terça-feira, novembro 06, 2007

24.

Venho aqui tratar de assunto diferente, as simulações de reuniões diplomáticas. Espero que eu tenha conseguido expor uma visão heterodoxa. Admito que não gostei muito deste texto, achei confuso. De qualquer maneira só é importante lembrar que não uso nenhum termo com qualquer rigor característico a algum pensador. Quando digo "práxis" não estou me referindo à "práxis" no sentido do pensamento de Marx e sim numa dimensão quase didática. Encho de significado conforme construo o conceito.


Dos modelos de simulações diplomáticas

Crítica e exaltação da práxis política concreta

Não tenho dúvidas do valor das simulações diplomáticas entre estudantes. Participei como delegado e participo da criação e efetivação de uma em meu antigo colégio, além de acompanhar de perto o desenvolvimento do gosto por essa atividade por diversos amigos próximos e por isso posso dissertar do assunto com certa propriedade, não absoluta, claro. As vantagens de se envolver em uma atividade deste porte são aclamadas e grandes: o envolvimento lúdico com o conhecimento e o desenvolvimento da capacidade de liderança dos participantes são, para mim, dois aspectos essenciais do extenso quadro de pontos positivos que quem é parte de uma simulação de reuniões multilaterais, históricas ou não, de certa forma recebe, desenvolve.
Entretanto o intuito deste texto não é elencar o céu de estrelas de qualidades dos modelos, se é que podemos chamá-los assim, e sim desenvolver uma visão diferente desta que podemos chamar de "entusiasta", uma visão, leitura, não só diferente mas como oposta, crítica e questionadora. Qual será o valor real dos modelos? Qual o efeito que as simulações impingem ou calcam nos modelistas? De que maneira isso acontece? A construção da formação acadêmica e pessoal passa pela avaliação e conseqüente escolha do que é interessante e válido para o indivíduo e escolhendo modelos se opta por o quê exatamente? Até que ponto é verdadeiramente preciosa uma exarcebação dos aspectos positivos de uma simulação de reuniões diplomáticas ou similares? Tentarei realizar leitura um pouco mais heterodoxa deste mundo à parte, o mundo onde os ludicamente aprendemos a lógica do funcionamento dos grandes órgãos de decisões supranacionais (ou nacionais em alguns casos). Não sei se propriamente até que ponto tal leitura é interessante e peço que a linha tênue da pretensão passe longe dos olhos dos leitores até porquê tal texto nada mais é do que uma singela jogada, ou melhor, cutucão, na partida das opiniões e exaltações destes eventos estudantis glorificados.
É preciso colocar pontos de partida, premissas, para o começo de nossa discussão. É claro que é de certa tosco o que se segue mas é patente que estabeleçamos o que seria uma tão dita simulação. Tratando em termos fáticos um modelo é uma reunião de estudantes que simulam estar em determinada situação de debate acerca de algum tema de importância histórica, internacional ou notória coordenados por uma mesa, também composta por estudantes, estes mais experientes. Dada esta configuração clássica uma série de observações podem ser feitas acerca dos questionamentos supracitados.
É impossível dissociar a essência das simulações da política, outro fato. Os ditos modelos nasceram justamente com o intuito de estudo e prática das ciências humanas mais próximas à ciência política por justamente representarem e se identificarem com órgãos políticos de governança ou de união supraestatal. A natureza dessas reuniões está íntima, intrínseca e, de certa maneira, eternamente ligada à ciência do debate e da discussões de decisões. Nada mais evidente. A questão central do questionamento querido é diferenciar as noções de prática e práxis política e apontar não prioridades, mas sim características de limitação e amplitude de ambas. Antes mesmo de verificarmos o que quer se dizer com o uso destas palavras se mostra mister lembrar que as duas não são combativas ou excludentes. A idéia é colocar em evidência o eqüilíbrio das duas noções.
A despeito dos dicionários consultados se mostrarem insuficientes para a definição precisa dos conceitos têm-se sim uma clivagem no que se refere a tais noções mesmo que tal divisão ocorra particularmente nesta argumentação para fins explicativos. A prática é a ação dada em qualquer plano, o ato ou efeito do verbo praticar - o que não é criação teórica, é real. É a execução de alguma atividade, parafraseando o Houaiss no sentido mais adequado que encontramos. Prática política então é o ato ou efeito de praticar política, nada mais. Identifica-se com essa noção a execução de uma atividade na esfera da discussão e podemos aproximar este conceito de prática política com as simulações diplomáticas. Os modelos exercitam os músculos do debate acerca de questões humanas sempre em pauta no mundo, praticam este esporte saudável da mente e do raciocínio lógico que é a discussão política fundada em formação acadêmica e pesquisa. Fala-se neste caso de músculos não para propriamente lembrar um pragmatismo desvinculado da esfera teórica, e sim para trazer a questão referente ao próprio de instrumentalização, fomento, fortalecimento e aumento do conteúdo acadêmico que o aluno passa.
A práxis política apresenta-se como algo diferente. Práxis seria no caso a ação concreta engajada do indivíduo e sua diferenciação do conceito de prática advém justamente destes conceitos de concretude e engajamento que podem ser melhor tratados com exemplos diretamente no plano da política que nos é interessante. Enquanto a prática tem como objetivo o próprio exercício, o fazer, o meio, a práxis coloca como objetivos outras questões, fins propriamente ditos e é daí que deriva o colocado engajamento e também a característica de ser concreta - é o projetar-se em direção não só à própria formação e entendimento (também à isto), mas também em relação ao conseguir, ao conquistar algo que não se coloca no plano individual como coletivo concreto. Na política o engajamento, a militância, e a participação civil podem ser colocados como exemplos de ação concreta evidentemente de participação ativa, de engajamento, de práxis. É na ágora, nas esferas públicas, que se dá a existência desta noção que não pode ser distanciada da idéia de que ela serve à tendências de idéias concretas ligadas a fatos, situações e condições que perpassam toda a nossa realidade como uma faca rasga um lenço de seda. A práxis existe não para existir ou para o egoísta (o que em muitas vezes não pode ser tomado negativamente) verbo fazer e sim para o mudar, buscar, conservar e agir coletivos e concretos no sentido de se colocarem como possíveis de eficácia em relação à todo o coletivo. E como é importante lembrar neste momento que tanto a práxis como a prática se vinculam à teoria? O conteúdo é tão importante para o exercício, para o treino e instrumentalização, como também para a ação concreta e não podemos perder tal questão de vista.
Internalizada a diferenciação classificamos previamente os modelos no plano da prática política e parte da crítica já foi feita. É a diferenciação do privado e do público por mais que os assuntos tratados nas discussões sejam de importância global. "Modelar" é visto a partir deste quadro como exercício alienante e repleto de convicções egoísticas de formação - formação em valorado conluio com a prática política já dita. Alienante, e é muito importante delimitar este conceito, por distanciar o simulante da concretude, pinçá-lo do oceano de questionamentos que o cercam e o colocar confortavelmente sentado no meio de outro oceano de questionamentos que tal indivíduo tende a se apropriar. Não é ruim se apropriar de discussões notoriamente importantes e nem digo que tais questões nunca podem dizer respeito à realidade na qual o modelista está inserido afinal todos vivemos no planeta Terra, porém tal simulação não passa do exercício da prática, e nada mais, e, ressaltando esse fato, observamos que mesmo que exista tal apropriação ela não é revertida para o espaço político coletivo e projetado objetivamente defronte ao indivíduo modelista. A práxis de efeito público não aparece, é colocada de canto nas simulações, e isso representa algum tipo de interesse ou, para não soar conspiratório, de efeito a ser caracterizado mais especificamente. É uma discussão interessante pensar se a existência dessa diferenciação práxis versus prática acentuada nos modelos é causa ou efeito e, mesmo este não sendo o mérito deste texto, acredito ser apropriado colocar que a diferenciação é efeito. Existe algo (subjetiva ou objetivamente) que pode ser constatado na sociedade atual que cria condições para a existência destes exageros aqui tratados, deste deseqüilíbrio da balança conceitual que criamos, e creio que observar do que se trata a causa deste processo também é análise importantíssima, interessante e pertinente. No entando reforço que esse não é o mérito do texto que na verdade é a constatação deste efeito e sua caracterização como eventual problema de deseqüilíbrio de esferas.
O que acontece com o exagero entusiasmado ou na exacerbação das qualidades das simulações é o privilégio desta alienação egoísta de formação de quadros privilegiados do entendimento de situações externas ao seu aquário no qual concretamente o indivíduo está imerso. Imersão esta desconfirmada e rechaçada pela prática política vaidosa e fisiculturística no sentido do exercício supervalorizado da política em detrimento do engajamento. Pode-se criticar tal visão colocando que a prática concede instrumentos para a realização mais interessante e intelectualizada da práxis e tal observação deve ser admitida no ponto que falamos que o que prejudica a segunda não é a existência da primeira e sim sua supervalorização e procedente diminuição dos valores ligados à segunda. A dita diminuição é prejudicial ao passo que cria des-vínculo com o conceito de ação coletiva política e, arriscando uma atitude mais ousada, descrença em relação ao engajamento concreto e objetivado em mudança. É uma colocação de distância confortável entre o possível possuidor de massa crítica inconformada e ambicioso acadêmico e o problema discutido abstratamente em eterna escala elitista (no sentido mais puro da palavra). Os críticos desta leitura heterodoxa podem também apontar que a prática é um caminho para se alcançar maduramente a práxis e isso não ataco. É louvável quando uma discussão distanciada aproxima após seu final o debatedor do problema fático no plano do ser o problema é quando esse processo não tem lugar e quando a distância perdura. Sentar-se no alto, discutir e decidir simulando não é o que podemos chamar de atitude vinculada seriamente com o dimensionamento de problemas em uma escala justa. As opressões, por exemplo, tratadas neste âmbito, perdem sua concepção real e extremamente concreta e são tratadas com um escolástico senso comum progressista que muitas vezes não entra em conflito com a formação não dos músculos, mas dos ideais mais profundos do ser político. A ideologia e o tomar-parte não podem ser temidos e o que acontece nas simulações é o falso tomar-parte constante, hipócrita e principalmente confortável e conformadamente distante da problematização mais dura e perpassante.
O modelista exagerado hipertrofia seus músculos e enfraquece seus ideais políticos; situação que não pode ser tratada com pensamento simplista. Quando se diz "enfraquece seus ideais políticos" não se diz propriamente que é criado um idiota (do grego; voltado somente para a esfera privada, para a individualidade, o ide), mas sim um indivíduo que não tem contato com os questionamentos das divisões básicas da sociedade e que trata de assuntos dicotômicos com constante relativização cinzenta ou conservadorismo maquiado. Este enfraquecer é a distância que se cria e não uma determinística noção de voltar-se para os próprios interesses sempre.
A práxis política concreta é exaltada neste ponto como única forma de se criar um ser político engajado e consciente, não de ideais determinados, mas de seu papel e força de ação de mudança. O engajamento nas esferas públicas com a noção de coletivo relacionada com valores de solidariedade, democracia, liberdade, consciência das mazelas sociais, fraternidade, dignidade e respeito em relação à todos os seres humanos é o único meio de conseguir e buscar tais jóias. Se dá a importantização do fim como fim e não propriamente do meio como fim.
Não é sentados nas cadeiras acolchoadas, não é de roupa social, com fala empolada e plaquinhas mutantes que indivíduos se iniciam na vida política concreta, que isto esteja claro. O ambiente acadêmico é importante pois propicia não só a simulação, mas a ação e é esta que deve ser tida como ato privilegiador do público e do coletivo. As lutas de poder e pesadas polêmicas de opiniões podem ser muito bem simuladas, contudo como negar que depois todos os modelistas vão para suas casas situadas, neste caso, em São Paulo (cidade que pode aqui ser substituída por uma genérica que indique o retorno à realidade). As injustas lutas de poder, espoliação e privilégios se dão, querendo ou não, na sangrenta, suja e desengonçada concretude e fugir disso é engajar-se em não engajar-se; a tal postura se mostra desta maneira covarde defronte às problemáticas extensamente complexas e profundas que se colocam como patentes na realidade fluidamente circundante.
O modelista profissional é o equivalente político de um fisiculturista, um cultuador consumista do corpo. Este ser é presa a ser caçada na busca de uma compreensão e fundamentalmente de uma ação na realidade que reflita os valores do engajamento sério já citados. A resolução das opressões e dos problemas gigantes da realidade por exemplo só pode ser efetivada com ação e discussão concreta e fundamentalmente atuante. A práxis política não pode prescindir de atores condutores desta atividade, quadros que se formam e se constroem ao longo do duro e penoso processo político real, que não é nada simulado. Estes precisados são atores reais, engajados e concretos e não atores de um teatro discussionário distante, hipócritas de uma mentirinha muitas vezes perpetuada por tipos tacanhos, cinzentamente relativizadores e cultistas da confortável vida que se resuma à cada feriado obter mais uma plaquinha (e por quê não uma menção honrosa?) que representa o desprezo pelo escolher se projetar rumo à algum objetivo de corpo e alma.