terça-feira, abril 08, 2008

35.


Uma grande falácia perigosa

Ou como estragar o Movimento Estudantil

É interessante que na Faculdade de Direito a gente ouve muita coisa, muitos discursos meio bizarros - especialmente na chamada "política acadêmica", que é o jeito que chamam o Movimento Estudantil (ME) lá pelas Arcadas. Tem gente que prega a monarquia, tem outros que alopram geral e soltam uma publicação racista pra fazer "piada" e ainda podemos observar aqueles outros que, não tendo mais o que fazer, vão nos debates e resolvem literalmente cuspir fogo.
Claro que existem outros lados desse prisma que são mais sérios (ou que tentam ser) e que apresentam para o corpo de alunos uma proposta minimamente coesa de representação, em especial no que diz respeito à disputa política pela entidade representativa dos alunos, a saber, o Centro Acadêmico "XI de Agôsto". É rala a compreensão de que se trata de uma briga por poder, pois o conflito transcende e deve transcender o carguismo ou o oportunismo (mesmo não transcendendo às vezes) e se coloca num embate de projetos de representação e ação política perante os espaços ocupados pelos estudantes (sociedade, discussão sobre educação, ME) de Direito (debates na e da Faculdade) na USP (logo, ME da USP).
Todos esses viéses de compreensão da política estudantil encontram resposta na e da Faculdade e a influenciam e transformam de maneiras e intensidades diferentes, com orientações evidentemente diferentes. Na minha opinião algumas dessas correntes são, no mínimo, mancas e enfadonhas e, verdadeiramente, completamente tacanhas, conservadoras e subservientes à projetos de Universidade e Brasil sem compromisso com a igualdade e com a emancipação popular.

Falo especificamente de um discurso muito comum nas Arcadas caracterizado pela idéia de que o Direito pode e deve passar a ser ferramenta essencial do ME para ele se renovar perante os a atualidade e que, sendo o XI o Centro Acadêmico da Facudade de Direito, nada mais natural que esse lidere o movimento nas suas ações que encontrariam ou tentariam encontrar espaço por e pelas normas. O Direito, em todos os sentidos que cabe a expressão, transformaria a realidade e nele se daria a luta política. As leis e os procedimentos adotariam roupagem progressista e a norma seria a forma da emancipação.
Aos que pensam assim faço um desafio: que me mostrem uma situação histórica onde a mudança legal, jurídica, foi mola propulsora do movimento e da luta política e social. Provavelmente por ignorância eu vejo pouquíssimos senão nenhum exemplo. Não é possível criar regra fatalista na História sem cair em simplismos, mas é possível identificarmos tendências. O Direito não é e nunca foi meio. Ele não é e nunca deve ser fim. Ele é conquista - e só é conquista verdadeira se existem mecanismos para assim se tornar eficaz. O Direito não transforma, ele é transformado. O Direito não é sujeito transformador da sociedade, muito menos seus operadores se eles não souberem responder às demandas que a realidade traz e não se colocarem como parte dela.
Lutar pelo Direito não é fazer política "nos termos corretos" pois a política não se dá nos termos do Direito quando tratamos de vontades materiais e concretas por conquistas reais, substantivas e substanciais. O que deve ser feito pelos estudantes em sua maneira de protestar e contestar um "Estado de Direito" que muitas vezes se apresenta opressor e aliado à explorações capitalistas não está no Direito. Ele não vai dizer para que rumo temos de seguir e não é nem deve ser pauta política do movimento se tivermos compromisso com a realidade. A liberdade e a igualdade não devem se apresentar numa lógica e roupagem formal e(ou) legalista, mas de uma maneira real - até porquê só são reais se aparecem dessa maneira.
Esse jeito de pensar coloca o papel do XI como assistente jurídico externo ao ME da própria Universidade que a FD faz parte de uma cultura de distanciamento da práxis política e de ruptura com agentes transformadores e de luta que atuam na sociedade tais como movimentos sociais dos mais diversos. Esse jeito de pensar introjeta nas cabeças dos franciscanos que não fazemos parte do conflito e da construção uspiana. Subestimamos a capacidade intelectual dos outros estudantes da USP de maneira ultrajante achando que eles não sabem o que fazem e o que devem fazer.
E ainda dizem as cabecinhas protojurídicas que devemos estar um passo a frente do ME - sintomático. Para tais devemos mesmo estar um passo a frente, de preferência sem olhar pra trás para ver se ele caiu. Triste. Devemos estar do lado, em volta, na luta, na briga, no debate - nunca esnobemente na frente.
Falar que a política estudantil da Cidade Universitária é anacrônica e retrógada é recorrente nesses hermeneutas peculiares, mas não consideram como tal prática "caduca" conseguiu conquistar diversos pontos de extensa pauta numa atitude que foi feita à sua revelia e eles tiveram que tolerar pela vitória - a Ocupação da Reitoria de Abril/Maio/Junho de 2007. Paradoxal declarar que uma coisa hoje não dá mais certo se ela deu a menos de um ano atrás.
É a velha discussão do retorno do "Onze Grande". É o desejo de voltar a ser "o" CA, de estar por cima da carniça. Do XI voltar a brilhar. O XI não tem que e nem vai brilhar por estudarmos Direito. Seremos burros ao ponto de perceber que o passo a ser dado na política estudantil da São Francisco não é nos enveredar pelo caminho inútil e obtuso do Direito e sim engajar-se na construção de uma USP mais democrática, inclusiva e que responda às demandas populares?

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