sexta-feira, dezembro 07, 2007

29.

Como o prometido aqui está uma sinopse e uma breve resenha sobre o livro do Charbonneau. Acho importante principalmente a leitura dos que estudaram ou estudam no Santa. Pensei se não seria bobagem observar tão atentamente assim minha formação educacional e minha escola. Acho que não é tolice. Entender a cabeça do Padre é entender nossas fundações pedagógicas mais elementares e perceber com quais premissas o Santa Cruz surgiu. Acredito que compreendendo ele podemos ter uma discussão mais qualificada sobre um assunto que me toca bastante, como vocês já sabem. Discutimos mais ainda.


O padre e o comunismo
Considerações sobre uma obra de Paul-Eugène Charbonneau

"A escatologia marxista desemboca no inferno do socialismo real."
Padre Paul-Eugène Charbonneau in "Marxismo e socialismo real" (Loyola, São Paulo, 1984)

Sinopse
Espantei-me quando encontrei esse livro do ilustre Padre Charbonneau (1925-1987). O autor foi o ideólogo do Colégio Santa Cruz, onde estudei, lecionando lá filosofia durante 20 anos. Sua contribuição à pedagogia e ao entendimento da questão do jovem é significativa e suas posturas progressistas e seu carisma o destacavam. De personalidade forte o padre ficou famoso no Brasil pelo seu envolvimento com a educação, principalmente em São Paulo. Apesar de todo o estardalhaço feito ao redor de sua figura achei que ele tinha se furtado de escrever sobre assunto tão controverso, principalmente no meio católico. Suas posturas libertárias iriam até qual ponto? De qualquer maneira é um estudo curioso.
O objetivo de Charbonneau é dividir sua crítica aguda em dois momentos. No primeiro momento ele coloca os questionamentos à teoria marxista, à obra elaborada por Marx e Engels. Dessa maneira busca um primeiro momento de síntese no qual coloca as lacunas que preencherá depois com críticas. Na segunda parte o padre parte para uma análise do socialismo real, ou seja, das experiências socialistas do século XX que em sua realização buscavam reafirmar a teoria marxista. Entre as duas o autor tenta estabelecer um nexo causal bastante peculiar que se mostra o dogma principal do livro.
Na parte na qual observa a teoria Charbonneau reduz o pensamento de Karl Marx à contradição. Para o autor essa é a palavra que melhor representa as idéias bem-intencionadas, contudo ingênuas e paradoxais do pensador alemão do século XIX. Depois da síntese feita com cuidado e argúcia o objetivo é tentar reaver a crítica existencialista em relação ao marxismo principalmente ao seu aspecto materialista. Charbonneau lembra Sartre, Merleau-Ponty e muitos outros numa miscelânea que tenta provar a incompatibilidade de conceitos como marxismo e ciência, materialismo e dialética, materialismo e liberdade e dialética materialista e história. O ponto principal, fazendo um resumo pobre, é apontar o determinismo característico do materialismo e o ilogismo em acoplá-lo com a dialética, que, no sentido hegeliano, pressupõe o Espírito numa concepção idealista. Para o padre a dialética não existe se prescindir de um plano das idéias e por isso associá-la da maneira marxista ao materialismo seria incutir na teoria um "defeito congênito". Existe nesse ponto a ênfase constante na questão da liberdade tão abordada no pensamento sartriano e seu conflito com noções marxistas. Para Sartre, cita Charbonneau, a liberdade no universo marxista vem embrulhada no invólucro conceitual do "clérigo soviético que não mais acredita no livre-arbítrio". Outro ponto que levante o padre é a moral que, no pensamento marxista "centrado no dogma revolucionário" detém ao mesmo tempo uma moral maquiavélica, móvel, porém rígida: móvel pois "tudo vale para se chegar à revolução", mas rígida pois esse dogma não pode ser questionado. Questiona a questão dos fins justificarem os meios e faz críticas à um aspecto religioso do marxismo que se erige como igreja no socialismo real.
Na segunda parte o autor se concentra em descrever como a práxis socialista, em sua opinião, fracassou completamente e negou a teoria em todos os sentidos. Para ele a contradição marxista de nascimento se desenrola numa ideologia e posteriormente numa concretude que inegavelmente nega todos os pressupostos soerguidos pela cabeça do "profeta onírico", apelido de Marx dado pelo padre. Charbonneau coloca esse nexo causal de inevitabilidade como questão central de seu argumento e aí reside seu principal dogma, palavra que o autor usa frequentemente para descrever o "contraditório universo do socialismo existente". Diversas vezes afirma que a teoria marxista só poderia "dar naquilo" que, por sua vez, "causa aquilo outro". É uma cadeia de nexos que se colocam sem muita justificativa nem explicação, somente com elenco de fatos e relatos de marxistas e socialistas desapontados.
É fato que a segunda parte é bem mais agressiva que a primeira. Segundo Charbonneau existe em relação à ideologia marxista uma "cegueira" no Ocidente da qual vários intelectuais são vítimas. Não percebem, segundo ele, como a teoria contraditória "só poderia cair" no mundo "concentracionário" e "contra-revolucionário" do socialismo real soviético, cubano, chinês, vietnamita, entre outros. A práxis se coloca como negação da teoria marxista que seria completamente utópica e irrealizável dentro de suas premissas. A negação das classes, o fortalecimento e posterior extinção do Estado e a liberdade plena, a ausência de alienação não acontecem no plano real, só na aparência, na vulgata marxista atual. Entre o marxismo e o socialismo real, apesar do autor acreditar que existe uma relação de filiação entre eles, nasce um fosso intransponível e negador. O Estado burocrático e policial socialista é, para Charbonneau, como se fosse um grande capitalista que concentra em si todas as alienações. A sociedade socialista, e ele toma como exemplo a soviética, não abre mão de diversos pressupostos que deveria por serem próprios do capitalismo liberal, contudo joga fora toda a pequena liberdade que tinha o homem antes do advento comunista. O homem é oprimido por todos os lados e sua individualidade, seu subjetivo, é esmagada completamente pelo coletivo burocrático.
O socialismo real não seria então um desvio do marxismo, mas sim sua essência. Não há desvios - para Charbonneau as formas adotadas foram as inevitáveis. A liberdade é rompida e a teoria marxista prevê um Estado impossível que nunca engendrará sua própria extinção. A sociedade cai num paradoxal "capitalismo de Estado". A ditadura pressupõe uma hipertrofia do Estado e da burocracia controladora de todos os aspectos da vida no melhor estilo totalitário e incorre num terror tanto cultural como físico e psicológica. É a contra-revolução sutil mas inexpugnável, "um universo concentracionário tão vasto que não podemos atingir seus limites. A utopia marxista se torna uma práxis que renega tudo que ela havia idealizado. É verdade que como vimos na primeira parte, o marxismo trazia já em si suas contradições dilacerantes (...) elas não eram nada em comparação com as contradições trágicas que o socialismo existente carrega consigo".

Crítica
O livro é muito interessante. Apesar da leitura da teoria marxista sair até certo ponto capenga principalmente no ponto que concerne sua análise de O Capital a compilação da crítica dos existencialistas é bastante sagaz.
Marxismo e socialismo real tem os seguintes dizeres em sua segunda capa "com aprovação eclesiástica" e isso é surpreendente dado os avanços de Charbonneau em admitir atrocidade da Igreja e seu caráter de "ópio do povo" em muitos casos. Em surpreendente ponto o autor defende avanços muito interessante como em: "O capitalismo foi condenado pelos abusos que causou e por haver produzido uma iníqua ordem social. Diante dos problemas que daí surgiram, as respostas marxistas ou socialistas foram rejeitadas. Em que princípios se há de se basear então a ordem social cristã? É o que a Teologia da Libertação se esforça por definir contra ventos e marés. (...) Ela é, ao contrário, a mais pura expressão do Cristianismo que recusa incisivamente a Injustiça e a Opressão". Bastante interessante também é notar o tom que o padre adota quando disserta da relação entre marxismo e cristianismo admitindo pontos comuns e tolerando a colaboração até certo ponto.
Outro problema é que a análise se mostra contraditória a partir do momento que usa de diversas expressões em seu sentido marxista para legitimá-lo e para criticar o socialismo real. "Luta de classes", "alienação" e muitos outros, todos em seu sentido marxista, são usados para "revelar as contradições" mas são em si, em seu uso, contradições.
Não acho que devo continuar uma crítica extremamente alongada. O livro não é um lixo, como podem pensar alguns. Não é também uma obra-prima, todavia demonstra avanços e nuances progressistas muitas vezes obscurecidos por citações de autoridade nem sempre bem-vindas.
Charbonneau, pelo visto, não quer ser visto de maneira nenhuma como um comunista; ele é padre, dá aulas para a elite paulistana. Porém o padre não deixa de marcar posições interessantes. Sua postura crítica é de fato inteligente e sagaz, pena que é traída por um dogmatismo e uma falta de explicações recorrente. O determinismo que este tanto questiona junto com os existencialistas é ponto-chave em sua teoria.
28.

Não quero escrever muito. Acontece que o post anterior, o texto 27, me impele a falar mais algumas coisas.


Todos nós idiotas III
Nada mais natural

Apesar de tudo que disse sobre blogs, sobre o Xingu.net, devo admitir que eu reconheço profundamente o valor da blogosfera. Como diz Drummond em seu poema "Ontem"; "que por minha vez / escrevo, dissipo.". Temos essa necessidade. Acho natural. Acho bom. Legítimo. Autêntico. Sabemos mais de quem queremos saber, isso é um avanço. É bonito. Talvez genético. Essa necessidade de dissipar as coisas, de falar sozinho, de confidenciar pro vento. Não questiono nada disso. É algo que sinto. Mas é algo fundamentalmente fadado à esfera privada.
Não sei se estou admitindo a "limitação" que o Marcio bem assimilou em detrimento à pobreza que antes disse. Continuo achando pobreza no sentido de achar que a blogosfera é um meio de comunicação, é uma mídia revolucionária. Não acho, sou cético. Os blogs famosos são colunas de grandes meios de mídia, de grandes jornais, portais. Coluna não é blog, coluna não tem a essência do blog que é o poder se responder, é o falar individualizado, articulado. Podem achar que eu entro em contradição, mas não creio. Acredito que esse falar individualizado seria sim compatível com uma mídia revolucionária pois é justamente isso que a tornaria revolucionária. O problema que aponto não é esse.
O problema é que na essência esse nosso desejo de dissipar é mais forte que os outros? Talvez. É isso que coloco em dúvida. Se quando nos deparamos com um tantinho de poder, de atenção, não nos deixamos molengar - se quando recebemos um comentário-esmolinha não nos sobe a cabeça esse poderzinho, essa massagenzinha no nosso ego. Pensem nisso. Não, não quero comentários não. Só pensem.