar, levar porrada e construir junto. A crítica de fato é tão importante quanto propriamente a decisão pois é nela que o grupo cresce e é com o constante movimento interno que os sentimentos e as idéias amadurecem e se tornam cada vez mais sólidos, coesos e coerentes - e mais suscetíveis a mudanças também, claro.
Não me importa se ganhamos ou não estas eleições que disputamos. Para mim isso não é tão importante quanto o fato de neste momento eu ter percebido que minha vida nunca mais será a mesma. Esta semana una e poderosa conseguiu mudar toda a minha concepção da Faculdade e me fez perceber que por mais que tenha sido importante todo o processo de ruminar este alimento político engoli-lo é o momento crucial, foi o momento crucial.
Um veterano de outro partido me perguntou o porquê eu estava vestindo aquela camiseta vermelha em um dia de votação, caçoando de mim. Sério eu pensei e rapidamente todas estas questões me passaram pela cabeça: valia a pena bater de frente com pessoas que eu tinha aprendido a gostar para esses ideais e este programa defender? Valia levar inúmeras patadas e esforçar-se para não perder a postura após ser surrado numa roda de conhecidos por visões políticas irredutíveis e contrárias? Ponderei alguns segundos. Aquele veterano representava tudo o que me fazia ter receio de vestir a camiseta vermelha, todos os poréns e os contras que eu estava adotando e sofrendo. Depois de assim considerar soltei: "Visto pois prefiro tomar uma posição". Nesta afirmação respondi para mim mesmo que sim, valia sim a pena sofrer de tudo por aquilo. Era o que eu acreditava e acredito. O importante não é só pensar e se dizer algo e sim efetivamente entrar de cabeça e se projetar neste ideal, mesmo que a piscina seja rasa e possa doer.
Se eu começar a tentar explicar toda a importância existencialista do engajamento vou acabar fazendo uma paráfrase ridícula de Sartre mas tenho de afirmar (o menos pretenciosamente possível) que muito nele pensei durante as minhas ações desta semana passada. É nas ações e nas escolhas que o homem se constrói e quando escolhe para si algo escolhe para toda a Humanidade. Por mais chavão que isso pareça eu acredito. O lado que eu escolhi eu escolho para todo mundo, mesmo. Deste modo faço uma escolha e me engajo e é importante que essa escolha e esse engajamento não sejam cegos e creio que não o são. Considerando que pensei nesta possibilidade durante alguns meses não posso deixar de dizer que não foi uma decisão feita guiada pelo sentimento até por que é nas escolhas, nos atos praticados, na ação, segundo Sartre, que ele se constrói. Foi uma opção autenticamente genuína mas nem por isso burra, cegamente idealista ou perenemente teimosa, eterna.
Os vermelhinhos são perigosos como me diziam? O engajamento pode ser perigoso mas não é por isso que temos de ter medo ou receio dele e é isso que as pessoas que afirmam a invalidade da prática vermelha sentem. Medo, receio e egoísmo foram os sentimentos que levaram o Fórum a perder as eleições - não qualquer estratégia política. Medo de encarar o confronto que é perigoso sim, perigoso por destruir, desconstruir toda uma base política que trazemos de casa, de bagagem. Covardia reducionista de achar que a matrícula da Fuvest é uma escritura de propriedade da Faculdade. Receio de abrir uma porta que pode mostrar o que temos de mais podre, receio de fazer autocrítica. Hipocrisia de declarar-se muito partidário da justiça social e blábláblá, mas revelar em seu voto intenções de continuidade de opressões e omissões corrosivas. É evidente que temos de tomar cuidado com generalizações e considerar o processo pessoal de aceitação da idéia de cada um e o respeitar. Nem todos os que não se engajam o fazem por medo e existem questões e mais questões envolvidas nisso mas o que trato aqui é o impacto e o existente enorme valor que isso tem em uma vida, no caso, a minha. De qualquer maneira podemos confirmar que os vermelhinhos são perigosos e que isso é bom.
Lembro aqui só a questão da individualidade inserida na coletividade e como essas duas entidades andam juntas na construção de uma parceria vantajosa de ambos os lados. A balança nunca deve pesar demais para um dos lados que o outro é prejudicado e é importante lembrar que há momentos - uns para uma dedicação quase-exclusiva ao grupo e outros para uma instrospecção e reflexão também claramente importante até mesmo para uma saúde do coletivo.
Estou feliz no Fórum da Esquerda. Conheço muito pouco de todos os seus integrantes profundamente, é verdade, e muito pouco dos problemas que todo grupo tem. Não acho que estar desse lado é fazer parte de algum exército da perfeição ou algo parecido, longe disso. É saudável que um grupo se questione e que nele, dentro dele, haja constestação, questionamento e crítica - senão esse grupo não anda, nem para frente, nem para trás - e não andar é sinônimo de engajar-se em não engajar-se, certo? Sinônimo de optar por não escolher o que é também uma escolha que anda lado a lado com uma engajamento envergonhado maquiado de indiferença. Apesar disso percebo que faço parte de algo e este algo faz parte de mim. Não é carência ou modismo como podem acusar alguns e sim uma profunda identificação e admiração.
O acolhimento que tive é também motivante para um agradecimento. Sei que o sonho não irá acabar com uma derrota que no fundo eu sabia que era provável que sofrêssemos e sei que o mais importante não é isso. Vão me acusar de fazer juízos de valor mas respondo que em algum momento da vida quando definimos os nossos princípios algumas questões axiológicas vêm e não podem ser deixadas de lado. O importante é que, como eu já disse, escolhi por mim e por todos os homens algo que eu considero não só belo mas correto, justo, digno e bom. O importante é, também, que eu não estou sozinho. Obrigado, amigos, e, agora, companheiros.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Rápidas II

A.
Não consigo encontrar adjetivos para descrever a satisfação que tive quando li o artigo de Zeca Baleiro de hoje (segunda-feira dia 29 de outubro) sobre o a polêmica huckiana. Que beleza! Maravilha. E é arrebatador como Baleiro trata Reinaldo Azevedo e seu conceito infeliz e desumano de democracia. Simples e indispensável. Palavras batidas mas não vazias quando descrevem a atitude do cantor-compositor maranhense.

B.
Ainda não sei se os semi-postes colocados nas grades do Santa se desenvolverão como grades ou como qualquer outra coisa. De qualquer maneira me parece suspeito e cada vez mais papador da liberdade querida por Charbonneau. A "segunda casa dos meninos", arejada, verde e recheada com um sentimento de liberdade e vanguarda que o padre falava quando concebia o colégio está virando algo como "o segundo condomínio fechado dos meninos". Realidade mais compatível com a realidade paralela, vil e falsa em que os "meninos" vivem e viverão.

C.
Peço desculpas pela ausência na passada semana. Discorro depois sobre os motivos do ocorrido.

segunda-feira, outubro 22, 2007

É com enorme satisfação que venho anunciar que hoje por volta da uma da tarde o Palavras de Ordem recebeu seu 1000º visitante diferente.
Como sempre agradeço por demais o prestígio de todos. Algo escrito só vale alguma coisa se alguém o lê e eu tenho consciência disso. Obrigado para todos que doaram alguns minutos de atenção para ouvir as opiniões aqui colocadas, obrigado mesmo.
Abraços,
Chico.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Rápidas I

A.
Reinaldo Azevedo, o não-idiota, resolveu publicar um outro artigo na
Veja desta semana que me fez rir. Digo que ele até conseguiu captar sim alguma coisa do filme Tropa de Elite e, pelo menos, não resolveu heroicizar o capitão Nascimento - é, até certo ponto. Bandido é bandido Como este cidadão tem a pachorra de chamar de lixo Michel Foucault por puro orgulho de posição política? É mesmo, esse sociólogo francês de meia-tigela deve ser só outro idiota sem-valor. Eu pensava que este tipo de direita, ops, perdão, que a Veja e seus colaboradores eram menos mal-informados. Sociologia vagabunda, devolvendo a acusação do Tio Rei, é o que Azevedo faz traduzindo e "entendendo" o pensamento de Foucault.

B.
Passei perto do Colégio Santa Cruz e vi indícios de algo que eu já imaginava que iria acontecer quando escrevi o Anexo-Manifesto I de "Palavras de Ordem", "Pedagogia do enjaulamento". As grades que separam a escola do "mundo exterior" estão, pelo visto, sendo aumentadas mais um metro e, por mais cri-cri que isto seja, não posso deixar de manifestar meu repúdio, meu asco por esta atitude. Atitude que provoca fisicamente um aumento do enorme abismo entre o "mundo maravilhoso" do Santa Cruz e o resto do Brasil. Feitos como esse só demonstram a decadência dos valores humanistas de Charbonneau e como os pais finalmente conseguiram dobrar o Colégio na sua ânsia por proteger predatoriamente os seus filhos e suas frágeis e puras mentes.

terça-feira, outubro 16, 2007

22.

Como vocês todos já sabem a saga huckiana é sucesso total. Uma polêmica de proporções globais, pelo menos desde que Ferréz publicou uma resposta no mesmo espaço da Folha de São Paulo exatamente uma semana depois de "Pensamentos quase póstumos". O rapper do Capão Redondo elevou à décima potência a intensidade das discussões sobre o rolex de Huck com opiniões bastante desconstrutivas e interessantes à respeito da opinião do ilustre colega apresentador. Uma semana após este artigo do escritor da periferia ser publicado e depois de várias publicações tratarem do assunto (vide texto 21) o jornalista e colunista da revista Veja Reinaldo Azevedo resolveu pôr as manguinhas de fora e ir ciscar fora de seu blog vinculado ao website da Veja. Indignado Azevedo publicou um artigo (clique no link para acessar) no mesmo espaço que Ferréz e Huck o fizeram e, em razão deste cidadão já ter se opinado bastante a respeito de assuntos uspianos e franciscanos, resolvi que seria interessante tentar analisar e comentar o seu texto para a Folha.

A democracia azevediana dos não-idiotas
Huck, Ferréz, Ascher. Centenas de leitores. Da Matta, Baleiro. Mais centenas de leitores. Revistas Veja, da Semana, Época. É, amigo Luciano, você conseguiu criar um belo de um bafafá. As palavras inconseqüentes do apresentador que deixa o Brasil acima de tudo "mais bacana" repercutiram e chegaram a seu vértice oposto nas palavras do rapper do Capão Redondo.

As declarações de Ferréz atingiram os alicerces da burrice nacional que as tomou como uma apologia ao crime. Burrice comparável à dos empolgados grupos que viram Tropa de Elite e agora veneram em enormes comunidades de Orkut as torturas e os lemas perversos do BOPE. Ferréz, em minha leitura, não defende o crime e muito menos o justifica. "Faz ficção" como diz o ombudsman da Folha de São Paulo Mário Magalhães e uma ficção exagerada com a intenção clara de ser diametralmente oposta ao pensamento do global. Tenho certeza que o rapper não acha certo o uso de violência pelo simples fato dele a ter sempre perto no bairro de onde é oriundo. Ninguém gosta de ser constrangido, violentado ou ter seu espaço pessoal invadido agressivamente, é fato.

A crítica aguda do caponista é sempre relativa ao texto de Huck, à sua opinião reducionista do problema social. Ferréz tenta demonstrar que é mais complexa a realidade; deve ser ressaltado que a afirmação "Não vejo motivo pra reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo pra ambas as partes" não pode ser tomada como foi pela maioria dos leitores. A frase deve ser lida por inteiro pois quando se lê "até que o rolo foi justo" fica-se com a clara noção de apologia ao crime, ao assalto. Noção errada. No aposto "num mundo indefensável" está a chave para a ironia sagaz do rapper. Numa clara referência ao adjetivo usado por Luciano Huck para descrever a situação de São Paulo Ferréz coloca o "mundo indefensável" como o mundo simplista do global. No mundo de Huck não tem espaço a solução, só o ciclo vicioso da repressão e do aumento da violência tanto de seus algozes como do capitão Nascimento. Ferréz percebe o paradoxo e o simplismo huckiano e seu mundo indefensável. Se então o mundo é indefensável então o assaltante desprovido de posses está desprotegido contra a exploração e espoliação de seu espaço social, urbano, econômico e político e tem de roubar para se proteger, certo? Assim ele pelo menos se protege, mesmo que de modo selvagem. No mundo indefensável o apresentador ganha se viver e, pelo menos assim, protege seu bem mais precioso: a vida. É o mundo indefensável de Huck. Mundo, cidade, que todos tem de recorrer à violência para resolver seus problemas - tanto Huck como seus extraterrestres desfilantes. Mundo retratado na visão estúpida já exaustivamente analisada do Lu.

Surge então a figura de Reinaldo Azevedo. Jornalista, colunista da revista Veja, o neutro e jornalístico panfleto ideológico mais lido do país, Azevedo faz uma tentativa, em seu artigo "A pluralidade e a revolução dos idiotas" de crítica ferrenha ao texto de Ferréz. Para Azevedo Ferréz é um "empresário" que "ao lado de Mano Brown (vocalista do grupo de rap "Racionais MC"), é um bibelô mimado pelas esquerdas e pelo pensamento politicamente correto". A posição do artigo do rapper é, "por defender o crime" irrespondível e faz parte de uma "revolução dos idiotas" que começa, segundo o vejista, "agredindo a lógica" e termina justificando o assassinato. Segundo Azevedo a Folha errou em publicar o artigo de Ferréz pelo seu cunho "solapador dos princípios democráticos". A voz de Ferréz é inaceitável para o magnífico jornalista, inaceitável dentro da pluralidade democrática da imprensa e a única resposta à ela é a contestação de seu conteúdo "criminoso". Afinal, como dizem, "quem defende criminoso nada mais é do que criminoso".

Adiante Reinaldo Azevedo defende a repressão, a prisão dos marginais como solução imediata e mágica para a violência. Critica um professor da Faculdade de Direito da USP que contestava o alto índice de prisões no estado de São Paulo por este, numa relação lógica admirável, reduzir os índices de homicídios. Termina com "A minha pluralidade não alcança tolerar idiotas que querem destruir o sistema de valores que garantem a minha existência. E, curiosamente, até a deles".

Azevedo entendeu o texto de Ferréz assim como eu entendo textos escritos em sânscrito. Se eu soubesse falar três palavras em sânscrito daria um desconto para o intelectual - o problema é que só sei falar uma palavra. Durmedha quer dizer "estúpido, ignorante".

A opinião de Azevedo se mostra completamente controversa a partir do entendimento parco da ironia de Ferréz e continua nesta linha até atingir o ponto ótimo do direitismo do jornalista. Democracia? Pluralismo de opiniões? Claro, claro. Só que uma democracia azevediana dos não-idiotas afinal o jornalista exclui de seu pluralismo ideal a voz de Ferréz. Não-idiotas que lêem a Veja e tem uma opinião só sua sobre absolutamente tudo no Brasil, na ponta da língua. Não-idiotas que, por não serem idiotas, conseguiram ganhar algum dinheiro. O mundo indefensável de Huck é a democracia azevediana, o mundo que quer resolver o assalto feito por motoqueiros no Jardins em trinta dias. O mundo que quer discutir políticas de segurança pública séria, que quer discutir projetos. Proponho a Azevedo o mesmo muro que propus a Luciano - dele espero uma rejeição e um grito indignado de "comunistóide!", "uspiano remelento volte para a casa da mamãe!". Eu moro sim na casa da minha mãe, Titio Rei, e acho melhor já começar a me retratar. Como bom não-idiota é melhor eu me submeter à vossa opinião superior de mestre da verdade afinal de contas você, bom, você escreve para a Veja.

A democracia azevediana é análoga à sociedade pretensamente democrática que não dá voz aos despossuídos, aos marginalizados, aos idiotas que fazem libelo criminoso na Folha. Esses idiotas não podem ser tolerados! Querem destruir o sistema de valores que garante a existência de Azevedo e deles mesmos! Sim, claro, a existência de Azevedo como confortável jornalista da Veja a dos bandidos do Capão como bandidos idiotas do Capão. Sistema de valores? Que valores são esses? Repressão? "Direitos humanos só para humanos direitos"? "Dane-se problemas crônicos sociais, lugar de bandido é na cadeia"? A democracia azevediana é o inverso da democracia, é o "Estado de exceção" - nome chique de ditadura. O jornalista idealiza um regime que não dê a mínima voz aos idiotas. Eles são idiotas mesmo; se lhes dermos voz só falarão idiotice, né Tio Rei?

O "companheiro", as massas despossuídas, os movimentos sociais, "ensinaram" a esquerda a não pensar, diz Azevedo. É a Veja, óbvio, que deve ensinar todo mundo a pensar. A pensar do jeito certo, do jeito azevedianamente não-idiota, claro. O regime "democrático" aos moldes imaginados por Reinaldo Azevedo pode estar por vir e não gosto muito desta idéia, espero que todos os idiotas como eu também.

***

Perdoem-me pela breve digressão que segue, mas, aliás, não é a primeira vez que Reinaldo Azevedo observa atentamente o que ocorre na Academia do Largo. Como blogueiro acompanhou de perto a "invasão de idiotas", utilizando seu vocabulário, em agosto e apoiou inconseqüentemente a deposição do presidente Ricardo Leite Ribeiro e o massacre do Fórum da Esquerda. A partir daí o intelectual conceituado foi surpreendido em seu blog com por uma enxurrada de comentários de apoio "anticomunista" à suas observações indevidas, airosas, patéticas e próprias de quem não tem nada, absolutamente nada, a ver com àquela Casa. Não sei se algum parente de Reinaldo Azevedo já passou por lá ou se ele mesmo fez São Francisco mas não o vi por lá nenhuma vez nos últimos meses, estranho.

quinta-feira, outubro 11, 2007

21.

Tenho acompanhado de muito o caso do Huck. Talvez isso tenha virado até espécie de paranóia ou de obcessão mas acho que no caso tange o autodescobrimento. Ah! Esse post é dedicado à meu futuro calouro Felipe Catalani.

(É ele mesmo, só pra constar.)

Tiros fora do alvo
Saíram duas revistas que têm o assunto da polêmica huckiana como capa nesta semana. Comprei as duas para dar uma olhada - será que valeu a pena?
A primeira delas é a
Revista da Semana, publicação da Editora Abril que está ainda engatinhando no sétimo número. A Revista da Semana tem caráter de informativo rápido e tem preço acessível e seu posicionamento é atrelado ao da Veja que em sua entrevista claramente adota à corrente de pensamento criada e defensora pelo ilustre colega. A manchete da capa é "A culpa é da vítima - O apresentador Luciano Huck é assaltado, escreve artigo e recebe críticas e insultos como resposta. Os ricos (e famosos) brasileiros não tem direito de reclamar?" e a matéria claramente passa o quanto é "absurda" a opinião de quem criticou o artigo "Pensamentos quase póstumos". A publicação consegue ser mais simplista do que Luciano e, numa matéria que conta com generosas duas páginas, recorta de maneira extremamente incompleta e leviana o pensamento de Ferréz, o rapper que respondeu a Huck com um texto bastante bombástico e de fácil falso entendimento. Para a Revista da Semana Huck somente resolveu contar sobre o assalto de que foi vítima e, em síntese, pagou por ser rico e famoso. Digo o seguinte: Luciano Huck não "resolveu contar".
O artigo de Huck não foi uma narração com pretensão realista nem obra de ficção - foi um artigo. Artigos geralmente, disse geralmente, têm opinião, não sei se a Abril sabe. O que se critica é claramente não o fato do global ser ou não assaltado, isso é segundo plano, o que se critica é sua opinião, sua análise, seu recorte. Já disse que é péssimo ele ser assaltado, lamento muito mesmo. É chato, todo mundo sabe. Mas daí para o malandrão escrever que cidadania é sinônimo de pagar impostos e consciência social é ter uma ONG é outra coisa. Isso não é fato, isso é opinião.
A segunda publicação com o amigo na capa é, evidentemente, a Época. A revista carro-chefe da Editora Globo traz estampado: "Ele merecia ser roubado? - O que o debate sobre o assalto a Luciano Huck mostra sobre a alma do brasileiro". Profundo, nossa. A alma?
A reportagem da Época é bem mais completa do que a da Revista da Semana. Num grande caldeirão de influências e com uma base bastante ampla de opiniões e pitacos a revista se dá ao luxo de, de tudo isso, tirar uma conclusão: o Brasil tem que perceber que, dadas as proporções elitistas e escorregadas simplistas e simplórias do artigo de Huck ele é inocente. O Brasil tem que perceber de uma vez por todas que bandido é bandido. "Ponto", diz a Época. Os ataques a Huck deixam claro que ainda há um enorme caminho a percorrer pelo Brasil "até que se consolide a convicção que um país justo socialmente oferece segurança a todos - incluída a 'elite'". Exatamente, um país justo socialmente oferece segurança a todos. Temos só que lembrar que em um país socialmente justo não tem "a elite". Hm. E também quem disse que aqui a "elite" não tem segurança? Ela compra a sua, logo, ela tem. Quem não tem é quem não compra. E quem não compra é por que não pode, afinal, como disse Huck, ninguém gosta de ser assaltado.
A justificativa da revista pela indignação dos leitores do artigo de Luciano foi ou de quem está se sentindo injustiçado no momento ou de quem tem inveja (colocação densamente reforçada ao longo do texto). É claro que não existe a possibilidade de alguém achar besteira o posicionamento do texto do apresentador por achar ele próprio falho, mal-feito, tem de ter um porquê externo e de viés determinístico. Ele é inocente, claro! Até onde eu sei um inocente pode falar uma bobagem tão grande quanto qualquer culpado. Inocente é quem não tem culpa. Dizer que Huck tem culpa que foi assaltado é polêmico e inconseqüente porém falar que o mesmo tem responsabilidade em relação ao que escrever não é. Ele tem e deve responder por isso pois seu artigo foi polêmico e inconseqüente, com ênfase na segunda característica. Inocência não o livra de ser responsabilizado pelo que escreveu, muito menos sua pretensa cidadania de bolso.
Um outro ponto destacável que aparece na Época é a opinião distinta do intelectual Roberto Da Matta. O antropólogo afirma que as reações contrárias aos "Pensamentos quase póstumos" são antidemocráticas, "como se a elite não pudesse reclamar de nada, como se tivesse de se conformar com qualque tragédia porque na cabeça dessas pessoas a elite já tem tudo, então já está no lucro. Isso é neofacismo". Ahn?! Neofacismo? Da Matta, a elite pode reclamar quanto quiser. Ninguém que eu saiba foi contra a manifestação-reclamação do Luciano Huck mas em relação a seu teor, seu conteúdo aleijado. Entre a manifestação e o conteúdo das mesmas existe grande diferença e não faz sentido afirmar que tais reações são contra a democracia e a liberdade de expressão se as mesmas usam destes princípios para existirem. Sem sentido. Ninguém "tem de se conformar"; nem com o assalto muito menos com a mistura do Caldeirão que passou do ponto. E de onde o intelectual distinto tirou neofacismo não sei, realmente não sei. Me parece uma colocação tão indevida e absurda que realmente para mim o uso da mesma não faz nenhum sentido, nenhum. É como se Da Matta afirmasse que as reações "parecem com um transatlântico" ou "tem cheiro de pepino fresco". Non-sense ou humor fino de antropólogo? Bom, definitivamente não é humor zorra-total do nosso amigo Lu.
Não deixo de admitir que a reportagem da Época não tenha seus silvos breves de lucidez. Foram além de Huck e claramente além da Revista da Semana. Algumas opiniões se mostraram bastante razoáveis como por exemplo a de que a comparação dos ladrões com ETs é absurda mas de qualquer maneira isto é lucro numa publicação que advém da corporação que emprega o próprio Luciano, não é mesmo?
E concluo? Ah, será que eu tenho essa pretensão de concluir? Tenho sim. Luciano Huck escreveu asneiras mas isso não quer dizer que ninguém mais possa escrever. Estão aí duas provas, comprem para conferir. Não; pensando melhor, não.