quarta-feira, outubro 31, 2007

23.

Estava a algum tempo para escrever algo sobre o que vem acontecendo comigo na Faculdade. Durante todo este ano questionamentos profundos caíram sobre mim e recentemente tomei a decisão de entrar num grupo chamado
Fórum da Esquerda. Este texto é dedicado à este grupo e à minha decisão. Não é uma tentativa de justificativa e sim algo bem mais importante que isso. Espero que gostem.


A importância do engajamento

"Cuidado, Chico, muito cuidado com eles", era o que falavam todos os meus conselheiros sobre os membros de grupos de política acadêmica - em especial os de esquerda. O medo dos vermelhinhos foi fomentado em mim mesmo antes do dia da matrícula e por isso o meu relacionamento com este plano de espaço político já começou com um pé atrás. Por um lado existia a exaltação de uma ágora presente, latente e consistente na São Francisco mas por outro o alimento de um desdém, um desprezo em relação a atualidade deste espaço.
Pesando isso fui muito cauteloso. Não queria tomar nenhuma decisão errada, nenhuma que eu pudesse me arrepender. Não queria decepcionar as pessoas que mais me contavam da Faculdade, de suas histórias e tradições. Não podia desconsiderar seus conselhos afinal conheciam aquele ambiente a mais tempo que eu e sempre considerei seu bom senso e sua inteligência. E assim meu ano de calouro foi passando, passando, passando. Passou a ocupação, a greve, o primeiro semestre. Nem sei quantas vezes neste período minha visão mudou de lado e a complexidade das questões sobrevoava minha mente induzindo uma espécie de paralização de congelamento. Eu pouco sabia o que fazer e o que apoiar. Comecei a perder as bases. Ora criticava e ora elogiava as atitudes de ambos os lados das polêmicas. Acumulei bagagem e principalmente realizou-se em mim um começo de uma sedimentação política mais séria, claro que ainda meio manca.
E veio o segundo semestre e com ele uma carga muito mais intensa de vida acadêmica. A ocupação de 22 de agosto. A Assembléia Geral Extraordinária e a "destituição" do presidente do XI, Ricardo. O tanto de energia e razão que eu tinha recuperado nas férias eu perdi e num dia que buscava clareza sobre minhas opiniões e princípios escrevi um texto sobre tais fatos, publicado aqui mesmo neste blog. Creio que este texto foi o início não de uma clarificação propriamente dita, mas de um processo de exposição a mim mesmo de como algumas coisas mereciam sua devida atenção. Alguns integrantes daquele grupo do qual eu tinha medo mas de certa maneira defendia no texto leram aquilo que eu tinha escrito e gostaram. Comecei a considerar seriamente sobre eles, sobre as suas atitudes. Não que eu tenha colocado num pedestal as atitudes do Fórum da Esquerda este ano, muito pelo contrário, as coloquei sobre uma lente de pesada crítica pessoal. Neste momento despontou em mim um intenso sentimento de admiração. Sério e profundo este sentimento ajudou-me a verificar que via neste grupo qualidades que eu considero louváveis e essenciais na vida política; coragem, senso de justiça, ideais sólidos e acima de tudo um comportamento de projetar-se sobre algo, de tomar posição.
É neste ponto que quero me ater, no engajamento - porque de fato tomei a decisão de participar deste grupo, de vestir esta camisa.
Baseei-me tanto no ideário que percebi como também em atitudes individuais e coletivas deste grupo e disso posso tirar algumas conclusões. Não venho aqui me justificar como alguma criança que fez levadeza, malcriação, até porque não acho que o que fiz foi algo parecido com isso nem muito menos quero aqui adotar uma atitude prepotente de salvador da pátria de ter entrado numa equipe de anjos salvadores da Terra dos homens comuns. O que desejo é relevar a importância do meu questionamento e dizer que depois de ter o feito concluir que sim, eu fiz a escolha certa, e disso me orgulho. É claro que neste ponto cabe ressaltar a importância do uso da expressão "escolha certa" não como sendo algo dogmaticamente eterno mas sim como um importante passo num processo pessoal. Amiga minha disse-me que em seu processo de entrar no grupo foi aconselhada que talvez fosse mais difícil se travasse uma batalha consigo mesma ao invés de toda a Faculdade se não fizesse essa escolha e é justamente isso. O fazer, o engajar-se, para então poder questionar, criticar, levar porrada e construir junto. A crítica de fato é tão importante quanto propriamente a decisão pois é nela que o grupo cresce e é com o constante movimento interno que os sentimentos e as idéias amadurecem e se tornam cada vez mais sólidos, coesos e coerentes - e mais suscetíveis a mudanças também, claro.
Não me importa se ganhamos ou não estas eleições que disputamos. Para mim isso não é tão importante quanto o fato de neste momento eu ter percebido que minha vida nunca mais será a mesma. Esta semana una e poderosa conseguiu mudar toda a minha concepção da Faculdade e me fez perceber que por mais que tenha sido importante todo o processo de ruminar este alimento político engoli-lo é o momento crucial, foi o momento crucial.
Um veterano de outro partido me perguntou o porquê eu estava vestindo aquela camiseta vermelha em um dia de votação, caçoando de mim. Sério eu pensei e rapidamente todas estas questões me passaram pela cabeça: valia a pena bater de frente com pessoas que eu tinha aprendido a gostar para esses ideais e este programa defender? Valia levar inúmeras patadas e esforçar-se para não perder a postura após ser surrado numa roda de conhecidos por visões políticas irredutíveis e contrárias? Ponderei alguns segundos. Aquele veterano representava tudo o que me fazia ter receio de vestir a camiseta vermelha, todos os poréns e os contras que eu estava adotando e sofrendo. Depois de assim considerar soltei: "Visto pois prefiro tomar uma posição". Nesta afirmação respondi para mim mesmo que sim, valia sim a pena sofrer de tudo por aquilo. Era o que eu acreditava e acredito. O importante não é só pensar e se dizer algo e sim efetivamente entrar de cabeça e se projetar neste ideal, mesmo que a piscina seja rasa e possa doer.
Se eu começar a tentar explicar toda a importância existencialista do engajamento vou acabar fazendo uma paráfrase ridícula de Sartre mas tenho de afirmar (o menos pretenciosamente possível) que muito nele pensei durante as minhas ações desta semana passada. É nas ações e nas escolhas que o homem se constrói e quando escolhe para si algo escolhe para toda a Humanidade. Por mais chavão que isso pareça eu acredito. O lado que eu escolhi eu escolho para todo mundo, mesmo. Deste modo faço uma escolha e me engajo e é importante que essa escolha e esse engajamento não sejam cegos e creio que não o são. Considerando que pensei nesta possibilidade durante alguns meses não posso deixar de dizer que não foi uma decisão feita guiada pelo sentimento até por que é nas escolhas, nos atos praticados, na ação, segundo Sartre, que ele se constrói. Foi uma opção autenticamente genuína mas nem por isso burra, cegamente idealista ou perenemente teimosa, eterna.
Os vermelhinhos são perigosos como me diziam? O engajamento pode ser perigoso mas não é por isso que temos de ter medo ou receio dele e é isso que as pessoas que afirmam a invalidade da prática vermelha sentem. Medo, receio e egoísmo foram os sentimentos que levaram o Fórum a perder as eleições - não qualquer estratégia política. Medo de encarar o confronto que é perigoso sim, perigoso por destruir, desconstruir toda uma base política que trazemos de casa, de bagagem. Covardia reducionista de achar que a matrícula da Fuvest é uma escritura de propriedade da Faculdade. Receio de abrir uma porta que pode mostrar o que temos de mais podre, receio de fazer autocrítica. Hipocrisia de declarar-se muito partidário da justiça social e blábláblá, mas revelar em seu voto intenções de continuidade de opressões e omissões corrosivas. É evidente que temos de tomar cuidado com generalizações e considerar o processo pessoal de aceitação da idéia de cada um e o respeitar. Nem todos os que não se engajam o fazem por medo e existem questões e mais questões envolvidas nisso mas o que trato aqui é o impacto e o existente enorme valor que isso tem em uma vida, no caso, a minha. De qualquer maneira podemos confirmar que os vermelhinhos são perigosos e que isso é bom.
Lembro aqui só a questão da individualidade inserida na coletividade e como essas duas entidades andam juntas na construção de uma parceria vantajosa de ambos os lados. A balança nunca deve pesar demais para um dos lados que o outro é prejudicado e é importante lembrar que há momentos - uns para uma dedicação quase-exclusiva ao grupo e outros para uma instrospecção e reflexão também claramente importante até mesmo para uma saúde do coletivo.
Estou feliz no Fórum da Esquerda. Conheço muito pouco de todos os seus integrantes profundamente, é verdade, e muito pouco dos problemas que todo grupo tem. Não acho que estar desse lado é fazer parte de algum exército da perfeição ou algo parecido, longe disso. É saudável que um grupo se questione e que nele, dentro dele, haja constestação, questionamento e crítica - senão esse grupo não anda, nem para frente, nem para trás - e não andar é sinônimo de engajar-se em não engajar-se, certo? Sinônimo de optar por não escolher o que é também uma escolha que anda lado a lado com uma engajamento envergonhado maquiado de indiferença. Apesar disso percebo que faço parte de algo e este algo faz parte de mim. Não é carência ou modismo como podem acusar alguns e sim uma profunda identificação e admiração.
O acolhimento que tive é também motivante para um agradecimento. Sei que o sonho não irá acabar com uma derrota que no fundo eu sabia que era provável que sofrêssemos e sei que o mais importante não é isso. Vão me acusar de fazer juízos de valor mas respondo que em algum momento da vida quando definimos os nossos princípios algumas questões axiológicas vêm e não podem ser deixadas de lado. O importante é que, como eu já disse, escolhi por mim e por todos os homens algo que eu considero não só belo mas correto, justo, digno e bom. O importante é, também, que eu não estou sozinho. Obrigado, amigos, e, agora, companheiros.