segunda-feira, dezembro 03, 2007

27.

Apesar da impressão que me dá de estar falando para um grande vazio ou para um gigantesco monstro apático que não possui o talento da cognoscibilidade, continuo a falar da natureza bloguística. Tentando honrar as palavras de meu caro amigo Marcio ("O 'Palavras' é um blog existencialista, eu diria... /reflete sobre a própria existência./ caminha em direção ao autoconhecimento hegeliano do espirito absoluto atrávez da filosofia como verdade pelo pensamento racional."), continuo nessa empreitada de verificar até que ponto vale a pena manter um blog. Eu sei que o pensamento do Marcio é um tanto quanto exagerado, mas cabe a colocação.


Todos nós idiotas II

Agregação e interligação ou parque do Xingu virtual

Do grego ιδιώτης , idiôtês, "um cidadão privado, individual", de ίδιος , "privado"; usado depreciativamente na antiga Atenas para quem se apartasse da vida pública, através do lat. idiota.
tirado do Wictionário

O Parque Indígena do Xingu foi criado em 1961 por Jânio Quadros e foi a primeira reserva indígena homologada pelo governo federal no Brasil. A área do parque é de mais de 27 mil km², e é situado ao norte do estado do Mato Grosso. No Xingu vivem aproximadamente 5 mil índios de 14 etnias diferentes que compõe, segundo a UNESCO, um quadro riquíssimo de matizes lingüísticas. As quatro maiores famílias lingüísticas indígenas brasileiras (Carib, Aruak, Tupi e ) estão representadas no mosaico complexo das diversas tribos que habitam o local.
Não é preciso ser mestre em línguas para perceber que os índios do Xingu, mesmo habitando o mesmo local, são radicalmente diferentes. Quando digo "radicalmente" quero dizer lá mesmo, na raiz, na própria língua. Mesmo as tribos pertencentes ao mesmo tronco lingüístico tem dialetos diversos e percebendo isso percebemos como podem coabitar diferentes em um espaço tão pequeno de terras. A existência do Xingu é evidentemente positiva para a conservação da memória pré-portuguesa do Brasil e da América Latina. A existência do Xingu hoje, e é aí que reside o problema, não no parque mas na possibilidade de comparação e mormente no objeto que a possibilita, pode ser comparada com o universo de blogs que temos. Pelo menos dentro da reserva por mim habitada.
Sei que a comparação parece por demais exdrúxula mas existe possibilidade de ser real sim. O que quero dizer é continuação do texto 26, mais expressamente que o coletivo de blogs que vejo hoje, diferentemente do que se auto-exalta, é como o Xingu, uma reserva que vivem diversas tribos que não conseguem, apesar de serem vizinhas, falarem a mesma língua, ou seja, de construir uma discussão pública, democrática, "agorariana". Da mesma maneira que as tribos do Xingu se distanciam por serem oriundas de troncos lingüísticos diferentes as tribos de blogs (ou os blogs solitários, unicaules) se distanciam por não conseguirem nem ansiarem por falar a mesma língua. Esse interesse, apesar de alarmado, é inexistente.
A realidade idiotística do blogueiro é o que faz correr esse caos disconexo do discurso dos saudadores da Infovia. Hoje muito se fala que os blogs revolucionam a mídia conferindo uma rapidez e um dinamismo individual e individualizado às notícias e opiniões. Fala-se que essas novas ferramentas inauguram uma comunicação do século XXI, livre de amarras censoras e livre do poder financeiro midiático. Mentira.
Escatologia exaltacionista pura essa conversa. O que eu observo hoje é o contrário. Esse
foquismo alarmado de combate contra o monopólio da mídia internacional não passa de uma jocosidade. O monopólio se conserva e esse canal tão belo e diverso, e dinâmico, que são os blogs não verdadeiramente existe. Afirmar a existência desse canal só seria possível se todas as tribos desse Xingu parassem de se voltar a si mesmas e percebessem o seu entorno.
Calma, calma. Vocês bem sabem que eu amo nossos indiozinhos. O meu problema é conosco. Todos nós idiotas. Cidadãos privados, individuais em nossas tribos criadas e
autopoiéticas. Poiesis é um termo em grego que significa produção. Autopoiese então é a auto-organização, é quando um sistema gera a si mesmo através de uma interação com seu próprio meio. Não há interferência extrínseca no mesmo grau às intrínsecas ao mesmo que determine tal criação de si. Digo "no mesmo grau" pois é evidente que blogs sofrem influências e que seus autores escrevam sobre acontecimentos e coisas reais, é claro, mas não se pode dizer, propriamente, que tais influências são o motor da produção escrita bloguística. O motor, penso eu, é a interação daquele indivíduo ou grupos de indivíduos em si mesmos.
O privado se instala nesse mundo com a máscara do público. Escreve-se muito com a impressão de estar se comunicando com o mundo, mas, devido à inúmeros fatores tais quais a linguagem própria e essencialmente os conteúdos tão particulares quanto tribais, está se escrevendo para um mundinho próprio. O blog comum, o blog ordinário, é um travesti. Pretende-se público, mas é verdadeiramente privado; pretende-se dialogante, todavia não é nada senão
monologante.
É assim sim, e provar não é difícil. É só entrar em qualquer blog anunciado na Internet que não seja de algum conhecido seu. Existem exceções sim, mas elas provam a regra. A maioria absoluta da profusão estonteante de
.blogspots.coms ou .kit.nets e afins é completamente incognoscível. Ler é insuportavelmente chato.
O feixe diverso e desordenado de famílias lingüísticas de todo diferentes, o Xingu blogueiro, não é uma revolução midiática pois a mídia, a imprensa, pressupõe discussões públicas sobre o comum público, mesmo de maneira tendenciosa. O que se vê nos blogs são discussões completamente particulares sobre o comum tribal, que às vezes, por sorte completa, tange o público.
Para considerar um valor superior aos blogs temos que detestar, num inverso à atitude em relação aos indígenas do Xingu, a existência desses
kuikuros, jurunas e panarás cibernéticos. Claro que não defendo uma instalação de uma novilíngua orwelliana na blogosfera! Só digo que a discussão pública sobre o comum a todos só se dará quando a fonte da tendência egocêntrica dos que expressam sua opinião nesses espaços secar. Diferente dos índios que falam línguas diferentes por terem origens culturais diversas falamos línguas diferentes pois não nos interessamos em falar a mesma. Temos diferenças? Claro! Isso é ótimo! Dos melhores ingredientes para a construção de um espaço de diálogo dos mais ricos. Não refuto nossas origens culturais completamente diferentes. O que nos distingue fundamentalmente dos habitantes do Xingu é que escolhemos viver no Xingu.net e essa escolha, na minha opinião, não pode ser feita para satisfazer desejos mesquinhos de se fazerem milhões de monólogos inouvíveis.
O Xingu.net deve caminhar para ser a tão sonhada utopia que seus defensores de hoje tanto exaltam erradamente como verdadeira.