quarta-feira, junho 06, 2007

9.
Bom; bem que eu disse que não postaria mas como deu vontade aqui estou.
Falarei sobre a situação da USP. Depois de 100 anos...
Após todo este tempo o Serra resolve ressucitar um recurso jurídico que só fora usado duas vezes em toda história de nosso país. O decreto declaratório, uma lei que explica outra, para simplificar, só teve uso semelhante na época de Pombal e na reforma do Ato Adicional de 1834, na época do Império. Vemos aí a teimosa postura de nosso governador. Ele não admite que erra, de jeito nenhum. Ele não pode errar. O novo decreto não resolve todos os problemas da autonomia como por aí se diz. A criação da Secretaria de Ensino Superior, como bem colocou o profº Dalmo Dallari, é onde consiste a mais aberrante das inconstitucionalidades que parecem que não existem e nunca existiram para o Executivo paulista. Serra diz em sua entrevista ao Estado de São Paulo, domingo passado (3/6/07) que os estudantes precisavam ler os decretos para ver do que estavam falando. Ilusão dele achar que poucos leram, ilusão dele achar que somente poucos gatos pingados inofensivos encontrariam o fio da meada a ser puxado por ele com objetivos de contingenciamento de verbas da universidade e vinculação desta à interesses políticos flutuantes. Sim, flutuantes, pois podem mudar ao sabor das ondas do jogo político. O governador como manda o figurino da política, da retórica e da manipulação faz algo bem conveniente à ele. Omite o que não interessa à sua argumentação, faz como não existisse, e se concentra em noções razoáveis e perfeitamente defendíveis. A tal transparência que os vejistas pregam não é a transparência que todos pensam que é, por exemplo. O Sistema Mercúrio de Finanças da USP que registra todos os seus gastos é bem mais público, acessível e igualmente transparente no aspecto de contas do que qualquer proposto pelo governo - a questão não é essa. A questão concerne no governo Serra poder apoderar-se do controle total das finanças de suas autarquias para assim abocanhar partes de seu orçamento que iriam ser investidas para posterior re-locação destas para as despesas futuras das autarquias. É fácil falar de transparência quando esta parece tão simples.
E é fácil falar dos estudantes como o governador fala, muito fácil. Desdém, desprezo e teimosia, é com isso que Serra nos trata. Exemplar um ex-líder estudantil de prestígio colocar a PM para confrontar os estudantes do jeito que pôs na última quinta-feira dia 31. Fala-se de um decreto do tempo do Covas que transformaria a área em volta do Palácio dos Bandeirantes uma "zona de segurança" na qual não seriam permitidos protestos - uma mera desculpa para não deixar os estudantes nem chegarem perto do nosso fresco governante, o mesmo que mandou instalar pela cidade as polêmicas rampas anti-mendigo. A tropa de choque não apareceu no início da Av. Morumbi por acaso. O governador é que tem a faculdade de fazer valer o decreto ou não e ele o fez. O fez por que nós, estudantes das universidades públicas de São Paulo, representaríamos à ele uma ameaça. Seria inseguro deixar os estudantes se aproximarem; vai que eles resolvem invadir o palácio!
Raciocínio mais preconceituoso e desprezador não poderia haver. É triste, é triste. Além disso o careca ainda realiza o bloqueio com um contigente policial que barraria umas quinze mil pessoas fácil - detalhe: éramos três mil. Três mil estudantes. Uma barreira de PMs comuns, cinco fileiras da Tropa de Choque e centenas de policiais pulverizados entre elas com sprays de gás-pimenta, armas de tiro de borracha e bombas de gás lacrimogênio. Pergunto: precisava?

Mas o outro lado também não é perfeito, claro
Porém é necessário admitir que tal decreto declaratório tem uma natureza de reação favorável à autonomia, de recuo. A ocupação, poderosa moeda de troca, cumpriu diversos papéis entre eles a pressão sobre o governo e a visibilidade midiática da questão.
Não podemos nos satisfazer com as concessões feitas porém nossa força já foi mostrada. Em um Estado de direito não faz mais sentido o ME continuar com a manutenção da ocupação sem cessá-la. Por mais que as vias da negociação são duras, políticas, nebulosas e sobretudo ardilosas não adianta mais nada continuarmos ocupando, nada. Aliás, adianta sim. Adianta para a opinião pública se voltar ainda mais contra o movimento e adianta para continuar interrompendo o funcionamento normal da universidade sem nenhuma contrapartida.
Falei no início desta ocupação que pareciam os estudantes crianças mimadas que governo havia tirado o doce. Disse que a ocupação seria uma espécie de birra violenta e inadequada. Sustento esta posição quanto à inadequação da escolha deste recurso político naquele ponto da situação; não acho e nem nunca achei certo. A questão é que depois de um tempo a ocupação produziu sim efeitos positivos como já citei, e teve suas vitórias. O governador já percebeu que a USP, como disse o Quércia em 1988 ao dar a autonomia à nós, é um vespeiro complicado de se mexer. Agora, neste momento, o caráter de birra retorna com doses de imaturidade de negociação: eles recuaram, por que nós não podemos também?
Já somos uma força política reconhecida agora precisamos sentar e conversar sem pressões de ambos os lados. Pressão é uma coisa complicada em negociação e a da ocupação já cumpriu seu papel.
É claro que também para nós estudantes também existe aquilo que o governador Serra usou em sua entrevista. A política, a retórica com algumas estratégias malandras, também serve aos porta-vozes do movimento da ocupação, é claro. Se fala do que interessa. O resto não existe, não presta e nem se precisa explicar.

Adoto uma posição de ponderação. Não estou totalmente em cima do muro pois tendo mais para o lado de nós, estudantes, mas devemos admitir que não somos nem um pouco assim donos da verdade como achamos. Nem sempre estamos totalmente certos.
Mas apoio a luta em favor da manutenção da universidade pública autônoma de qualidade, acima de tudo. Não pode-se deixar o sucateamento completo destes bens da sociedade potencialmente transformadores da mesma que nos levará à aniquilação. Existem países que a universidade pública acabou e tudo começou com medidas parecidas com as de Serra. Isso é bom?