terça-feira, janeiro 16, 2007

Em um momento de intensa genialidade e criatividade que lhe é característica o meu grande amigo Benjamin Feldmann (sim, esse é o nome dele) construiu este comentário sobre o texto "Palavras de Ordem" colocando nele algumas de suas mais interessantes visões. Destaco neste as ironias impagáveis de Feldmann assim como sua reveladora e polêmica visão sobre "Caridade". Obrigado, Benj.

Li o “Palavras de Ordem”. Bem simples assim. Acompanhei o seu processo, tive o privilégio de ler o texto antes de ficar pronto e também de discutir com o autor sobre as idéias nele contidas. Justamente, baseado nessas discussões, que faço esse outro texto, que discute o texto anterior, acrescentado de algumas idéias minhas.

I. O Santa Cruz

O Santa Cruz é o Santa Cruz. Nada mais precisa ser dito. O nome, e a fama nele contida, já diz tudo. Não preciso dizer que é uma escola conhecida pela alternatividade no sistema de ensino. Não preciso dizer que é uma escola conhecida, sim, pelos alunos com um mínimo de senso crítico que dali saem. Não preciso dizer que é uma escola que, diferente de muitas outras, é amada pela maioria dos alunos. Você está contente quando estuda lá. Você reclama das provas e das aulas de Geografia eternas mas dificilmente vai sair sem uma boa razão pra sair. Eu não preciso dizer, mas disse.

Um fato, colocado pelo meu amigo autor do outro texto, é que o Santa Cruz cresceu. Não é mais um internato de 100 idiotinhas em Higienópolis. É uma escola enorme com 2000 idiotinhas em Pinheiros. Não perca esse crescimento de vista.

O Santa superou o seu projeto em tamanho. Você realmente acha que o Padre Charbonneau planejava um colégio desse porte? Agora, meu estimado leitor, pense comigo: será que é tão fácil provocar o aluno para pensar sobre o mundo em que estão inserido numa escola gigantesca quanto é fazer a mesma coisa numa escola com alguns poucos alunos?

O nosso colégio cresceu, e a sua filosofia teve de ser adaptada a esse crescimento não planejado. É incompatível o projeto idealizado pelas padres com as proporções que o Santa adquiriu. Vamos tentar entender o que acontece agora na “segunda casa dos meninos”.

II. A Caridade

A caridade foi citada pelo meu colega. Segundo ele, o Santa não faz a devida propaganda da caridade que faz. Não envolve os alunos nela. Deixa ela como algo distante, quase com uma indiferença. Gostaria de dar uma certa atenção à nossa estimada caridade.

Não faço caridade. Não faço trabalho voluntário. Não faço e, admito, não pretendo fazer. Sou, de certa forma, contra a caridade. Vou tentar explicar por que.

No ato da caridade, há quem ajuda e há quem é ajudado. Nada mais lindo. Devemos nos lembrar, porém, para quem é feita essa caridade. Se ela feita para quem ajuda ou para quem é ajudado.

Joberval é uma criança pobre. Ele faz aulas de circo, e adora. Sonha um dia em ser um artista de circo ou coisa do tipo. O circo o acolhe e, por duas horas mágicas semanais, ele esquece do resto da sua vida.

Quando acaba a aula de circo, Joberval volta pra casa. Encontra seu pai, completamente bêbado, no sofá velho que encontraram por aí. Papai o xinga, bate nele e xinga de novo. Depois de cumprimentar o pai, vai para a geladeira velha que acharam na rua. Vazia. Ainda bem, porque está quebrada mesmo, a comida iria estragar. Sua mãe está trabalhando numa casa, recebendo um salário que dificilmente poderia ser chamado de salário. Sua irmã saiu de casa há alguns, provavelmente vive a vida nas esquinas, saindo com rapazes em troca de dinheiro.

De noite, Joberval pensa nas aulas de circo. Aguarda ansiosamente aquelas duas horas abençoadas que esquece da família, esquece da falta de comida, esquece do nome “exótico” que recebeu. Reza para que terça-feira chegue logo. Pensa que tudo bem o resto da vida sofrível que leva, enquanto tiver essas duas horas alegres por semana.

Muito bem, apelos sentimentais à parte, tudo bem, estimado leitor? Você concorda com o pequeno Joberval? Vale a pena essa vida horrível que tem pelas duas horas de esquecimento e alegria?

A caridade cega. Quem a recebe esquece por que está recebendo. Ignora o fato de que não deveria precisar de nada. A vida não é tão ruim, eu ainda tenho o dinheiro daquele executivo todo ano- 100reais.

Quem sabe se Joberval não tivesse essas “duas horas abençoadas” ele não iria questionar a porcaria de vida que leva? Não iria perguntar por que seu pai é um inútil bêbado que não consegue emprego? Por que sua mãe é uma semi-escrava que nem carteira assinada tem? Por que passa fome? Tudo bem, eu ainda tenho as minhas aulas de circo.

Do outro lado, a pessoa que lhe dá aulas de circo gratuitamente. Ela sente que faz sua parte para melhorar o mundo. Volta pra casa com os ombros aliviados. “Não sou uma pessoa ruim, eu faço aquele menino sorrir toda terça feira”. Parabéns, meu querido. Agora, por que ele não pode sorrir todo dia? Querendo ou não, a culpa é sua.

A culpa é dele. E sua também, divino leitor. E minha. Somos a outra ponta do capitalismo. Somos os causadores da desgraça de Joberval. Joberval apanha por causa do rapaz que lhe dá aulas de circo. Joberval não têm um alguém que possa chamar de pai porque você existe. E fui eu quem fez com que a irmã de Joberval fosse uma prostituta de rua.

A culpa é nossa porque não fazemos nada pra impedir que mais e mais Jobervais nasçam. Não, eu não estou falando de uma matança generalizada de crianças de baixa renda, meu estúpido leitor psicopata, eu estou falando de fazer com que essa situação de desigualdade seja revertida. Nós não fazemos nada para consertar a nossa sociedade. E, quando nos calamos, nós compactuamos com a estrutura em que vivemos.

A culpa é dele, é sua, e é minha. Não sei quanto a vocês, mas eu não me sinto muito bem com relação a isso. Não acho muito divertido ser a causa do martírio de milhões de pessoas. E não esqueço jamais dessa culpa, e não esquecerei jamais. Não vou tentar me livrar dela, a não ser quando não tenha mais nada para me sentir culpado.

E é por isso que não faço caridade. Quem faz caridade acha que por causa disso está livre de acusações, e assim pode dormir tranqüilo à noite. É dono de uma multinacional que usa trabalho infantil, mas tudo bem, ele dá esmola no farol.

Caridade é ruim, pois afasta o que realmente deve ser combatido: as causas dela existir. Um mundo sem caridade seria melhor, pois não haveria necessidade dela.

Agora, voltando ao nosso assunto inicial, realmente é melhor deixar os alunos do Santa engajados na caridade que a escola faz? Ou as aulas de Ética e Cidadania já são mais do que suficientes?

III. A santíssima trindade

Alunos, professores e diretores. A base de qualquer escola. Qualquer aspecto da escola não pode ser analisado sem levar em conta essa trinca. Além disso, deve ser inserido um outro pilar: os pais. Um grupo diretamente relacionado aos alunos, mas que tem algumas diferenças.

Vamos nos concentrar num fato apontado pelo excelentíssimo senhor Francisco Carvalho de Brito Cruz: muitas pessoas saem do Colégio Santa Cruz perfeitas idiotas. Agora vamos pensar, onde será que está o erro nessa história?

Seriam os professores? Certamente não, pois estes são, sem sombra de dúvida, a classe mais nobre do nosso estimado colégio. Não há nada de errado com eles. Bom, talvez com aquele... hã, deixa pra lá.

Sobram a diretoria e os alunos(com alguma interferência dos pais). Bom, sabemos que muita gente sai imbecil do Santa, mas tem também uma quantidade razoável de pessoas que merecem respeito e que têm senso crítico. Ali o trabalho foi feito.

Ou seja, se em alguns alunos tudo deu certo, e em outros nem tanto, será que o problema é a escola como um todo ou os alunos? Se você ainda não descobriu, acompanhe-me (se ainda assim não descobrir, favor pedir ajuda médica).

O colégio Santa Cruz é um ensino de elite para elites. Num Brasil em que as escolas públicas são deprimentes, um bom ensino requer dinheiro. E poucos podem pagar um Santa.

Poucos... Alguns pertencentes a uma mesma classe social. A diversidade dos freqüentadores do colégio é baixa, portanto. O colégio precisa do dinheiro pra sobreviver. Agora, me respondam, já que poucos podem pagar o Santa, e o Santa precisa de muitos desses poucos, você realmente acha que é possível ele se dar ao luxo de escolher quem que vai estar lá dentro? Eu adoraria ver um diretor enxotando um aluno com uma vassoura: “Xô, passa! Você não tem senso crítico!”.

O aluno está no Santa para passar de ano. Até acabar o terceiro ano, aí ele tem um emprego garantido, acumula, têm filhinhos, acumula mais, e manda os filhinhos pro Santa, pra passarem de ano e depois acumularem um pouquinho também. E é assim com muitos.

Nada pode ser feito com quem não quer aprender. Por mais que a idéia seja tentadora, não é possível espancar o aluno e bater com a cabeça dele na parede até ele aprender a valorizar a escola. Faz-se o que pode. É oferecida a chance de realmente aprender e de pensar por si só. Quem quer, aprende e pensa. Quem não quer, passa de ano também e vai ter um Santa Cruz estampado no currículo.

Seria ótimo poder filtrar no colégio somente os alunos que estão levando a sério o que têm ali. Mas são poucas as opções, devido à reduzida classe que pode freqüentar nossa escola. Se você enxotar o aluno alienado, você não sabe se um outro melhor vai aparecer na porta para preencher a vaga.

Portanto digo que quem é o culpado pela formação de uma elite alienada é a própria elite alienada, que não aproveitou a chance que teve (ou não quis aproveitar, devemos citar também). Ouso dizer, também, que o fato do aluno só querer se formar para ter um bom emprego é um remanescente da educação que teve dos pais(ou do mordomo, devemos citar também). Se ele se torna um péssimo cidadão, é porque já era um embrião de péssimo cidadão quando nasceu. E isso, meus amigos, não tem escola no mundo que conserte.

IV. A administração: culpada. Culpada?

Nosso colégio ganha rios de dinheiro. Nosso colégio gasta rios de dinheiro. Inegável. A questão é, e qual é exatamente o problema nisso?

O Santa Cruz é uma escola particular num país capitalista num mundo capitalista, com diretores capitalistas, professores capitalistas e alunos capitalistas (sempre com alguns comunistas perdidos por aí). Tem, também, como função, ganhar dinheiro. É dirigida, também, para gerar dinheiro. Além da visão do ensino e da formação das crianças, tem também um lado de ganho de dinheiro.

“Ah, mas eles são uns safados, que só querem ganhar dinheiro”. Sim, eles querem ganhar dinheiro. Quando mais dinheiro, melhor. Mas não é só isso que eles querem, eles também querem dar o melhor ensino que puderem embasado numa filosofia norteadora. Ah, as segundas intenções.

Novamente divagando um pouco, vamos tratar das segundas intenções. Vou contar um segredinho para vocês: as segundas intenções existem sempre. Repito: sempre. Ninguém faz para ninguém de graça.

Você sempre quer alguma coisa quando faz algo. Seja ganhar dinheiro, seja te fazer feliz, seja ir para o céu (essa quase ninguém nota), seja se sentir melhor, seja dormir à noite, seja que o outro goste mais de você, seja fazer com que o outro fique feliz e aí sim você fique feliz, seja se achar uma pessoa boa. Tem sempre algo por trás. Repito: sempre.

Assim, não vá achar que o Santa está lá somente para criar uma elite pensante. Ele também precisa ganhar dinheiro. Se isso é bom ou ruim, o fato é que a administração tem se voltado cada vez mais para esse lado financeiro, deixando para os professores o outro objetivo.

E o Santa tem os seus clientes. No caso, alunos e pais, com ênfase no segundo. Um colégio que não liga para o vestibular é um colégio sem alunos. Um colégio que não tem uma taxa razoável de aprovados na USP não é um colégio feliz. É dever do colégio, o que eu acho que ele faz com uma competência admirável, equilibrar o lado da liberdade, da responsabilidade, do senso crítico com o do vestibular.

V. E tem jeito, doutor?

Será que conseguiremos impedir essa alienação da nossa elite? Será que o Santa vai sempre formar idiotas que vão mandar seus idiotas juniores para o colégio? Será que o Bruninho vai trair a Mari?

Meus senhores, eu não acho que o problema esteja realmente no lugar que chamamos de escola. É bem maior que isso. Se a nossa elite não presta e não liga pra nada, o problema está na base da sociedade em que vivemos. E, para mudar isso, teremos que realmente rever as estruturas do cenário em que estamos incluídos. Digamos que tenham coisas mais fáceis de se fazer. Mas temos que tentar.

Mas é claro, existem coisas muito mais importantes que o Joberval. É muito mais essencial ficar no orkut, MSN, “curtir a vida”, a juventude, do que tentar mudar o mundo, que é evidentemente assunto de babaca. Me desculpe, pode ir contar para o Jarbas, seu mordomo, como foi inesquecível a viagem para o Guarujá no último feriado.
texto de Benjamin Mariotti Feldmann

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Palavras de Ordem – Anexo-Manifesto:

Reflexões e soluções para o Grêmio

O Grêmio Estudantil do Santa Cruz é uma grande desilusão, isto é, por mais clichê que seja, fato. Quem entra vê que o mecanismo não funciona. As discussões não andam, a burocracia emperra. Digo que acho dificílimo começar por lá “a” alguma coisinha, “a” drummondiana[1] florzinha anti-euclidiana surgindo do pelas brechas do asfaltos – minhas esperanças se esgotaram. O protesto, o conflito de autoridade com a escola, natural por muitos anos, não existe mais. Hoje temos uma instituição submissa aos interesses de terceiros, da direção. Não digo que a direção queira exercer este poder, não sei disso na verdade, mas que exerce, exerce. Atualmente o Grêmio não faz nada sem a aprovação da direção, nada. Não há independência, iniciativa, fatores obviamente necessários para ser construído um agrupamento ativo defensor dos mais primários interesses dos estudantes e símbolo de uma juventude consciente. Sendo esta juventude rara, como já expliquei, a instituição cai em descaso, entra em ruína.

O Grêmio foi importante? Puxa, mas é claro que foi! É claro! O papel de protesto da simples existência de uma coletividade numa época como a famigerada ditadura militar foi essencial. Mas dissemos bem – “foi”.

O que é essa “instituição” hoje? Nada mais do que dez, quinze, gatos pingados que aparecem sem muita vontade (na maioria das vezes) numa reunião vazia, para não dizer falida, ora para discutir assuntos ou de extrema futilidade ora para debater sobre temas que apesar de terem relação com toda essa discussão a respeito da escola não terão uma incidência minimamente proporcional à sua importância além de estarem sempre amarrados a conversas sem compromisso e sem embasamento.

Acho um tanto monstruosa e desengonçada nossa representação como alunos junto à direção, o Grêmio. Não significa nada para o “grosso” dos alunos do que algumas músicas no recreio, um mural, uma festa e um bando de “comunas” chatos que ficam enchendo o saco. Querendo ou não, romantizando ou não, o Grêmio Estudantil do Colégio Santa Cruz é isso hoje.

É um pouco romântico mesmo achar que é essa aberração burocrática, que é essa máquina-monstra, controlada por uma oligarquia muito particular e reservada, que deve ou que vai mudar alguma coisa. Oligarquia sim, “elite” até. Um pequeno grupo de pessoas que de uma maneira ou outra ascendendo ao “poder” e representando todo o corpo estudantil de forma aleijada, capenga e insuficiente. Eles (eu até posso me incluir nessa oligarquia, não nego o que já fiz) pensam por nós. Eles resolvem. Eles nem resolvem, mas gostam... deixa...

E é assim que a coisa acaba sendo levada. Com a pança, com a barriga. Instrumento de controle muito eficiente esse Grêmio – brinquedinho dos “cultos”, dos emocionalmente carentes e dos ingênuos idealistas desavisados e “saco de pancadas” da massa geral conformada que quer “levar a sua vida pra frente” sem ter de pensar em coisas chatas como o Grêmio porque este já é, mesmo antes de ser conhecido, construído por um senso comum infalível como sendo uma coisa primordialmente imbecil, idiota e inútil.

Creio que o Grêmio tem de se admitir. As pessoas que o fazem e que o farão devem, se buscam o bem-estar do corpo estudantil santa-cruzense, retirar da sua visão toda essa casca de romantismo. Talvez seja melhor e inevitável a vitória de uma chapa menos preocupada com a consciência do corpo. O Grêmio, penso eu, deve se resignar à sua insignificância quanto à construção do senso crítico. O aparelho burocrático desengonçado, as conversas corta-barato com os representantes da direção, as reuniões sem rumo revelam o nonsense do monstro gremista.

Não digo aqui que não deve haver as festas ou músicas no recreio mas penso que as coisas podem ser realizadas com tranqüilidade por que entende ou por quem quer mesmo. Menos reuniões, menos discussões que não levam a lugar nenhum. Se assim admitirmos a finalidade de existência do Grêmio nas questões práticas efêmeras (mas não dispensáveis) ele diminui. Não fica sobre essa instituição o peso da “Revolução” – acaba o romance.

“Mas o Grêmio É a representação dos alunos frente à direção! Se ele perder o caráter político ele perde o sentido!” diriam alguns. O fato é que o Grêmio já perdeu o sentido a tempos pois ele além de não representar a maioria já não apresenta um caráter político, esse conto-de-fadas colegial. O Grêmio hoje não passa de um brinquedinho mesmo, assim como já disse. Cultuado por um grupo e até relativamente desejado por outros mas não como instrumento de transformação ou de contestação da autoridade escolar mas como organismo de produção de lazer, de comédia, de brincadeira. Não acho que esse sentido seja ruim, seja errado, afinal ele é mais genuíno, mais verdadeiro, do que a inutilidade política mascarada que temos hoje.

A transformação e o conflito talvez devam ser oriundos da iniciativa, da representação coletiva sem nome, da conversa sem amarras burocráticas. Uma voz erguida na multidão e projetada bem alto seja, talvez, mais eficaz do que alguns sussurros ininteligíveis. É a propagação pelo exemplo. A idéia passa de cabeça para cabeça, em corrente. Se o mundo de hoje tem o elemento virtual que o usemos em favor das discussões que digam respeito à alteração deste mundo em um lugar mais justo e menos hipócrita. A afamada Infovia poderia ser percorrida por idéias menos fúteis já que ela existe e nada a fará parar de existir.

Se eu agora escrevo um texto criticando a escola amanhã um colega meu pode se sensibilizar e pintar um quadro sobre seus sentimentos em relação a ela e ao mundo em que vive. Depois de amanhã um terceiro pode se inspirar e escrever uma poesia seguida de um ensaio dez vezes mais interessante que este aqui, e, daqui a um ano, dez estudantes que normalmente se conformariam com a escola que tem hoje poderiam, ao observar estas obras, pensar um pouco mais sobre onde estão estudando. De fato é um discurso muito idealista feito por mim mas vejo mais isto acontecendo do que o Grêmio

Talvez meu discurso pareça sim um pouco conformista, de meio que se “desistir” do Grêmio político e adotar uma postura neste de simplesmente facilitar o lazer e a vida social dos seus alunos representados. Será? Na verdade penso que não: eu não estou conformado, estou indignado – até com o Grêmio.

a ser anexado em "Palavras de Ordem".



[1] "(...)

em verde, sozinha,

antieuclidiana,

uma orquídea, forma-se."

de “Áporo”, poesia de Carlos Drummond de Andrade encontrada em “A rosa do povo”, de 1945.

domingo, janeiro 14, 2007

Este é um pequeno ensaio que escrevi por uma ligeira criticidade que me ocorreu estes dias.

Preconceitos

Você gostaria de viver num mundo mais justo? Você acharia legal passar os seus dias na terra num lugar mais seguro onde todo mundo fosse livre para fazer, acreditar no que quisesse? Diga-me se não seria bom existir onde o ser humano vivesse em paz, em harmonia e que ninguém explorasse ninguém. Creio eu que todos que não tem um coração cruel e corrompido pelo poder diriam que este lugar é excelente, é o máximo. Diriam também que é uma utopia. De fato, é uma utopia, uma quimera. A possibilidade do mundo se tornar assim é difícil, longínqua, quase impossível considerando o clichê da esperança ser a última que morre.

É uma utopia – mas você, como já respondeu – gostaria de viver nela.

***

- Esses comunistas ridículos.

- O Comunismo não presta, não dá certo.

- Temos que exterminar esses vermelhos.

- Eu não vou abdicar do que eu consegui com o suor do meu rosto.

- Pobres preguiçosos.

- Quem faz teatro é comunista.

- Quem usa all-star é comuna.

- Você e essa sua camisa de comunista ridículo.

***

Quantas vezes você já não ouviu essas frases? Uma delas pelo menos. Muitas - não é mesmo?

É evidente que com esse texto não quero ficar dando lição de moral – meu papel não é nem nunca será esse. Só gostaria que vocês me acompanhassem na minha análise e que vocês opinassem se faz ou não sentido.

É notável na sociedade atual como a palavra “comunista” ganhou um cunho, uma conotação, negativa. Às vezes a ouço até sendo usada como xingamento. Na verdade não me incomodei com isso por muito tempo até recentemente quando estranhei. Mas, peraí, ser comunista é ruim?

Não venho aqui defender a revolução, longe disso. Não quero discutir se o socialismo, se a ditadura do proletariado, deu certo. Quero saber na verdade o porquê que se pode xingar uma pessoa de “comunista”. Ser comunista não é ruim, não mesmo. Se você respondeu as perguntas do primeiro parágrafo “sim” e você está disposto a lutar por aqueles preceitos durante a sua vida você é, pelo menos um pouco, e, no discurso, comunista. Isso é ruim?

Pergunto se acreditar na construção da igualdade social, da liberdade, e da não não-exploração do trabalho alheio é ruim. Acho que talvez um pouco mais de respeito por esta posição seria adequado pois, apesar de ninguém ser obrigado a acreditar nestes conceitos, nestas idéias, é impossível negar a sua contundência.

O preconceito “anticomunista” desavisado e burro, reina. As pessoas hoje associam comunismo à baderna, anarquismo à bagunça. Perguntasse para o Marx e para o Bakunin se eles achavam que o comunismo era caótico e bagunçado, que o anarquismo era uma baderna; aposto que a resposta seria uma bronca ou uma explicação muito didática da utopia comunista de abolição do Estado capitalista e da propriedade privada em favor da liberdade dos indivíduos e do fim da luta de classes, do fim da desigualdade social que, inegavelmente, gera a violência, gera o seqüestrador, gera o ladrão que vai lá roubar a sua casa.

Respeito é bom – só isso que prego. Respeito de ambos os lados. É claro que não adianta eu falar isso do lado comunista e nada dizer ao lado mais liberal, ao lado mais reacionário, lado que eu respeito mas, confesso, não pertenço.

As esquerdas também têm preconceitos: “Capitalistas burgueses podres”, “Porcos burgueses” e muitas outras, além do próprio preconceito esquerda-esquerda. Deve-se exigir deste lado da moeda o mesmo respeito que se exige do outro.

A crítica mútua é essencial mas a crítica deve ser, antes de tudo, minimamente fundada. Quantas vezes eu já não ouvi pequenos vermelhos metidos e desinformados falar com nojo de supostos burgueses presunçosos? Quantas situações de escurraçamento já também não presenciei em que supostos capitalistas ferrenhos pré-julgavam “comunista idiota” alguém que, por ventura, usava all-star? Devo dizer que a resposta de ambas as perguntas é “Muitas.”.

Mais cultura e mais educação injetadas nestes inocentes esculachadores perversos acho que resolveria boa parte do problema. O problema é que, muitas vezes o dinheiro dos “porcos burgueses” os cega, assim como a visão “revolucionária” e totalitária dos “loucos comunas”.

sábado, janeiro 06, 2007

Este é um texto de um grande amigo meu, Marcio Zamboni. É um texto mais filosófico, abstrato, do que o "Palavras" mas ainda o considero genial. É evidente que tive de reler algumas vezes para entender, o que ocorre com qualquer textos destes, mas o achei coerente e o acho adequado à este espaço aqui, creio que se encaixa na lógica deste blog. Espero que vocês gostem.

Chico.

contradições políticas:

A filosofia do Medo

"Em verdade temos medo.

Nascemos escuro.

As existências são poucas:

Carteiro, ditador, soldado.

Nosso destino, incompleto."

Carlos Drummond de Andrade

Toda espécie que se pretenda bem sucedida, baseando-se no princípio da seleção natural de Darwin, deve possuir instinto de sobrevivência, alguma força que a estimule a reagir às manifestações da Natureza que comprometam sua sobrevivência, desenvolvimento e reprodução. No Homem, porém, a presença da chamada Consciência Humana, transforma esse instinto orgânico e primordial no Medo essencial. (Basicamente, o medo da morte) E são as diferentes expressões desse sentimento responsáveis ao mesmo tempo pela humanização e pelos obstáculos ao seu desenvolvimento pleno.

A presença da Consciência Humana, que torna o homem capaz de perceber a si mesmo como indivíduo, desvinculado, mesmo que parcialmente, do mundo natural que o cerca, capaz de perceber mais que simplesmente seu meio, mas a sua existência, revela duas verdades que ferem, inquietam, instigam o instinto natural de sobrevivência: primeiro, percebemos que nosso futuro inalienável é a morte, a escuridão infinita, o vazio intenso. Depois sentimos o enorme vazio existencial, a completa ausência de respostas racionais, por mais simples e concreta que fossem, a absoluta inumanidade, desumanidade, anti-humanidade da Natureza orgânica: Simplesmente não somos capazes de sentir no mundo mais do que nos dizem nossos sentidos.

O instinto animal se aprofunda. E o Homem Ama.

Sucede-se a busca da superação dessa realidade anti-humana, a busca pela libertação da consciência perante a Natureza. E essa busca se dá pela aproximação do próximo, pela criação de símbolos, pelo Amor: Pela construção da Cultura.

O desenvolvimento da Cultura enriquece a existência do homem, ajuda-o a resistir às forças hostis da natureza, pelo desenvolvimento da tecnologia. Aprofunda a relação humana (Amor) e conseqüentemente seus pensamentos, suas idéias e utopias, pela construção de uma linguagem falada e escrita. Mais que isso, significa a criação da Liberdade, estado social e coletivo que permite a plena manifestação criativa da humanidade e que significa, essencialmente, a transcendência, mesmo que eternamente parcial, do aprisionamento anti-humano da Natureza, uma vitória sobre o Medo essencial, Único objetivo legítimo da Cultura.

Fica Claro, então, que o primordial motivo do sucesso da nossa espécie seja nossa capacidade de nos ajudar mutuamente, de buscar no próximo e junto ao próximo a transcendência, nossa capacidade de Amar.

Porém, por alguma maldição irônica talvez divina, o Medo essencial também transforme o instinto de autopreservação numa forma baixa, estúpida, inútil, pérfida, hipócrita e covarde de egoísmo.

É impulsionado por esse novo sentimento selvagelmente humano que o desejo de superar o próprio Medo sobrepõe-se ao Amor ao próximo e o indivíduo se torna capaz de corroer a liberdade conquistada coletivamente e distorcer a cultura para obter uma satisfação ilusória e estupidamente inútil do Medo, dando início a um processo antirracional, desumanizador e aprisionador de dominação ideológica, política e econômica sobre o próximo.

Sobre a irracional covardia perante o Medo essencial se sustentam os hediondos atentados à Liberdade que impedem o pleno desenvolvimento pleno das potencialidades do Homem.

Fazendo uma rápida análise da História, vemos claramente sacerdotes maquiavélicos manipulando populações para afirmar sua pureza espiritual, nobres e clérigos intimidando camponeses para convencer a si próprios de que cumpriam um papel destinado por Deus, garantindo sua salvação eterna, capitalistas pérfidos ganhando fortunas para revelar uma predestinação divina, nacionalistas convenientemente atribuindo a uma causa remota todas as suas atitudes, marxistas hipócritas abandonando a individualidade para mudar o destino de uma distante e vaga luta de classes... todos covardes! Todos escondendo máscaras e estúpidas anestesias, lutando por causas inexistentes, com a única intenção de distanciar o vazio que os envolve. E causaram imperdoáveis feridas à humanidade.

Apenas a compreensão da complexidade etérea que o envolve e compõe, aproximando o Homem de sua essência vazia e transformadora, valente, e Amando-o, para que Amando evoluamos, é que podemos superar toda a estupidez que nos aprisiona nesse deprimente e fragmentado mundo pós-moderno.

Apontem para outros covardes seus impotentes porretes policiais, estúpidas espingardas legais e covardes rifles ideológicos.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Bom, está tudo aí. Espero que gostem.
Colocarei agora alguns anexos, imagens na verdade, que eu acho extremamente interessantes.
***
Esta é a capa do outro livro do Charbonneau que eu menciono no texto, é dele que eu tirei o excerto que encerra "Palavras de Ordem"

***Este anexo é o meu favorito. É a planta do Pavilhão do EM, ou seja, do prédio do colegial do Santa datada de 1973. É óbvio que pra quem nunca foi ao Colégio Santa Cruz isso não significa grande coisa mas creio eu que para os seus alunos é algo extremamente interessante. O original tinha letras muito pequenas, ilegíveis quase, e, quando eu digitalizei, decidi melhorar a qualidade colocando tudo direito; achei que o resultado ficou muito bom. Para obter melhor vizualização clique na imagem, ela vai ampliar-se numa página onde só ela aparece.

***
Famoso pôster de "The Wall", imagem inegavelmente influenciadora e simbólica.

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Impressionante pintura de Goya.

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Por enquanto isso é tudo. Ainda estou planejando em levar este blog adiante, veremos.
Palavras de Ordem
9ª versão

Autor: Francisco Carvalho de Brito Cruz

Colaboradores: Silvia Acar, Julia Jardanovski, Thais Bohn, Marcelo Strambi e Marcio Zamboni

ilustrado por Silvia Acar e Francisco Carvalho de Brito Cruz

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Por ex-alunos recém saídos do berço Colégio Santa Cruz.

É melhor tentar do que deixar pra lá. Definitivamente é. Uma boa leitura.

0. introdução

Calma, calma...

Antes de tudo o que será explicado ser lido gostaria de colocar claros meus objetivos com tudo isso para, dessa maneira, você, leitor, entender corretamente as minhas intenções e desejos. Não pretendo gratuitamente criticar a escola, realizando assim um vandalismo literário irracional e obviamente burro pois isso nunca seria lido à sério. Não pretendo manipular ninguém. Não considero este texto uma verdade absoluta de maneira alguma.

Minha ambição com tudo isto é fazer pensar. O desejo é causar um debate saudável, necessário, genuíno e legítimo sobre a nossa comunidade, o Colégio Santa Cruz. Se sou agressivo em certos momentos? Não diria agressivo, diria incisivo. Não acho que tenha sido injusto, mas julgue por si mesmo. Só a sua leitura vai formar sua opinião, evidentemente.

1. O ontem; Projeto & discurso

Uma breve crônica da história. Dados da certidão de nascimento e do desenvolvimento do colégio durante seus quase 55 anos.

O Colégio Santa Cruz foi fundado por padres de origem canadense da Congregação de Santa Cruz em 1952. Seu primeiro prédio, na avenida Higienópolis, logo foi pequeno para a instituição que crescia rapidamente. O ensino de primeira linha para garotos da elite intelectual ganha, em 1953, seu atual espaço; um terreno de 50 mil metros quadrados no bairro quase rural de Alto de Pinheiros. No ano de 1959 chega ao Brasil o Padre Charbonneau, assim como o Curso Experimental adotado neste mesmo ano pelo colégio.

Observe a descrição de Charbonneau no website do próprio colégio:

Padre Paul-Eugène Charbonneau: Chega ao Brasil em 1959 para lecionar Filosofia no Colégio Santa Cruz. Estimadíssimo pelos alunos, transmitiu-lhes a atitude crítica, o respeito à diversidade de pensamento, o amor à vida e às coisas do espírito. De 1965 até sua morte precoce, em 1987, exerceu o cargo de vice-diretor, demarcando os princípios que sustentam a filosofia e a ação educacional do Colégio. Estudioso, arguto, polêmico, sua presença tornou-se perene através de sua obra, extensa, com títulos que abarcam questões relativas à sexualidade, drogas, adolescência, educação, Deus, casamento, ciência e política.”

Fácil de se perceber por aí a importância gigantesca desta figura no colégio. A partir de sua chegada vários eventos demonstram o desenvolvimento do popular “Santa” como instituição de ensino de vanguarda. Em 1966 a educação promovida pelos padres passa a adquirir caráter mais laico e neste mesmo ano o colégio encerra o currículo na forma de semi-internato – é o primeiro passo para maiores avanços, como, por exemplo, a abertura de matrículas para meninas, em 1974.

Desse ponto em diante a escola só cresceu e cresceu. Mesmo com a morte de Charbonneau em 1987 e a aposentadoria de Padre Corbeil – outro grande idealizador do colégio – em 1992, os preceitos inovadores de ensino estabelecidos por Charbonneau – tais como a liberdade com responsabilidade e introdução ao senso crítico aos alunos – continuaram parte da filosofia da escola. O Santa Cruz continuou sua história – os ex-alunos de todas as fases do colégio onde estudamos são nos dias de hoje parte integrante, pensante e poderosa elite brasileira – parte da classe mais alta da maior cidade do país, São Paulo.

2. O problema, o hoje

Bom... Muito bonito, muito legal... A história toda é basicamente esta. É aí que eu gostaria de começar meu raciocínio. Acompanhe-o se tiver paciência.

A sociedade brasileira certamente nunca foi socialmente justa. Não preciso aqui discorrer sobre nossa História pois todos nós já sabemos que desde as famigeradas capitanias hereditárias a renda é concentrada em um pequeno setor da população. É fato também que, apesar da gritante injustiça social, este setor mais privilegiado sempre teve seus meios de garantir sua soberania e a aclamada ordem social. Sempre o que podemos chamar de Governo Central (as autoridades da coroa portuguesa no Brasil, as autoridades imperiais, o governo republicano, o governo populista, o estado militar, a república democrática neoliberal etc) oprimiu as tentativas de subversão na ordem e na estrutura social do país. Se existiram tentativas reais? Muitas – todas fracassadas, massacradas, reprimidas pelo Governo Central. Se existiram mudanças dos grupos que estavam no poder? Existiram, claro. Revezaram-se os sujos e os mal lavados no governo que por quase toda a nossa história esmagou os mais pobres e destroçou suas oportunidades de liberdade e de igualdade.

Mas não quero discutir História. Vamos deixar isso para a Vera, para a Cláudia e para a Dedé. Eu quero discutir o colégio. O colégio e em que pontos essa mesma história do Brasil converge com os ideais do mesmo.

Desde que eu entrei no Santa disseram-me que era uma escola que formava a futura classe dominante do país, tudo isso com conceitos de igualdade, democracia e liberdade. Eu sempre achei o máximo até por que esse discurso é e sempre foi muito compatível com a história das chamadas “elites” do nosso país ao longo da História. Parecia-me lógico que uma geração numa época futura percebesse as injustiças e lutasse implacavelmente contra elas.

Talvez o meu discurso neste texto pareça aos mais velhos uma grande baboseira pseudorevoltada/rebelde-sem-causa infantil. Não descarto essa possibilidade. Talvez seja isso mesmo. Mas a grande verdade é que eu cresci e não acredito mais em Papai Noel.

O papo de formar a “elite pensante” eu engolia quando estava na sétima série – agora eu não consigo mais. Formam a elite, claro, mas pensante? Que elite é essa que o colégio formou nos seus mais de 50 anos que, tendo todo o poder que eu ouvi que tinha, não moveu um dedo para transformar realmente nosso país? Onde está essa classe dominante? Onde está a maioria dessas pessoas durante todos esses anos? Acumulando, acumulando e acumulando. Colocando seus filhos no Santa Cruz para, desta maneira, acumular, acumular e acumular.

Mas muita gente defenderia o Santa e diria que a postura do mesmo em relação à realidade é de transformador e que o colégio forma sim seres conscientes. O problema é a incoerência tremenda entre o discurso e a prática. No discurso tudo são mil maravilhas, na prática não é bem assim. Mesmo o assistencialismo do SAN não consegue fazer esta incoerência passar despercebida. As aulas de religião e ética também não.

Aliás, gostaria de perguntar: qual é a força real que a escola dá para o envolvimento dos alunos com as atividades comunitárias? Sim, o Santa Cruz tem atividades comunitárias, quase todas ligadas ao SAN, mas todas são praticadas pelos funcionários, algumas vezes pelos pais (que são mais ligados à religião) e de vez em nunca pelos alunos – as poucas vezes forçados pelo trabalho de Ética e Cidadania. Um exemplo disso é a porcentagem de alunos do Ensino Médio envolvidos com o trabalho voluntário livre promovido pela escola – de 750 alunos aproximadamente 10 exercitam tal prática, um acintoso percentual de 1,3%. A divulgação do trabalho e a motivação dos estudantes em relação a ele são ínfimas. A questão não é de maneira alguma forçar tais seres a trabalhar pela solidariedade, a por a mão na massa, é, na verdade, envolver os mesmos tornando as atividades que trazem fundos ao SAN, a Feijoada e a Festa Junina, mais próximas aos alunos. A parcela dos alunos do colegial que trabalha em tal festa é ridícula se comparada às dos outros colégios, por quê? Precisamente porque as Festas Juninas de outras instituições tem caráter mais próximo e são justamente organizadas pelos seus alunos. No Santa Cruz é assim? Não! Stands faraônicos doados, organizados e concretizados por gigantescas multinacionais dirigidas pelos grandes empresários formados pelo colégio fazem o favor de deixar o papel do aluno da escola bem claro: “gaste e torre o dinheiro de seus pais consumindo e consumindo, não queira saber pra onde vai o dinheiro, não se interesse – afinal, toda caridade é caridade, apenas gaste!”. É esse o papel que deveríamos desempenhar?

A elite que sai daqui não está nem aí para os problemas reais de nosso país. É claro que existem exceções, mas estas estão aqui pois acreditam na mentira de que o colégio formará o senso crítico nos alunos.

Senso crítico? Piada. Que tipo de senso crítico é esse que mais da metade dos alunos sai do terceiro ano do EM votando no mesmo candidato que os pais querem? O que reina no Santa é o conformismo frente à situação do planeta. A elite atual se volta para os valores idiotas e rotuladores do consumo enlatado da sociedade capitalista. Nada realmente importa, só o acúmulo – só a fachada – só o aparente para se mostrar.

Cultura? Faz-me-rir também. É sim fato que o colégio tem um teatro de primeiríssima linha dentro de seu terreno; mas quando a programação do teatro é colocada para os alunos? Quando estes podem ter desconto num espaço cultural construído a custo das mensalidades? De vez em nunca, não é?

A abertura da nova unidade do Santa Cruz é o símbolo da distorção feita na singela e brilhante obra pedagógica de Charbonneau e seus colegas. O Santa Cruz bilíngüe é a capitalização do nome do colégio e seu feitio é praticamente um manual: “Como destruir uma boa idéia para o país em alguns passos”. E é esse o livro prático que a elite que saiu daqui quer para si. Por que a unidade bilíngüe tem o mesmo nome do Santa Cruz se nem o mesmo currículo, a mesma proposta, ela tem? Capitalizar a marca Santa Cruz? Que iniqüidade dizer isto. Os jovens formados por esta agirão como perante a realidade brasileira? Não seria esta uma manobra da elite santa-cruzense para ampliar seu glamour? Por quê falar inglês? Vamos entrar na economia globalizada como cordeirinhos acumuladores? Estas perguntas podem parecer absurdas mas indago eu a quem acha tais especulações sem valor, inúteis: quantos pagariam o triplo para o filho formar-se no Colégio Santa Cruz? Por quê? Todas estas pessoas estão realmente interessadas que seus filhos tenham senso crítico e possam repensar a realidade que vivem? A resposta é sua.

É interessante perceber o ciclo fechado, a retro-alimentação, que os ex-alunos promovem quando matriculam seus filhos nesta escola que irão, por sua vez, matricular os seus filhos por aqui. Por quê? Será por que o colégio “forma uma elite pensante” ou será por que tal família mostrará seu status social tendo o filho da marca Santa Cruz? Eu percebo a segunda hipótese bem mais sólida e acredito nela assim como vejo a hipocrisia na fala destes pais que realmente nada fizeram contra a situação de extrema miséria e pobreza que muitas pessoas vivem aqui no Brasil.

Voltando à História do nosso país – nada mais natural que um colégio como este. Fingir-se preocupado com os problemas... açucarar o discurso... mas... quando você vai e analisa o final da linha de produção... Seres que agem? Não. Seres conscientes e com a mente cheia de preceitos de igualdade social e justiça? Não. Máquinas de fazer dinheiro (é evidente que existem exceções, se não existissem o Santa Cruz já devia ter mudado de nome, pois não seria nada, nada, o que Charbonneau e seus colegas pensaram).

Eu fico pensando se os pais que colocam seus filhos aqui pensam nisso. Acho que pensam. Pensam em tudo que eu falei. Ou melhor, não. Ah. Não faço a mínima idéia.

Acho que esse texto está muito metralhadora demais. Eu saí atacando a tudo e a todos mas acho isso justificável. Todo um dogma que eu tinha sobre o colégio ruiu nos meus últimos dias nele. Triste. Até por que percebo que as únicas pessoas que se importam com isso não somos nós, os alunos, não é a direção (ou Deus, porque só existe e aparece se você acreditar nela ou cometer algum pecado, infração), não são os pais: são os nossos professores. Mas qual força eles tem frente a um dragão enorme cuspidor de fogo – o Vestibular – e seus filhotes ainda mais temíveis – as pressões dos pais, que são, coincidentemente, clientes do próprio colégio.

Ainda que o Santa fosse um colégio público o diálogo que eu proponho seria possível, mas não é. A escola ser privada acarreta diversos tipos de pressões de seus clientes, os pais – pais estes de uma camada muito “especial” da população, camada esta que não visa o desenvolvimento do Brasil de forma equivalente e justa – ou seja, se o Santa fosse uma escola pública os pais não seriam clientes e não seriam somente de um segmento social da sociedade brasileira, logo, as suas pressões e anseios seriam diferentes, totalmente diferentes. “Mas o colégio não tem fins lucrativos!”. É, mas os pais que colocam seus filhos lá têm sim fins lucrativos.

A Santíssima Trindade se fecha aqui no Santa Cruz. Direção, pais e alunos conformados são a receita certa para a fábrica de falsos burgueses conscientes, na verdade esfaqueadores do sonho do Brasil mais justo. Mas a direção... a direção me intriga. Ela simplesmente não aparece! Você sabia que o colégio tem um consultor de Orientação Educacional mas que este nunca, nunca, tentou entrar em contato com os alunos, seus orientados? Você sabia que a escola mantém um Conselho Administrativo do qual fazem parte importantes intelectuais brasileiros e membros da classe mais alta do país como donos e presidentes de importantes bancos? Aposto que não. Mas também o que interessa, não é, aluno? Não interessa saber aonde realmente você estuda.

O que interessa é a roupa que você vai à próxima festa, não é? O que interessa é que a Mari ficou com o Bruninho, não é mesmo? Dane-se o nosso país, queremos é ficar no mundo virtual do Orkut e do MSN. Parece mais bonito mesmo, parece mais divertido mesmo. É mais legal viver no bonito e no divertido do que no triste e no preto e branco – mas esta é a realidade. Realidade? Então a desprezem se forem capazes. Vivam este mundo sabor tutti-frutti e, quando mais velhos, ganhem seus milhões e coloquem seus filhos no Santa para eles terem justamente a mesma adolescência recheada de boas lembranças; das viagens à Praia da Baleia às festinhas cheias de bebida alcoólica onde vocês brincavam, se divertiam e consumiam fazendo assim rodar e rodar a antiga mas nunca velha engrenagem do nosso amado capitalismo, que tem como conseqüência tanta justiça social e igualdade.

É fato que tudo isso aqui descrito não é exclusivo do Santa Cruz e tem gente que me diz para tomar isto como consolo. O deserto de significados reais, verdadeiros, de ideologia genuína, de espírito crítico atuante no atual pós-modernismo cerca nossa existência. Penso que os poucos que ainda seguram o estandarte de algum ideal, mesmo que mínimo, são dignos de respeito. É muito fácil seguir a corrente, a massa; é muito fácil achar babaca este texto e correr para nossos condomínios fechados, nossas bolhas acopladas, e lá existir; e lá conectar-se à infovia débil mental para sempre. Viver etiquetado: “Fiz Santa Cruz” – emprego garantido, dinheiro na mão, e, numa infeliz maioria das vezes, um nunca dito mas sempre pensado “to nem aí” para tudo o que ocorre na cruel realidade brasileira.

Eu não conheci o Padre Paul-Eugène Charbonneau mas acho que este certamente não compactuaria com tanta distorção dos seus ideais, com tanta conformidade e com tanto conservadorismo. Idéias maquiadas de ensino moderno e humanista. Praticamente uma máquina, uma fábrica de uma burguesia hipócrita com uma fachada bonitinha, que formará grandes acumuladores e concentradores de capital conformados com a crueldade da aberração chamada “realidade brasileira”. Todos eles vestidos de camiseta amarela com o plátano azul estampado, a grande maioria dizendo que se importa com tudo isso mas realmente só se importando com o consumo, com os valores da sociedade capitalista burguesa e com a diversão efêmera alimentada por estes.
3. A Arquitetura da destruição

A forma segue a função. E como segue.

Certamente é sempre dificílimo discutir arquitetura, principalmente entre leigos. O gosto pessoal imprimido nas opiniões as deixam superficiais e pouco analíticas e a cultura do bonito e feio dificulta uma análise mais detalhada de uma construção, de uma obra.

Também não venho aqui fazer um tratado de arquitetura, até por que não sou formado nessa arte. As linhas gerais de meu raciocínio seguem uma postura relativamente neutra(em relação a gosto pessoal) de relatar e observar criticamente os fatos ocorridos com o Santa Cruz físico – este que todos nós vemos e sentimos todos os dias.

O edifício original do colégio, este que estudamos, o colegial, foi projetado na década de 50 pelo arquiteto carioca Roberto José Goulart Tibau. Falecido recentemente com 79 anos, o artista desenvolveu ao longo de sua vida uma trajetória extremamente expressiva dentro do cenário da arquitetura modernista brasileira. Sua carreira foi permeada por projetos de cunho educacional, tanto público como privado, e foi guiada pela chamada “Escola Carioca”, vertente esta que trazia todos os preceitos que cabiam naquele novo colégio: inovação, vanguarda, modernidade e consciência. O resultado foi o prédio onde estudamos.

Muita gente pensa que arquitetura é uma escultura sem significado interpretativo onde por acaso passamos toda a nossa vida dentro – uma mera representação estética com valor superficial. Não é. O espaço age sobre a sociedade e esta molda o espaço como mais lhe convém. No famoso, porém antigo, filme “The Fountainhead” o professor de arquitetura diz ao seu pupilo, já quase morrendo na ambulância numa cena antológica em que os prédios passavam rapidamente ao fundo: “lembre-se, a forma sempre segue a função”. Esta máxima, reparo, nunca deixa de ser verdadeira pois até um edifício que pretende ser outra coisa, tem a forma tentando imitar outra função, adquiri justamente uma função de imitador, de mimetismo.

Passemos então tal máxima do professor ao prédio do Ensino Médio, o chamado Pavilhão Colegial (ou do EM), onde também se localiza a Direção Geral do colégio. Observemos o Pavilhão Paulista (biblioteca e CEI), o “Canadá” (classes do Ensino Fundamental), o Pavilhão Henri Borden (ou do EF). As suas formas tem funções? Seus detalhes têm anseios, preocupações? Um por um cada elemento que compõe o todo tem sim seu papel, tem sim seu lugar na construção – não só a material, a estética, a física, mas também a construção pedagógica dos alunos.

Vocês acham que tudo isso é uma “viagem”? Responda-me então, caro leitor, se realmente para você a ponte, as rampas e o pátio interno do colegial são mera decoração. Nossa! Mas que coincidência esse espaço se ajustar perfeitamente para eventos como os shows no recreio e o carnaval do terceiro ano mesmo depois de cinco décadas passadas de sua construção. Mas que coincidência o corredor onde ficam as salas dos diretores do colégio ter aquela esfera que pede discrição, respeito e silêncio pois qualquer sussurro pode ecoar pelas pedras e ser ouvido por ouvidos dos poderosos. Que coisa curiosa o colégio ter tanto verde, gramados e estes servirem justamente para os alunos despretensiosamente sentarem e aproveitarem a tranqüilidade da natureza! Mas porquê será que o sol é elemento sempre presente nas salas de aula? Qual o motivo de tantos campos e quadras?

Pasmem, tudo é planejado. Tibau em sua obra pensou sim nas rampas, nos pátios, nos gramados, nas escadas e na ponte. A forma moderna, a forma que todos vocês conhecem, serve perfeitamente à função de escola de vanguarda, de escola moderna, de instituição fora dos padrões normalmente rígidos de disciplina. A fachada ampla, horizontal e paralela apresentada, por exemplo, no Pavilhão do Ensino Médio denota e ajuda a passar como que o Colégio Santa Cruz foi planejado. É fácil perceber a diferença entra uma arquitetura de uma escola ditadora, rígida e conservadora e a arquitetura de Tibau concretizada no edifício santa-cruzense sobre o qual falamos. A diferença entre um frio pátio de pedra vigiado por câmeras, bedéis e pela diretoria da escola e um outro em simbiose com um jardim florido e livre das amarras da rigidez acadêmica doentia se não é gritante é, pelo menos, evidente.

Prova mais do que explícita de todos estes argumentos são as próprias palavras de Charbonneau. Em seu livro A Escola Moderna – Uma Experiência Brasileira: O Colégio Santa Cruz[1]o padre disserta exatamente sobre este assunto, dedicando à este um tópico na sua descrição do colégio. A escola: As estruturas físicas[2] evidencia a preocupação dos fundadores com a arquitetura da escola. O autor ressalta a importância de praticamente todos os fatores que compõe o Santa que temos hoje: o sol[3], a natureza[4] e a própria sensação de liberdade[5]. O que já é claro e concreto nas vigas, janelas e paredes do nosso colégio projetadas por Tibau é nessa obra escancarado por Charbonneau. A análise é concisa e vai direto ao ponto – antes a escola era opressora, fria e severa, de desenho rígido; agora não. O Santa Cruz deve inaugurar a escola como sendo um ambiente antagônico à “este ambiente que só podia suscitar uma repugnância natural e, em conseqüência, muitos entraves psicológicos”. A escola, como diz o padre citando Gerard Vincent, deve ser a “segunda casa dos meninos”.

Mas nem tudo é maravilhoso no Santa Cruz, como venho dizendo neste texto. Há algo de podre no Reino da Dinamarca. A burguesia que quer seu filho com a marca “Santa”, a grife da camiseta amarela, e as pressões que esta mesmo faz pelos pais pertencentes a ela começa a mudar a função do colégio. Todo o tipo de alteração e de decadência dessa função vai – Inexplicavelmente! – modificar a forma do colégio.

O bizarro toldo de plástico na frentes das janelas das classes do terceiro ano e acima da cantina. A cimentação de gramados. A colocação de grades inexplicáveis. A cobertura plástica que avança sobre o sol dos terrenos do Ensino Fundamental. Tantas medidas podem exemplificar a modificação, ainda prematura, da forma física do colégio. É incrível como inacreditavelmente o toldo impede a visão do pátio e do sol e ,portanto, a distração com a atividade externa, com o ar livre. É espantoso que (óbvio que ninguém pensou nisso) a impermeabilização de áreas gramadas impede os alunos de se aproveitarem das áreas verdes do Santa Cruz – praticamente uma marca registrada de seu nome. Mas que engraçado que as grades colocadas sem explicação limitam o espaço dos alunos à justamente as áreas cimentadas e que as mesmas impedem a entrada dos estudantes em espaços dos mais variados possíveis. Curioso? Factual.

A verdade é esta: a decadência da obra de arquitetura de vanguarda feita para um colégio de vanguarda. O fortalecimento de idéias e de valores de certa maneira conservadores na parte do ideário fixo e concreto do Santa Cruz. A verdade é a crescente contradição entre o que Charbonneau dizia que o colégio deveria ser e o que ele está se tornando. A incoerência das linhas modernas – anseio de liberdade – de Tibau e dos cimentos, asfaltos, grades e inexplicáveis toldos que surgem do nada. A escola “cercada de asfalto e esmagada, de todo o lado, por outros edifícios” negada pelo padre surge e a comunidade, inacreditavelmente, acompanha calada.

E, enquanto isso, o escritório UNA, composto por jovens arquitetos talentosos, que vira e mexe está na mídia, nos jornais, e que parece fazer esforço para isso, concretiza e finaliza o projeto arquitetônico da Unidade II do Colégio Santa Cruz no Butantã, a famigerada e discutida Unidade Bilíngüe. As linhas modernosas conseguem maquiar a arquitetura modista ou só a explicitam? É melhor parar – vou acabar entrando no território gosto-não-gosto.



[1] CHARBONNEAU, Paul-Eugène (1925-1987); A escola moderna, uma experiência brasileira: O Colégio Santa Cruz. São Paulo, EPU, 1973.

[2] Pág. 37-40

[3] (...) É fenômeno conhecido que o sol gera alegria.(...) – pág. 39

[4] (...) Uma escola, cercada de asfalto e esmagada, de todo o lado, por outros edifícios, que formam uma floresta de pedras e cimento, toma o aspecto de jaula. Que de seu lugar, no meio da sala de aula, o menino possa sentir o perfume de um oásis verde e repousar a vista na multiplicidade multicolor das flores de um jardim, é um fator que pesa. (...) – pág. 39

[5] (...) Não se pode definir melhor a escola: a segunda casa dos meninos: Para isto é preciso que ela tenha dimensões humanas e irradie certo calor; que seja atraente no sentido próprio do termo, isto é, que atraia o estudante de modo que ele venha para ela com alegria; que ela seja organizada de maneira a dar uma sensação de liberdade, e que nela ninguém se sinta comprimido e privado de toda mobilidade. (...) – pág 38

4. Comentários sobre uma realidade decadente

Qual é o contato que você tem com a direção? Leia e descubra algumas posturas surpreendentes.

Sei que já abordei o assunto “direção intocável” mas ele é necessariamente recorrente devido ao fato da direção ser justamente a instância máxima de macro-decisões do colégio, de poder. Sei também que já comentei mas vale lembrar as condições quase divinas da mesma, que, como profere o ditado: “você precisa acreditar para eles existirem, tenha fé!”. A verdade já está escancarada no brado dos alunos que manifestam um distanciamento entre esses setores de nossa escola.

Em busca de um contato, mesmo que indireto, com a direção observo no Plano Diretor 2006 uma seção chamada “Palavra do Diretor”. Nesta espécie de capítulo do edito, Luís Eduardo Cerqueira Magalhães expressa suas idéias (que sintetizam as idéias do corpo diretivo) e suas perspectivas em relação ao colégio, assim como os projetos futuros e a implantação de novas medidas. Neste ano o assunto que norteou a “Palavra do Diretor” foi a nova organização serial que irá ser inaugurada pelo colégio na qual o Ensino Fundamental passará de 8 para 9 anos. A nova organização prevista por uma recente lei evidentemente será também adotada aqui no colégio. Atente não ao fato dos 8 anos de Ensino Fundamental agora serem 9 e sim às justificativas as quais nossa direção recorreu para justificar o fato e elogiar tal medida.

As opiniões colocadas por Magalhães neste texto são bastante explícitas. Seguem aqui alguns excertos numerados, os quais analisarei após apresentados seguindo sua numeração.

Trechos:

I. Em complemento a esses dados relativos à organização serial, há um argumento mais afeito à área da psicologia e filosofia educacional. Os especialistas confirmam a dificuldade atual, cada vez mais acentuada, de se conseguir que os adolescentes estejam tão maduros do ponto de vista psicossocial — vale dizer, de sua autonomia responsável, do seu compromisso com os projetos presentes e a perspectiva de futuro — quanto do ponto de vista do potencial cognitivo e da busca por experiências mais adultas. A “imaturidade contemporânea”, ou a “adolescência prolongada”, torna complexa, por exemplo, a abordagem de temas sociais e existenciais e a proposta de debates e leituras sobre política, especialmente a partir da puberdade.”

II. “A violência, a fragilidade dos valores da sociedade urbana e a reorganização familiar contemporânea nos incitam, como educadores e como pais, ao abraço, à proteção e, de certo modo, ao adiamento dessa autonomia que, nas gerações anteriores, de 70 até meados de 80, era muito mais precoce. Não é possível nem sensato forçar a “idade da razão” com um súbito abandono. Estender um pouco mais a permanência dos alunos na escola, com um trabalho educativo intensamente voltado para o projeto da autonomia responsável, talvez seja o caminho mais promissor. Paralelamente a essa questão, é preciso atentar para a forma como se tem operado o ingresso de nossos alunos no curso superior. Temos avaliado que a opção profissional por meio da universidade se revela, para muitos, insegura, contingencial, precária. O retorno dos jovens ao colégio depois do ingresso na faculdade mescla orgulho pela conquista e nostalgia da segurança anterior. A liberdade desejada e adulta da universidade por vezes tem sabor de desamparo e despreparo para as decisões.”

III. “Uma circunstância de outra ordem se alinha às anteriores. Em setembro passado, fomos impedidos de realizar a segunda parte do teste de seleção para a 1ª série na data prevista. Enquanto esse processo ficou pendente, porque uma parte do teste já havia sido aplicada, pudemos viver, com os pais e as crianças, o desgaste e a tensão causadas pelo futuro incerto. O teste para a 1ª série sempre foi uma ação importante, por ultrapassar o aspecto da avaliação pedagógica e incluir uma dimensão ideológica. Se o Colégio Santa Cruz se limita a receber filhos de ex-alunos e irmãos de alunos, a tendência é o fechamento em uma comunidade pouco permeável às transformações, com restrito conhecimento de outras famílias e experiências. O ingresso de crianças na 1ª série — na 5ª série a seleção é muito restrita — reorganiza e revivifica a comunidade do Santa Cruz. Novos pais, diferentes pré-escolas e experiências nos enriquecem, além de favorecer famílias que nunca estudaram aqui e têm o direito de fazer escolhas fora do seu circuito e de sua história anterior.

Desse modo, a proibição do teste — fundada nos argumentos de que crianças com sete anos não podem ser submetidas a um processo de seleção, porque isso é extremamente traumático, e a matrícula por mérito é discriminatória — fecha a possibilidade de disponibilizar as vagas a crianças de fora.

Enquanto se mantinha em aberto a resolução legal, a direção do Colégio precisou levar em conta essa nova realidade e tomar decisões. A suspensão do teste colaborou para a antecipação da implantação do novo sistema: abrimos mais classes nas séries da Educação Infantil e adiamos a recepção de novos alunos para as séries intermediárias do Fundamental 1, quando o processo seletivo não seria considerado “traumático”.”

Comentários:

I.

O nosso diretor aborda neste trecho uma justificativa pedagógica para a nova organização serial. O interessante é como ele nos vê despreparados em relação ao passado e como indica a “recente” (assim ele a descreve) dificuldade de se conseguir que os adolescentes estejam tão maduros do ponto de vista “psicossocial” quanto do ponto de vista da busca de experiências adultas. Admito sim que interpreto tal texto, mas me parece óbvia a colocação do jovem moderno, do aluno do Santa Cruz, como crescente incapaz alienado que não deve de maneira alguma entrar em conflito com o conceito oposto. A falta de confiança na capacidade deste jovem e o conformismo de que a puberdade o impossibilita de vivenciar momentos de discussão política e social povoa o pensamento contido neste excerto e liga-se justamente à idéia do aluno conformista e intocado pelo conflito político ou pelo idealismo. É o exemplo da conivência da direção com esta situação?

Pode ser dito que de fato o jovem de hoje é assim e que Magalhães simplesmente descreve uma realidade. O jovem de hoje pode sim ter este perfil, mas ele tem as mesmas potencialidades em todos os aspectos de um jovem de qualquer época. O que falta é avivar tais potencialidades e transformá-las em realidade.

II.

Observa-se aqui uma postura clássica da sinestesia entre os anseios e desejos dos pais e os mesmos da Direção Geral. Essa atitude de suposta proteção ao invés do contato com a realidade e de citar a “violência, a fragilidade dos valores da sociedade urbana e a reorganização familiar contemporânea” abre um espaço gigantesco para um conseqüente conservadorismo e pragmatização, destruição do idealismo de Charbonneau e dos padres fundadores. É o discurso que continua insistindo na falta de capacidade, responsabilidade e de visão do jovem de hoje em relação ao de ontem. Adiamento da autonomia? Por que?

Essa parte exemplifica, mesmo que sutilmente, exatamente o que a Direção acha e pretende do aluno do Santa Cruz: um conformado, sem autonomia, sem ideologia própria, um burguês sem consciência que visará o acúmulo e a concentração de capital durante a sua vida – perpetuando assim os problemas de uma realidade que este “entrou em contato”. Protegendo-o da realidade sombria do modo predatório, projetista e anacrônico dos pais a escola criará então produtos perfeitos para a retro-alimentação santa-cruzense tão querida. Este estudante só estará preparado para um mundo – o perfeito, o que ele vive recluso, feliz e se divertindo, a bolha, a realidade cor-de-rosa. E como ele agirá perante a realidade de verdade. A marrom, a cheia de defeitos? Este é o ponto. Agirá?

III.

Na verdade escolhi este excerto somente por uma palavra. O autor reconta e disserta a respeito da polêmica dos testes da primeira série, proibidos de serem realizados por decisão judicial – no caso pelo Poder Judiciário considerar traumática a experiência de competição acirrada presente no famigerado teste. A palavra, na verdade os sinais de pontuação colocados neste vocábulo, que me deixaram abismado são as aspas usadas em traumático, na última palavra do trecho.

Não quero discutir pedagogicamente tal atitude e nem colocar minha opinião sobre o assunto mas a ironia sutil e inacreditavelmente cruel que chega junto com as aspas é inegável e espantosa. Sendo ou não traumática a experiência a tentativa do nosso diretor de ridicularizar o ponto de vista oposto ao seu (que defende os testes) é, se não é desastrosa, extremamente atroz e agressiva.

Indigno-me não pela postura adotada por ele em relação ao teste pois de certa maneira esta é sua opinião e acho que cabe um debate mais amplo sobre isso. Minha indignação volta-se às aspas. As cruéis aspas que ridicularizam a possibilidade de uma criança de 6 anos sofrer uma provação traumática durante um teste que verdadeiramente é concorridíssimo. A criança não pode nem se defender, o debate não precisa nem ocorrer? Para o autor seria esta opinião supérflua, a discussão, de certa maneira, desprezível?

Bom, se para a Diretoria de uma escola que preza o diálogo um debate educacional desse porte é pouco evidente ou detém um valor insignificante a ponto de ser ironizado algo estranho sim acontece aqui no Santa Cruz. A ironia não precisou ser planejada e pode até ser negada, mas que ela existe, existe.

Talvez realmente essa posição cruel não seja a real posição do autor. Acho verdadeiramente difícil nosso diretor não se importar com as crianças – o fato, porém, é que as aspas estão colocadas e seu sentido (obviamente não explicitado) pode ser interpretado de qualquer maneira, como, por exemplo, essa posição bastante sarcástica, moderando a linguagem.

***

Pensei muito se o recorte feito por mim poderia se mostrar tendencioso, panfletário. Li e reli o texto e, talvez cego pela minha avidez por significados, não pensei que tenha cometido tal deslize. Se você leitor tem dúvida das palavras da nossa diretoria, se você acha que realmente posso estar sendo leviano em meu recorte é fácil descobrir se estou. Plano Diretor de 2006, A Palavra do Diretor, páginas de 5 a 8.