domingo, março 30, 2008

34.



Você não está mais lá?

Não sou cinéfilo e não gosto que filmes tenham mais do que 90 minutos. Reclamo, viro cricri. Tenho memória curta e quando o filme é muito longo para mim é muito difícil relembrar o começo e dar um nó de coesão no final. Acho que eu sou bastante leigo em cinema na verdade, bastante desentendido. De qualquer maneira isso não é motivo pra eu num ver filmes e, às vezes, quando metido à besta, não é motivo pra eu dar uma palavrinha sobre eles.
Não estou lá (I'm not there), o filme de Todd Haynes que fala sobre Bob Dylan, é a bola da vez. Fui vê-lo com expectativa na parte musical e com uma expectativa bastante grande pra tentar achar ali um Bob Dylan que eu não entendo, que faz no começo de carreira "fingerpoints songs"("canções de dedos em riste", de protesto) e depois as nega, se distancia do espaço músico-político diferentemente de Joan Baez, que continuou ativista até os dias de hoje e que continuou portanto acreditanto no potencial político de uma música.
"This machine kill facists" diz o gravado no violão da anacrônica faceta de Dylan Woody Guthrie, menininho que vive fora de seu tempo e tem o nome copiado de um cantor de Blues que apodrece no hospital. É esse o argumento do filme: a máquina que mata fascistas já não passa de um violão velho, a inscrição nada mais do que uma velha marca de caneta que prenuncia uma ilusão.
A relação íntima e latente em Dylan (no filme nas suas diversas facetas) entre músicas e luta política se divide em dois momentos - o primeiro, atrelado à figura de Joan Baez, mostra o Dylan do folk music simplório, humilde e engajado, o segundo o cantor incrédulo com a ligação possível entre música e luta. Numa fala muito interessante Jude Quinn, o Dylan-fantasma interpretado por Cate Blanchett, diz:
You know, I didn't come out of some cereal box. There's no one out there who's gonna be converted by a song.(...) The songs are acts of personal conscience (...) doesn't do a damn thing except disassociate you and your audience of all the evils of the world. I refuse to be disassociate from then.
Que fala genial. Ela traz uma questão seminal a respeito da arte e da política - a visão de músicas como atos de uma consciência pessoal e que elas de nada adiantam no campo político pois dissociam o cantor e a platéia dos males do mundo é valiosa para entendermos a postura desse Dylan quando ele rompe com a tradição folk e para de compor "fingerpoints songs".
Para que compor tais músicas, qual a sua função e utilidade? De fato são símbolos, mas até que ponto não passam de jeitos de nos proclamarmos revolucionários e anti-sistêmicos e estarmos, ao mesmo tempo, deixando de lado a vivência política concreta. As músicas são jeitos bonitos de vivermos a política, líricos e extremamente cults, mas seriam momentos reais de mobilização? Essa noção de dissociação ilusória dos males do mundo é emblemática e até certo ponto representa o quadro geral da geração que Dylan fez parte - essa geração que fez o barulho maior que o Universo, mas que deixou na mão da minha geração um mundo bem diferente do pregado. É uma geração cansada. Dá a impressão de que mergulharam tão cegamente num lago muito frio e que, por sentirem muito frio mesmo, saíram poucos segundos depois. Agora não querem deixar que os filhos coloquem o pé na água gelada. O único problema é que é nesse lago que estão os peixes mais importantes a serem pescados.
Muito interessante quando o filme propõe a visão de que a visão do artista sobre sua própria obra nem sempre é compreendida e o que é esperado dele muitas vezes é algo que seu gênio não quer responder.
Acho patético artistas quererem ser aquela coisa despirocada, furacões nonsense pós-modernos, mas como recusar o fato de que a produção artística transcende sim a política formal e se embrenha em linhas mais profundas do nosso ser, ser que é político e que está situado na história, mas ser que também tem reações, emoções, sentimentos complexos e que não é e nunca será uma maquininha ou uma coisa - seja uma maquininha de trabalhar, seja de militar; seja uma coisa de trocar, ter ou venerar.
É um filme que eu fui pensando que ia tomar mil vezes Blowin' in the wind na cabeça e saí com a mesma doendo por outros motivos - porque meu ídolo parou de acreditar nas coisas que eu acredito hoje? Ele não está mais lá.



3 comentários:

Unknown disse...

eu vi esse filme assim que eu fiquei sabendo que ele exisitia: fui na mostra, fiquei 3 horas na fila pra comprar o ingresso.
cara, o bob dylan!
entao, isso aqui é um comentario de alguem que bom.. talvez nao seja a melhor pessoa pra falar do bob dylan.
esse filme particularmente me agradou pra caramba e dialogou bastante comigo.
primeiro, quanto a imagem dele como cantor de protesto.. mesmo nos anos 60, quando ele era conhecido como tal (rotulo que outro dia mesmo a folha de sao paulo usou pra classifica-lo)ele nunca esteve lá. literalmente. ele nunca foi aos protestos. ele nunca procurou se justificar, levantou bandeira alguma.
quanto ao conteudo das letras... acho que este perdura até os dias de hoje. é só ouvir workman' blues, do ultimo cd dele.
o mesmo bob dylan que cantou essas musicas, imitava o james dean, idolatrava o woody e depois cansou do folk. confundiu o rimbaud. flertou com o cinema, com o cristianismo, inventou uma historia sobre a sua infancia, escondeu as raizes judaicas, retornou ao judaismo, casou, teve filhos, se divorciou, teve um casinho com a joan baez (que serio, foi beeem menor do que anunciam por ai. principalmente, bem menor do que ela anuncia, fez discos ruins, fez discos bons...
o bob dylan que, antes de qualquer coisa, criou algo maior do que ele.
e por isso mesmo, ele nao está aqui.
e nunca fez questao de estar.
e pra mim.. sei la, isso faz sentido e eu enxergo um bando de coisas nisso.
e eu acho o cara genial. o cara-mito, o cara que pode estar por tras do mito, quem sabe. o cara das contradiçoes.
entao.. eu nao consigo olhar ele por um prisma. por uma visao, tentando situa-lo ou dizendo ele foi e ele é.
é o bob dylan. ele criou blind willie mctell, uma das letras mais maravilhosas que eu ouvi até hoje (Ok, com o sam shepard!). ele foi indicado ao nobel de literatura.
se ele está aqui ou nao..? eu nao ligo, porque eu to.

muriel disse...

o mais legal de caras como o bob dylan é que eles se reinventam e mudam muitas vezes. O problema é que a audiência e a crítica às vezes não conseguem (ou não querem) acompanhar a mutação.

Porém, devo admitir que "vivência política concreta" é uma expressão que não me agrada, especialmente porque algumas pessoas (acho que não é o seu caso, chico) têm uma visão demasiado estreita e utilitarista do que seria "concreta". E o legal é que a música, assim como a arte em geral, subverte isso.

Ah, nonsense pós-moderno pode não ser tão ruim. Primeiro porque muitas vezes o chamado "nonsense" é, no fundo, a única coisa lúcida que faz sentido; segundo, porque cada vez mais eu acho que é impossível viver na atualidade e não ser pós-moderno. Mas isso é outra discussão.

Anônimo disse...

adorei a analogia do lago!
é exatamente o que penso, mas nunca soube como expressar!
oh, chico, você é demais!