quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Marcelo Coelho, blogueiro e colunista fa FOLHA queria escolher a escola do filho. Fala muito do Santa. Volto depois pra comentar e posto em seguida suas palavras retiradas de seu blog.

escolhendo a nova escola

Não fujo ao bom senso dizendo que escola tem de ser perto de casa; e que, por menos “elitista” que seja a nossa ideologia, na hora de escolher uma escola para os filhos seria tolo não procurar as mais conceituadas.

Meu filho de seis anos, depois de experiências ambíguas na sua educação pré-escolar, chega na idade de entrar no que antigamente se chamava primeiro ano do primário, e agora atende pelo nome de segundo ano do fundamental.

Deve entrar numa escola na qual ficará até o colegial, ou talvez até a faculdade.

Na minha região, e na minha faixa de renda, várias escolas poderiam, em tese, acolhê-lo. Há, por exemplo, o Vera Cruz, o Santa Cruz, o São Domingos e o Carlitos.

naliso brevemente alguns dos fatores em jogo.

Devo dizer, a título preliminar, que odeio todas as escolas. Sei o quanto há de burrice e violência em todas elas. Sofri muito com a opressão que a maioria dos alunos exerce sobre a minoria dos que querem acertar, dos que levam a sério as responsabilidades do estudo, dos que procuram se interessar pela matéria.

Fiz o quarto do ano do primário no Vera Cruz. Naquela época, o Vera Cruz não prolongava o ensino até o ginásio e o colegial.

Saído de uma escola fascista, o Dante Alighieri, surpreendi-me favoravelmente com o grau de liberdade que era concedido aos alunos do Vera Cruz.

Era uma vida mansa de funcionário público. Toda segunda-feira, havia uma série de liçõezinhas mimeografadas que a gente podia escolher numa espécie de escaninho ao lado da lousa.

Você fazia as lições, entregava, e estava com a vida feita. Aconteceu-me de terminar todas as lições numa manhã de quarta-feira. O resultado é que, nos dias seguintes, eu ganhava um recreio adiantado: duas horas e meia de lazer até ser chamado de novo para alguma prática de grupo –onde teria de tolerar, coisa que fazia mal, o atraso de meus coleguinhas.

A vantagem de um esquema liberal desse tipo é que você sente menos a opressão dos adultos. A desvantagem é que, quanto menos assustadores os adultos, mais violentos e invejosos se tornam os meninos de sua idade.

O Vera Cruz foi, em todo caso, um motivo de lembranças razoavelmente amenas para mim.

Decepciona-me, agora, o fato de que o sistema de apostilas se tornou cristalizado até a oitava série. Ou seja, antes do colegial, pelo que me informaram, nenhum livro didático é adotado na escola.

Como assim? Não existe coisa mais confiável e prazerosa do que um livro didático. Por mais que tenha falhas, e seja superficial, confere uma segurança ao aluno. Qualquer coisa mal-explicada pelo professor pode ser conferida ali. Se eu quiser me adiantar ao conteúdo das aulas, o livro me traz as informações de que necessito.

Um livro é sólido, objetual, encadernado. Apostilas se espandongam no meu fichário. Transmitem-me uma idéia de confusão, e de dependência perante o professor. Não, isso foi decisivo para que eu rejeitasse o Vera Cruz como escola de meu filho.

Continuo depois.

PS- Não gosto de usar o termo "fascista" a torto e a direito, só para caracterizar sistemas de pensamento que não aprovo. Como o Dante Alighieri tinha muitos italianos, acho que houve também um certo preconceito nessa adjetivação. Eraum colégio autoritário, massificante e atrasado, mas retiro o "fascista".


escolhendo a nova escola (2)

Estudei no Colégio Santa Cruz de 1971 a 1976, e imagino que, naqueles anos, alguma espécie de compromisso político tenha sido feito de modo a acomodar professores de esquerda dentro do corpo docente, abrindo concessões a direitistas em diversas disciplinas.

O resultado é que o ginásio, de modo geral, tendia para o apoio ao regime militar, e o colegial “abria a cabeça” dos alunos.

Na sétima e na oitava série, o professor de Geografia entregava-se a rasgados elogios ao presidente Médici. No colegial, os professores de Geografia nos ensinavam materialismo histórico, com esquemas sobre forças produtivas, relações de produção, etc., ou então passavam textos do jornal “Movimento”.

Um arranjo desse tipo é plenamente compreensível. Mas o preço, no que diz respeito à qualidade do ensino, tornou-se muito alto. No ginásio, os professores eram de modo geral fracos, inseguros ou corocos. Os que faziam mais sucesso, salvo duas honrosas exceções, em Ciências e História, eram autoritários, terroristas e covardes.

Covardia é o termo mais exato, na minha opinião, para a atitude de qualquer professor que pegue um menino de onze, doze ou treze anos, e pela violência verbal o faça chorar. Naturalmente, não são os tipos mais delinqüenciais que são submetidos a esse tipo de tratamento. Nem os bons alunos. Pega-se aquele tipo médio, meio obscuro, que por acaso se meteu em alguma enrascada ou que fez uma piada fora de hora. Havia exemplos disso mais ou menos uma vez por mês no Santa Cruz.

Fruto de um misto de ambigüidade e arrogância que faz parte, acho, do DNA daquele colégio.

O tempo todo os professores faziam propaganda da própria escola. “Estamos formando as elites do país”, “vocês são a elite”, é um privilégio estudar aqui, esse tipo de coisa se ouvia o tempo todo. Não é a mensagem mais saudável que se possa dar à quantidade de filhos de banqueiros, industriais, comerciantes, grandes advogados, etc., que estavam ouvindo tudo aquilo.

Não havia só ricaços. Mas estes, de modo geral, deixavam bem clara para os demais a sua condição. Cartas de cobrança de mensalidade atrasada eram entregues aos alunos do ginásio em plena sala de aula. Claro, ninguém dizia, mas todos sabiam, que era disso que se tratava.

Certa vez, o vice-diretor do ginásio entrou em classe com uma cartinha dessas. Todos os alunos se puseram a escarnecer do menino que a recebeu. No meio da confusão geral, um daqueles garotos obscuros, em quem ninguém prestava atenção, criou coragem e gritou “caloteiro”!

Foi a deixa para o vice-diretor dar a sua liçãozinha de moral. Investiu contra o garoto xingador, sob o silêncio aterrorizado da classe. “Mesmo que ele fosse caloteiro, coisa que ele não é, ele seria melhor do que você está sendo agora!”

O menino, que simplesmente seguira a onda da classe inteira, tornou-se bode expiatório da mesma classe que pensava exatamente como ele.

Gostaria de ter levantado a mão e dito: “por que não entregam a carta no endereço dele, em vez de fazer isso em público?” E por que dar uma lição importante de moral usando o terror, de modo a responsabilizar apenas uma pessoa por uma canalhice coletiva?

Não era eu o caloteiro, nem fui eu quem o xingou. Eu ficava em silêncio nesse tipo de manifestações coletivas. Fiquei demais em silêncio naquele colégio. Gostaria de ter estudado num lugar que não premiasse a covardia moral; desta, tínhamos exemplos quase diários no Santa Cruz, dados por professores e alunos. Continuo depois; quem sabe escrever sobre isso tudo me tire um pouco do rancor, do qual peço desculpas a quem me leu até aqui.


escolhendo a nova escola (3)

Continuo a falar das “escolas de elite”. Apesar de ter grandes professores no colegial, o Santa Cruz (onde estudei de 1971 a 1976) era muito falho numa área em que, teoricamente, deveria ser ótimo. Refiro-me ao curso de Filosofia.

Embora eu fosse bom aluno, o fato é que cheguei à faculdade ignorando tudo o que de fato é relevante nessa matéria. Isso se deve à orientação religiosa do colégio, que fez do curso de Filosofia uma espécie de “trajeto” que saía da angústia existencialista para chegar à fé de Teilhard de Chardin. Jogavam-se nas mãos dos alunos livros de Kafka e de Sartre, alimentando o ego pretensioso dos que se julgavam “elite”, para depois impor uma suposta “solução”, que ninguém nunca entendeu direito, em torno das concepções católico-científicas de Teilhard de Chardin.

Isso podia ser apenas idiossincrasia do “filósofo” de plantão, o Padre Charbonneau, que de vez em quando aparecia para dar conferências a que todos assistiam boquiabertos. Duvido que entendessem alguma coisa; eu pelo menos, que era dos mais cdfs, nunca retive daquelas ocasiões mais do que a imagem de um rosto que se avermelhava, avermelhava, chamando Sartre de “raposa velha”. Como se aqueles padres não o fossem.

Mas o problema não é a idiossincrasia, é a ambiguidade de um colégio que se dizia liberal mas não era, e que era de padres mas não era. Tínhamos, assim, aulas de religião todos os anos do ginásio, só que sob o nome de “Animação Espiritual”. Tínhamos um sistema rígido de avaliações, só que se usava conceitos em vez de notas numéricas. Líamos, supostamente cultos, Sartre e Kafka, para depois escrever em cima das coxas trabalhos criticando os dois autores a partir de uma obscura filosofia cristã.

Tínhamos a propaganda de que o colégio era liberal, enquanto professores bons ou ruins impunham terror na classe, e um professor de ginástica era adepto de castigos fisicos para quem chegasse atrasado ou com a blusa para fora da calça.

Uma vez, os alunos se revoltaram contra o famoso “corredor polonês” que iniciava toda aula de Educação Física. Recusaram-se a bater nos colegas. O efeito foram cinquenta minutos de abdominais, flexões e polichinelos, o que dissuadiu para sempre a classe de qualquer resistência ao sistema anterior.

No colegial, isso terminou; supostamente mais “adultos”, os meus colegas se dedicavam a intimidar os alunos menores. Certa vez, promoveram uma festa do ovo, na qual um menino de sete anos mais ou menos foi atingido sistematicamente. Nessas ocasiôes, ninguém mais do que eu aprovaria uma reação das mais autoritárias e terroristas contra esse tipo de molecagem. Houve um sermãozinho espantosamente compreensivo e só.

Talvez fosse esse mesmo o objetivo: é com essa hipocrisia que se aprende a ser elite, no Brasil ou em qualquer outro lugar.

Nenhum comentário: