quinta-feira, outubro 11, 2007

21.

Tenho acompanhado de muito o caso do Huck. Talvez isso tenha virado até espécie de paranóia ou de obcessão mas acho que no caso tange o autodescobrimento. Ah! Esse post é dedicado à meu futuro calouro Felipe Catalani.

(É ele mesmo, só pra constar.)

Tiros fora do alvo
Saíram duas revistas que têm o assunto da polêmica huckiana como capa nesta semana. Comprei as duas para dar uma olhada - será que valeu a pena?
A primeira delas é a
Revista da Semana, publicação da Editora Abril que está ainda engatinhando no sétimo número. A Revista da Semana tem caráter de informativo rápido e tem preço acessível e seu posicionamento é atrelado ao da Veja que em sua entrevista claramente adota à corrente de pensamento criada e defensora pelo ilustre colega. A manchete da capa é "A culpa é da vítima - O apresentador Luciano Huck é assaltado, escreve artigo e recebe críticas e insultos como resposta. Os ricos (e famosos) brasileiros não tem direito de reclamar?" e a matéria claramente passa o quanto é "absurda" a opinião de quem criticou o artigo "Pensamentos quase póstumos". A publicação consegue ser mais simplista do que Luciano e, numa matéria que conta com generosas duas páginas, recorta de maneira extremamente incompleta e leviana o pensamento de Ferréz, o rapper que respondeu a Huck com um texto bastante bombástico e de fácil falso entendimento. Para a Revista da Semana Huck somente resolveu contar sobre o assalto de que foi vítima e, em síntese, pagou por ser rico e famoso. Digo o seguinte: Luciano Huck não "resolveu contar".
O artigo de Huck não foi uma narração com pretensão realista nem obra de ficção - foi um artigo. Artigos geralmente, disse geralmente, têm opinião, não sei se a Abril sabe. O que se critica é claramente não o fato do global ser ou não assaltado, isso é segundo plano, o que se critica é sua opinião, sua análise, seu recorte. Já disse que é péssimo ele ser assaltado, lamento muito mesmo. É chato, todo mundo sabe. Mas daí para o malandrão escrever que cidadania é sinônimo de pagar impostos e consciência social é ter uma ONG é outra coisa. Isso não é fato, isso é opinião.
A segunda publicação com o amigo na capa é, evidentemente, a Época. A revista carro-chefe da Editora Globo traz estampado: "Ele merecia ser roubado? - O que o debate sobre o assalto a Luciano Huck mostra sobre a alma do brasileiro". Profundo, nossa. A alma?
A reportagem da Época é bem mais completa do que a da Revista da Semana. Num grande caldeirão de influências e com uma base bastante ampla de opiniões e pitacos a revista se dá ao luxo de, de tudo isso, tirar uma conclusão: o Brasil tem que perceber que, dadas as proporções elitistas e escorregadas simplistas e simplórias do artigo de Huck ele é inocente. O Brasil tem que perceber de uma vez por todas que bandido é bandido. "Ponto", diz a Época. Os ataques a Huck deixam claro que ainda há um enorme caminho a percorrer pelo Brasil "até que se consolide a convicção que um país justo socialmente oferece segurança a todos - incluída a 'elite'". Exatamente, um país justo socialmente oferece segurança a todos. Temos só que lembrar que em um país socialmente justo não tem "a elite". Hm. E também quem disse que aqui a "elite" não tem segurança? Ela compra a sua, logo, ela tem. Quem não tem é quem não compra. E quem não compra é por que não pode, afinal, como disse Huck, ninguém gosta de ser assaltado.
A justificativa da revista pela indignação dos leitores do artigo de Luciano foi ou de quem está se sentindo injustiçado no momento ou de quem tem inveja (colocação densamente reforçada ao longo do texto). É claro que não existe a possibilidade de alguém achar besteira o posicionamento do texto do apresentador por achar ele próprio falho, mal-feito, tem de ter um porquê externo e de viés determinístico. Ele é inocente, claro! Até onde eu sei um inocente pode falar uma bobagem tão grande quanto qualquer culpado. Inocente é quem não tem culpa. Dizer que Huck tem culpa que foi assaltado é polêmico e inconseqüente porém falar que o mesmo tem responsabilidade em relação ao que escrever não é. Ele tem e deve responder por isso pois seu artigo foi polêmico e inconseqüente, com ênfase na segunda característica. Inocência não o livra de ser responsabilizado pelo que escreveu, muito menos sua pretensa cidadania de bolso.
Um outro ponto destacável que aparece na Época é a opinião distinta do intelectual Roberto Da Matta. O antropólogo afirma que as reações contrárias aos "Pensamentos quase póstumos" são antidemocráticas, "como se a elite não pudesse reclamar de nada, como se tivesse de se conformar com qualque tragédia porque na cabeça dessas pessoas a elite já tem tudo, então já está no lucro. Isso é neofacismo". Ahn?! Neofacismo? Da Matta, a elite pode reclamar quanto quiser. Ninguém que eu saiba foi contra a manifestação-reclamação do Luciano Huck mas em relação a seu teor, seu conteúdo aleijado. Entre a manifestação e o conteúdo das mesmas existe grande diferença e não faz sentido afirmar que tais reações são contra a democracia e a liberdade de expressão se as mesmas usam destes princípios para existirem. Sem sentido. Ninguém "tem de se conformar"; nem com o assalto muito menos com a mistura do Caldeirão que passou do ponto. E de onde o intelectual distinto tirou neofacismo não sei, realmente não sei. Me parece uma colocação tão indevida e absurda que realmente para mim o uso da mesma não faz nenhum sentido, nenhum. É como se Da Matta afirmasse que as reações "parecem com um transatlântico" ou "tem cheiro de pepino fresco". Non-sense ou humor fino de antropólogo? Bom, definitivamente não é humor zorra-total do nosso amigo Lu.
Não deixo de admitir que a reportagem da Época não tenha seus silvos breves de lucidez. Foram além de Huck e claramente além da Revista da Semana. Algumas opiniões se mostraram bastante razoáveis como por exemplo a de que a comparação dos ladrões com ETs é absurda mas de qualquer maneira isto é lucro numa publicação que advém da corporação que emprega o próprio Luciano, não é mesmo?
E concluo? Ah, será que eu tenho essa pretensão de concluir? Tenho sim. Luciano Huck escreveu asneiras mas isso não quer dizer que ninguém mais possa escrever. Estão aí duas provas, comprem para conferir. Não; pensando melhor, não.