sexta-feira, março 16, 2007

Venho agora com mais um texto. Grades - é o assunto. Busco agitar isso aqui um pouco. É polêmica. Quero ajuda para incrementar o texto - ainda está embrionário.

Palavras de Ordem – Anexo-Manifesto II:

Abaixo pedagogia do enjaulamento

I.

Venho percebendo a ânsia de construção de grades em meu (antigo porém de certa maneira eterno) colégio, o Santa Cruz, a algum tempo. A anos atrás as pequenas cercas se tornaram grandes alambrados e redes de metal foram postas por toda a escola, algumas com sentido explícito e outras, bem, outras nem tanto. O digníssimo leitor me pergunta se este assunto já não foi abordado no tópico 3 de Palavras de Ordem, o Arquitetura da Destruição, e devo responder que em parte sim mas isto não tornará de maneira nenhuma este anexo redundante. Tratarei aqui de alguns aspectos aliados aos tratados no citado tópico com uma ênfase justamente na colocação de grades, ensaio que creio colocar um ponto de vista que certamente poderia ser útil para a análise crítica de qualquer espaço de qualquer escola particular (sem pretensões, útil para discussão e não para ser creditado como verdade absoluta pois este está longe de sê-la) de São Paulo com algumas evidentes adaptações.

Começo com minha opinião, minha polêmica (idiota para uns, idealista e utópica para outros e, para mim, tão real quanto o chão que piso) visão que defende a retirada imediata de qualquer gradil, muro, alambrado, rede de metal ou cerca que não seja estritamente necessário para a manutenção de práticas as quais estes são imprescindíveis (em sua suma maioria esportes mas também em áreas de manutenção e nos limites da propriedade da escola com propriedade de particulares ou áreas perigosas como linhas de alta tensão).

Devemos seguir para a essência deste questionamento; a pergunta do que é uma grade em todos os aspectos possíveis. Não sei se abordarei todos eles e se não o fizer (o que é provável) aceito com muito prazer outras interpretações.

Penso que o conceito da grade e sua presença vai além do físico. Uma grade em uma escola, seja ela pública ou privada, é algo que representa alguma coisa. Existe, evidentemente, a diferença entre grade e cerca (que será explicada mais adiante) e também variados jeitos da implementação deste aparelho mas isso não afeta a carga ideológica-psicológica-pedagógica que a grade carrega com si mesma. Tal carga pode não ser pensada diretamente pelos educandos, pela massa discente, presente na escola, mas, conforme colocado pelo pensamento de Charbonneau, esta é um elemento que se faz presente no espaço do colégio e este exerce, afirma, influência decisiva na formação pedagógica trazida pela tal instituição. A forma segue sua função, já dizia o famigerado professor de arquitetura no velho filme The Fountainhead, já citado justamente no tópico 3 de PdO.

Comecemos definindo grade além de seu significado material. O que a grade faz? Ela protege, guia, proíbe, divide. A grade faz a decisão (do latim decidere que significa cortar) entre que o deve ou não passar e, principalmente, se naquele espaço é possível a livre-circulação. Considerando a visão de Charbonneau de espaço analisemos então estas palavras-conceito no plano mais abstrato, num plano mais ideológico.

A grade guia. Podemos então consultar o dicionário Houaiss na sua terceira definição do verbo guiar:

³ “Ajudar, aconselhar, esclarecer (alguém) na escolha de um modelo, de uma diretriz intelectual ou moral; dirigir-se”.

Nessa definição podemos observar como o ato de guiar se aproxima, tange, o processo de doutrinação. A única diferença é que quando se guia se aconselha e quando se doutrina se incute um ponto de vista. A doutrina pressupõe um dogma, uma afirmação inquestionável para a mesma que serve de base forte para a transmissão de todo um modo de pensar e agir. Segundo o Houaiss doutrina tem, além dos significados já colocados o de “fazer adestramento de; amansar, amestrar”.

Então se guiar e doutrinar são atos diferentes a grade não se inclui nas definições para a segunda? Devemos pensar, na verdade, em quais definições a grade se encaixa. A grade é uma matéria dura que impede a passagem, que bloqueia, mesmo que parcialmente, a visão da realidade, a visão da verdade, sendo ela inquestionável pelo fato de ser imóvel. Esse elemento, além disso, trata-nos como animais, animais que necessitam ser amansados, adestrados e guiados como um grande rebanho. Com estes pensamentos em qual definição a grade se encaixa?

Um alambrado é doutrina, é dominação e é sinal de ideologia e sistema de controle. Não julgo estes conceitos e não penso que toda dominação é má ou que toda a doutrina deve ser subjugada por alguma visão máxima e imediata da verdade. Há de se haver doutrina pois ela é necessária, justamente, para incutir um raciocínio crítico, um ponto de vista questionador, na educação de qualquer ser humano.

A questão é que a grade não é a doutrina e sim símbolo de uma doutrina. Não analisamos ainda as idéias ligadas à proteção, à divisão e à proibição. Idéias estas que penso que se interligam.

Neste ponto divido minha argumentação em duas frentes. A primeira delas consiste em discutir as grades que separam o espaço privado da escola do espaço público, das ruas; a segunda é sobre as grades dentro da instituição.

II.

Uma grade do colégio em relação à rua é para a proteção dos seus alunos, certo? É impossível conceber um colégio particular (em especial o Santa) sem suas grades? Os bandidos, seqüestradores, assaltantes estão esperando à porta para nos pegar e tirar as grades seria abrir o portão para essa corja de criminosos?

Estas perguntas me levam a uma análise questionadora dessa realidade. Uma análise que questione estes pressupostos dando-os como incertos como realmente penso que são.

A experiência ainda não aconteceu portanto não sabemos o que aconteceria se todas as grades que separam a escola da rua fossem retiradas. Por mais “realistas” que as previsões sejam elas não abarcam o resultado real e são justamente as mais “realistas” as quais se reflete um dos fatores principais deste ramo da análise: o medo. O temor que as classes A, B e C tem da chamada violência urbana.

Na análise mais clichê possível qualquer medíocre poderia indicar que a violência urbana existe devido à desigualdade social grotesca presente nas nossas grandes metrópoles e, por que não, distribuída pelo mundo inteiro. Outra análise clichê um pouco, mas não muito, não mesmo, mais sofisticada é de que o problema da desigualdade só pode ser resolvido com a Educação.

Vemos no Brasil uma exaltação da Educação, que, seguindo o senso comum mais uma vez, está marginalizada, jogada às moscas. Devemos educar as classes mais pobres para garantir a elas um futuro mais digno. Escola pública de qualidade, investimento à longo prazo. Muito bonito e muito central essa discussão. O problema é que não vemos o outro lado da moeda, igualmente importante.

Se a solução para a desigualdade é a Educação seria a Educação específica só para os setores mais necessitados da população ou seria a Educação num conceito mais amplo? Penso que formar um pensamento de igualdade social, um pensamento pleno, preocupado com as mazelas do mundo, na burguesia também é essencial.

A classe dominante, a classe condutora do processo de desenvolvimento nacional deve participar do projeto de igualdade social assim como os mais pobres. O rico, o burguês e, por que não, a classe média, devem então pensar na sociedade como um todo, devem perceber a desigualdade e a diferença entre os setores da população.

Contato é uma palavra essencial neste ponto. A Educação da burguesia deve estabelecer contato, diálogo, com o resto da sociedade. Uma escola que se fecha ao mundo em todos os aspectos não tem, de maneira nenhuma, uma formação global e plena e, obviamente, não está interessada em formar uma elite pensante e transformadora da realidade onde está inserida.

O jovem da elite, assim como ela própria, tem medo das outras classes. Segundo este setor este deve ser educado plenamente na teoria, mas, na prática... na prática é sempre diferente.

É nesse ponto que eu queria chegar. A prática da Educação social, transformadora da burguesia acomodada e egoísta em uma elite fundada na igualdade social e no desenvolvimento de todos os setores da sociedade é a prática do espaço – enquanto a teoria, o conteúdo, é das salas de aula e sai da boca do professor.

Como educar o burguês que o pobre é seu igual se, à 10 metros, se encontra uma grade que busca a segregação e, fundamentalmente, a pretensa proteção dos jovens.

Reflito se, ao tirarmos as grades, a Educação social de qual falamos não se consumaria de modo mais pleno. O contato do jovem burguês com o mundo que o cerca é essencial para este perceber a sua realidade, seus problemas, suas belezas intrínsecas, e desenvolver um senso crítico. Por que este homem tem que por seu filho numa escola pior que a minha? Por que ele mora em um lugar menos digno que eu se é igual a mim?

Vivemos inexplicavelmente sob o signo do medo da classe baixa. Eliminadas as barreiras a famigerada dialógica de Paulo Freire se instalaria. O prédio da escola começaria, então, a dialogar com o público. Os de fora veriam os de dentro e vice versa. Olho no olho. Realidade conjunta. Junta.

A grade é, no meu modo de ver um tanto polêmico, uma das causas do assalto ou do seqüestro. Ensina à classe rica o medo e o preconceito do contato com outros setores e incute em seus jovens a semente da perpetuação da desigualdade social; seja pelo senso comum não cumprido, seja pela falta noção de realidade ou seja pelo ensino do egoísmo, do não-diálogo, e, assim, por conseqüência, da acumulação do capital.

Devo admitir que faço estas afirmações com ressalvas. O colégio é privado e tem o direito de delimitar seus limites. O problema na minha visão é o como ele o faz. Simplesmente peço para repararem o tamanho das grades de qualquer colégio.

III.

Continuando agora pretendo abordar um tema que certamente despertará menos polêmica e mais concórdia. É senso comum, mais uma vez, perguntar-se o motivo das inexplicáveis grades intracolégio.

Seja segregando a área do teatro, seja “resguardando” o espaço da rua, cercando os pequeninos, prendendo ar e grama – as grades as quais aqui me refiro não conseguem ser explicadas nem pela lógica ou razão e muito menos pelo sentimento ou paixão.

Coloco mais uma vez aqui o papel doutrinador das grades, como elas nos tratam como irracionais, como rebanho, e como só sua visão já influi na formação de quem passa por aquela escola. Elas batem de frente na liberdade com responsabilidade de Charbonneau. Como o jovem desenvolverá sua liberdade plena na escola cheia de grades? É um contra-senso.

Qualquer argumento do mantimento das grades intracolegiais é absurdo no sentido em que sempre se tem um contrário de igual ou maior força. A grade é um elemento anti-pedagógico por excelência e temos como exemplo simples a cerca para “resguardar” o espaço da rua para os pequenos do fundamental não sejam atropelados. E se ensinarmos a eles atravessar a rua? A escola é lugar para quê?

IV.

Volto à minha linha de raciocínio principal para concluir e propor reflexões. Não venho com acusações infundadas falando mal das grades. Analisando racionalmente este fenômeno podemos ver neste elemento o seu caráter, como eu já disse antes, doutrinador, dominador, arrebanhador, segregador, protetor e mascarador da realidade.

Parece-me que a proposta é ensinar pela disciplina. É ensinar descolado do momento histórico, descolado da realidade. É ensinar sem o comprometimento espacial com o senso crítico ou com a própria pedagogia.

Temo encerrar sem dizer que qualquer grade tem o caráter doutrinador negativo no sentido em que nos acostumamos à elas e passamos a não questioná-las mais.

Que vivamos a diferença, a congregação, a sociedade e a realidade como um todo para que, finalmente, consigamos atingir um dos objetivos do estado brasileiro reformado em 1988 – construir uma sociedade genuinamente solidária (assistencialismos e caridades de mercado e de gozo próprio à parte, ver item 2 da bibliografia).

BIBLIOGRAFIA:

1. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, trad. Raquel Ramalhete. Vozes, 1997. Original: Surveiller et punir, Gallimard, 1975.

2. BUCCI, Eugênio e KEHL, Maria Rita. Videologias. Boitempo, 2005. (in páginas 180 – 187, cap. Exibicionismos).

3. FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação?. Paz e Terra, 2003.